Pioneiro dos supermercados em Santa Catarina, Zefiro Giassi cresceu evitando empréstimos nas épocas críticas e com gestores que estão na empresa há mais de 30 anos

“O sapo não pula por boniteza, mas porém, por precisão”, escreveu Guimarães Rosa em “Sagarana”. Zefiro Giassi, criador da rede varejista catarinense Giassi, que deverá faturar R$ 800 milhões em 2011, conhece a frase como poucos e não apenas por ser professor.

Foi por precisão – três, de seus cinco filhos, já eram nascidos, quando ele resolveu deixar de lado o salário de professor e abrir um mercado, nos idos de 1960. Foi também por necessidade – um acidente doméstico que o deixou cego de um olho – que ele se tornou o primeiro de sua família a concluir o magistério, já que não podia com a lida do campo.

O então professor Giassi, de terno: um acidente com um facão de cana o afastou da lida no campo e fez com que se tornasse o primeiro da família a concluir os estudos
Nascido em Içara, no sul de Santa Catarina, Giassi tinha três anos quando um primo que cortava cana de açúcar ergueu demais o braço e atingiu o olho esquerdo de Zefiro.

A tragédia e a marca que o acompanham ao longo da vida poderiam ser motivo de desânimo, mas acabaram reescrevendo o destino do garoto. Como não podia acompanhar a carreira rural da família, Zefiro foi encaminhado aos estudos. Deveria se tornar professor, trabalhar em lugar fechado, sem pegar sol e longe da rotina extenuante do sítio. Assim, pouparia a única vista boa.

“Naquele tempo e naquela região, ou se era agricultor ou se era professor”, diz ele. “Não havia outras oportunidades.”

Aos oito anos, percorria cinco quilômetros para chegar à Escola da Quarta Linha Sangão, de ensino público e estadual. Cavalo, só quando estava doente. Foi na escola que o neto de italianos começou a dominar o português com mais habilidade. O italiano foi sua primeira língua.

Responsável por levar os ovos e queijos produzidos pela família a serem vendidos no centro da cidade a cada 15 dias, Zefiro mostrou de jovem que já tinha espírito empreendedor. Colhia pimentas, cultivadas em casa, e fazia conservas caprichadas. Esse dinheiro ficava em seu bolso.

Zefiro Giassi: “Ninguém faz milagre. Tem de se especializar na qualidade, no produto e no atendimento. A gente se atualiza na exigência do povo.”
“Eu acredito que todos têm um dom ao nascer”, afirma. “Certamente, surgiu em mim alguns sinais de vocação do comércio e eu sempre botei isso em prática.”

Aos 14 anos, o pai Ângelo encontrou um jeito de matriculá-lo no colégio Dom Daniel Hostin, em Forquilhinha. Foi o primeiro Giassi e seguir com os estudos. Zefiro era o quarto, de sete irmãos. Até então, todos haviam estudado apenas o primário. O desafio, agora, não era mais a distância, mas pagar a escola. A solução: trabalho. Zefiro pernoitava na casa dos padres, badalava os sinos, alimentava os animais e dirigia charretes. Com o trabalho, ganhava uma espécie de bolsa de estudo e também de alimentação.

No ano seguinte, iniciou os estudos no conceituado Grupo Escolar Lapagesse, em Criciúma. Fez a quinta série e emendou o Curso Normal Regional, o equivalente ao magistério. Aos 18 anos, pegou o diploma. O primeiro emprego foi em Morro Bonito, na mesma escola onde a irmã Alzira (que estudara até o quarto ano do primário) lecionava até trocar de emprego pelo casamento.

“Já trabalhava lá sempre que a minha irmã precisava de um substituto”, diz. “Quando abriu a vaga, o convite para ocupar o lugar veio para mim.”

