União arrecadou mais de R$ 100 bilhões com desestatizações e desinvestimentos em 2019. O ‘Nexo’ mostra o que está no radar para o ano que começa e quais as diferenças entre os processos usados

O presidente Jair Bolsonaro foi eleito em 2018 com as privatizações como forte bandeira de sua agenda econômica. Ao lado de seu “posto Ipiranga” Paulo Guedes, o então candidato prometia repassar mais de 100 empresas estatais para o controle da iniciativa privada.

Após tomar os primeiros passos do processo de privatização de empresas como Correios e Telebras em 2019, em janeiro de 2020 o presidente admitiu a dificuldade de efetivar a venda das estatais. Em entrevista a jornalistas na terça-feira (7), ele falou especificamente da dificuldade de conseguir privatizar os Correios, apesar da sua intenção.

Uma pesquisa do Instituto Datafolha publicada em setembro de 2019 revelou que dois terços da população brasileira são contrários a privatizações de forma geral. Com relação a empresas específicas cujas privatizações já foram ventiladas em Brasília, a pesquisa mostrou que há rejeição majoritária à venda de Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Correios e Petrobras.

Abaixo, o Nexo explica as diferentes maneiras pelas quais o processo de privatização pode ocorrer, lista as empresas privatizadas em 2019 e levanta quais estão no radar do governo federal para 2020.

Os diferentes modelos de privatização

Tecnicamente, aquilo que é comumente chamado de privatização é uma desestatização, processo em que o Estado vende empresas ou transfere a responsabilidade de prestar determinados serviços para a iniciativa privada. A privatização é apenas uma das possíveis formas de desestatização, mas, por convenção, o termo acaba sendo usado normalmente como sinônimo. Há três formas de desestatização diferentes.

PRIVATIZAÇÃO
Ocorre quando o governo vende uma empresa para o setor privado em definitivo. O processo geralmente é concretizado por meio de leilões, mas também pode ser feito pela venda de ações até o governo perder o controle acionário da empresa, como aconteceu com a BR Distribuidora, uma subsidiária da Petrobras, em 2019.

PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA
A chamada PPP ocorre quando um empreendimento é levado adiante por meio de uma cooperação entre o governo e a iniciativa privada. O poder público entra com uma parte dos recursos e o ente privado completa o investimento, que explora o empreendimento por um determinado período de tempo.

CONCESSÃO
Ocorre quando o governo cede a uma empresa o direito de explorar determinada atividade por um prazo pré-estabelecido. A remuneração do empreendimento para a empresa que levar a concessão é geralmente advinda de cobranças e tarifas, como é o caso de pedágios em rodovias concessionadas.

As privatizações em 2019

O ministro da Economia, Paulo Guedes, assumiu o cargo em janeiro de 2019 falando em arrecadar US$ 20 bilhões – cerca de R$ 75 bilhões pela cotação da época – em desestatizações e vendas nos primeiros 12 meses do governo Bolsonaro. O objetivo para o ano foi superado.

R$ 103,1 bilhões
foi a quantia arrecadada pelo governo federal com desestatizações, vendas de ações (desinvestimentos) e vendas de campos de petróleo pela Petrobras em 2019

Desse total, cerca de metade veio de desestatizações, gerando R$ 51,3 bilhões em receita. As principais empresas vendidas foram:

  • Liquigás, distribuidora de gás liquefeito – a Petrobras vendeu a totalidade de sua participação por R$ 3,7 bilhões
  • TAG (Transportadora Associada de Gás), que atua no setor de gás natural – a Petrobras, que detinha a totalidade da empresa, vendeu 90% das ações, arrecadando R$ 33,5 bilhões
  • BR Distribuidora, rede de distribuição de combustíveis – a Petrobras vendeu ações até perder o controle sobre a empresa. A participação da Petrobras caiu de 71,25% para 37,5% com a operação, que arrecadou R$ 9,6 bilhões

As três empresas vendidas eram subsidiárias da Petrobras. Um julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) concluído em junho de 2019 autorizou o governo a vender subsidiárias sem precisar passar a decisão para o Congresso. No entanto, o tribunal também deliberou que a venda de “empresas-mãe” – as estatais – precisa passar pelo aval dos parlamentares. Uma eventual privatização da Petrobras, por exemplo, teria de ser aprovada na Câmara e no Senado antes de ser efetivada.

Além dessas privatizações, foram concluídas concessões de infraestrutura de aeroportos, portos e ferrovias por todo o Brasil. O ano de 2019 também ficou marcado por vendas de ações consideradas “pouco estratégicas” para o governo. São situações chamadas de desinvestimentos, porque não alteram a posição do governo federal em relação ao controle acionário das empresas.

É o que ocorreu com o IRB Brasil Resseguros, que teve ações vendidas pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) em julho. Também foi o caso da Neoenergia, empresa de controle privado da qual o Banco do Brasil tinha uma participação de pouco menos de 10%, parcela inteiramente vendida quando a companhia abriu capital em julho. Ao todo, essas operações renderam R$ 37,5 bilhões aos cofres da União.

Como funciona uma privatização

O processo começa quando uma empresa entra na análise do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), criado em 2016, sob o governo de Michel Temer. O programa surgiu com o objetivo de incentivar obras de infraestrutura e aproximar o poder público da iniciativa privada.

No PPI, são feitos estudos sobre a situação das empresas e os possíveis modelos de desestatização. Essas análises são feitas com participação do BNDES. A resolução que autoriza ou não um processo de desestatização é feita pelo Conselho do PPI, composto por 11 membros. As cadeiras do conselho são ocupadas pelo presidente da República, sete ministros – incluindo os da Economia e da Casa Civil – e os presidentes do BNDES, da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil.

Até novembro de 2019, para que uma empresa estatal fosse desestatizada ou fechada – com a venda de seus ativos –, a operação costumava durar cerca de dois anos até ser finalizada. Isso porque, após a resolução do PPI, era necessário formalizar a decisão por decreto, para que a empresa passasse para a etapa seguinte e entrasse no PND (Programa Nacional de Desestatização). Uma vez no PND, o modelo de desestatização era preparado e seguido de uma consulta pública e uma análise do TCU (Tribunal de Contas da União). Por fim, o edital do processo era publicado.

Em 19 de novembro de 2019, foi aprovado no PPI um processo simplificado de desestatização. Com a mudança, que passou a valer imediatamente para empresas com valor inferior a R$ 300 milhões, a instrução da resolução do PPI passou a valer também para o decreto. A intenção original é reduzir o tempo dos processos de desestatização para um semestre. A depender da empresa, é necessário que a venda seja também aprovada pelo Congresso Nacional.

As empresas que estão na mira

Em 2019, o governo Bolsonaro encaminhou diversas empresas ao Programa de Parcerias de Investimentos, para dar início às primeiras etapas do processo de desestatização. Entre elas estão:

  • Correios: responsável pelos serviços postais brasileiros
  • Telebras: estatal de telecomunicações que opera serviço de fibra ótica e um satélite
  • Dataprev (Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social): empresa de tecnologia e informações, responsável, entre outras funções, por operar o pagamento mensal de mais de 34 milhões de benefícios previdenciários
  • Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados): principal responsável pelos serviços de processamento de dados para o setor público
  • Emgea (Empresa Gestora de Ativos): gere os ativos da União e de entidades integrantes da administração pública federal, incluindo as carteiras de operações de crédito do governo
  • Codesp (Companhia Docas do Estado de São Paulo): empresa responsável por administrar o Porto de Santos, o maior complexo portuário da América Latina
  • Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo): estatal responsável pelo abastecimento e armazenamento de frutas, legumes, verduras, flores e pescados no estado de São Paulo
  • ABGF (Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias): administra fundos como o seguro de crédito à exportação
  • Ceitec (Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada): vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, atua no setor de semicondutores, ligado à microeletrônica

Outras empresas como Casa da Moeda e Eletrobras já haviam sido qualificadas no PPI antes do início do governo de Jair Bolsonaro.