Zefiro cuidava das turmas da primeira a terceira série, simultaneamente. Em 1955, casou com Ana Maria Zilly Giassi, com quem teve cinco filhos. Foi por causa da família que o magistério se tornou inviável. “Tinha três filhos na época e era muito difícil de sustentá-los”, afirma. “A gente conseguia viver graças a muitos pais de alunos que nos davam presentes, como alimentos.”

Na busca por alternativas, o comércio pareceu o caminho mais fácil. Seus pais, no entanto, lembraram os inúmeros comerciantes falidos e endividados na cidade. Mesmo assim, Zefiro montou uma sociedade com o amigo Benevenuto Fiorindo Dal Molin. O sócio tinha acabado de vender um terreno por 175 mil cruzeiros e Zefiro, depois de muita insistência, conseguiu um empréstimo com o pai e dois amigos para dar o ponta pé inicial na sociedade.

A loja foi inaugurada em 1960, em uma sala de quatro metros por nove metros, próxima à praça São Donato, em Içara. Zefiro havia pedido licença sem vencimentos do magistério – profissão para a qual nunca mais retornaria. No início, a loja vendia ferragens e tecidos. Porém, numa de suas andanças por São Paulo e Rio de Janeiro, Zefiro percebeu um mercado emergente e vigoroso: o autosserviço.

“Vimos que esse sistema era o futuro e já estava bem forte em outros lugares”, diz. “Como quem sai na frente, sai ganhando, senti que deveríamos nos tornar pioneiros em autosserviço aqui na nossa região.”

A primeira loja de autosserviço, ou supermercado, com o nome Giassi foi inaugurada em 1970. No início, os consumidores entravam desconfiados, sem saber exatamente como pegar os produtos e pagar por eles. Naquele tempo, a população estava acostumada a pedir o que queria no balcão dos armazéns, anotar o valor no papel e pagar no fim do mês. Pouco a pouco, as pessoas se adaptaram à novidade e viraram frequentadoras assíduas do estabelecimento.

“O caminho do ramo varejista de autosserviço no Brasil e em especial Santa Catarina foi de crescimento gradativo”, afirma o consultor Ivam Michaltchuk. “No início, houve as naturais resistências a mudanças, mas a conveniência, a qualidade e a persistência foram mais fortes e os catarinenses acabaram absorvendo esta forma de fazer compras.”

Em 1987, a sociedade foi desfeita. Zefiro se concentrou apenas no supermercado. À época, os desafios dos varejistas eram grandes. O Brasil vivia a hiperinflação e as maquininhas de etiquetagem trabalhavam freneticamente.

“A gente tinha de saber o preço dos produtos na indústria diariamente”, diz Zefiro. “Não podíamos vender muito porque poderíamos ficar sem dinheiro para novas compras.”

Zefiro resolveu agir com cautela. Evitava a todo o custo emprestar, para não pagar juros e ficar nas mãos de bancos. “Seu bom senso, aliado ao grande diferencial de apostar no desenvolvimento dos talentos humanos são sua grande marca. Prova disso é que muitos de seus gestores estratégicos estão na empresa há mais de 30 anos”, afirma o consultor Michaltchuk.

Segundo o empresário, seu conhecimento veio do trabalho, da rotina e das conversas com outros empresários, em muitos congressos.

Hoje, a Giassi tem 11 lojas e a 12ª deverá ser inaugurada em abril. São nove cidades atendidas pela rede, todas no leste de Santa Catarina. Agora, Zefiro se preocupa não apenas para o futuro da empresa, mas principalmente ao seu futuro dentro da empresa. Há cinco anos, deixou de lado a jornada de trabalho que começava às 6 horas e se estendia até às 24 horas, e encerra o expediente por volta das 18 horas. Pouco a pouco, aprende a delegar mais e a trabalhar menos. Para o próximo ano, a ideia é deixar tudo nas mãos dos herdeiros e ficar apenas orientando. “Vou me libertando devagarinho”, diz. Por Daniel Cardoso
Fonte:iG07/12/2011