As prováveis privatizações para 2020

Das empresas federais que estavam no PPI em 2019, algumas já foram qualificadas e inseridas no PND (Plano Nacional de Desestatização). Em entrevista ao G1 em outubro, a secretária especial do PPI, Martha Seillier, listou algumas empresas que podem ser privatizadas em 2020. Entre elas estão:

  • Casa da Moeda, incluída no PND em outubro de 2019
  • Emgea, que entrou no PND em setembro de 2019
  • ABGF, no PND desde setembro de 2019
  • Ceagesp, incluída no PND em outubro de 2019
  • CeasaMinas, que entrou no PND em novembro de 2000, 16 anos antes da criação do PPI, mas que nunca teve sua desestatização efetivamente realizada

As cinco empresas ainda não têm modelo de privatização definido. Segundo o portal do PPI, todos os processos estavam em fase de estudos em 8 de janeiro de 2020.

Além dessas empresas, o secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados, Salim Mattar, fala em concluir as privatizações de outras duas empresas em 2020. São elas:

  • Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados)
  • Dataprev (Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social)

Ambas foram qualificadas pelo PPI e inseridas no PND em novembro de 2019. Em janeiro de 2020, a Dataprev deu início a um plano para eliminar despesas e demitir centenas de funcionários, como parte do processo de preparação para ser privatizada. Também em novembro de 2019, a EBC (Empresa Brasileira de Comunicação) foi inserida no PPI para análise de desestatização.

Outras empresas debatidas no governo

Em entrevista ao UOL publicada em dezembro de 2019, Mattar afirmou que o governo pretende gerar R$ 150 bilhões em desestatizações e vendas de ações em 2020. A meta é diminuir o número de empresas com participação do governo federal de 627 para 327.

Das 300 empresas que deixariam de ter participação da União, a maioria está ligada à Eletrobras, empresa que tem papel relevante na geração e transmissão de energia elétrica no Brasil. Caso a Eletrobras seja privatizada, 210 empresas que pertencem à empresa-mãe deixarão o controle da União.

Para ser concretizada, a privatização da Eletrobras precisa ser aprovada no Congresso Nacional. Um projeto de lei que trata do tema foi enviado à Câmara em novembro de 2019 – Mattar afirmou ao jornal Valor Econômico que a expectativa do governo é de aprovação pelos parlamentares até abril de 2020. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, já declarou em mais de uma ocasião que, no atual formato, o projeto não deve ser aprovado pelos senadores. Ele defendeu que, ao contrário do que está no modelo proposto, a União mantenha poder de veto a decisões consideradas estratégicas e sensíveis da Eletrobras.

Entre todas as empresas que já foram alvo de discussão de privatização, há aquelas que já tiveram suas desestatizações descartadas. É o caso do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, cujas privatizações foram publicamente rechaçadas pelo presidente Jair Bolsonaro em dezembro de 2019. Conforme apurado pelo jornal O Globo, as duas instituições financeiras públicas chegaram a ser abordadas em reuniões do PPI em 2019.

Por fim, mesmo que a empresa tenha sido encaminhada ao PPI em 2019, é improvável que os Correios sejam privatizados. Conforme dito por Mattar ao UOL, a empresa foi enviada ao Programa de Parcerias de Investimentos apenas para estudos. O secretário também afirmou que, se houvesse intenção de privatizar de fato a empresa, ela já teria sido incluída no PND. Nos primeiros dias de 2020, o presidente Jair Bolsonaro reforçou a improbabilidade de privatização dos Correios.

“Se eu pudesse privatizar [os Correios] hoje, privatizaria. Mas não posso prejudicar o servidor dos Correios” Jair Bolsonaro presidente da República, em entrevista a jornalistas em 7 de janeiro de 2020, em Brasília

Na mesma fala, o presidente citou a dificuldade geral enfrentada pelo governo na área. Bolsonaro disse abertamente que “não são fáceis as privatizações”. Marcelo Roubice Leia mais em nexo 08/01/2020