Tem coisas estranhas acontecendo, e isso não é só no Brasil”. Foi assim que Fabio Kanczuk, ex-diretor do Banco Central e chefe de macroeconomia da ASA Investments, iniciou o seu discurso no Congresso da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp) na quarta-feira (18). Apesar de ter algumas nuances diferentes, disse, a história comum na cena local e no exterior é o cenário de pandemia e de aumento de preços, que levou os bancos centrais de toda parte do mundo a subir os juros.

Esse ambiente de elevação acelerada das taxas, por sua vez, não só encarece o crédito e reduz a demanda, como tende a provocar uma recessão nas economias. No entanto, não é o que tem acontecido na fotografia atual: os países não entraram em contração econômica, ao contrário, as economias estão sólidas, e mesmo assim a inflação parece esfriar. “Não é o script do filme que estamos acostumados a ver”, brinca Kanczuk.

Apesar de muitos analistas atribuírem os estímulos fiscais, como o programa social Bolsa Família, à posição favorável do Brasil, há de se considerar que o aumento do consumo deveria, então, gerar mais inflação. Mas também não é o que temos visto.

ʽCoisas estranhas estão acontecendoʼ no Brasil
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Todos os economistas previam recessão nos Estados Unidos, mas, depois de errar o cenário por um ano, somos forçados a pensar em algo diferente que pode estar acontecendo, como, por exemplo, ganhos de produtividade”, admite o chefe de macroeconomia da ASA Investments.

“Ganho de produtividade embute tanto o PIB potencial [capacidade de crescimento da economia sem gerar pressão inflacionária], como o juro neutro, que fica mais alto quando a economia está crescendo com mais produtividade”, explica.

Pela lógica, um cenário de maior produtividade força o banco central a trabalhar com juros mais altos para impedir um repique da inflação. Atualmente, os economistas projetam um arrefecimento do IPCA, podendo chegar a 3,5% ao ano. Por outro lado, se de fato estivermos em um momento de ganho de produtividade, como sugerido por Kanczuk, o ciclo de cortes da taxa Selic pode gerar mais inflação.

Não bastasse, a questão fiscal ainda não resolvida no Brasil, somada aos juros restritivos nos Estados Unidos, além da guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas e, consequentemente, a escalada do preço do petróleo no exterior reforçam a visão de que alguma pressão inflacionária deve vir à frente.

Todos esses fatores, segundo Fabiano Zimmermann, gestor da ASA Investments, nos levam a uma provocação: será que os recentes anúncios de corte de juros pelo banco central foram precipitados? Não por acaso, nos últimos dois meses, as estimativas para a Selic no fim do ciclo aumentaram cerca de dois pontos percentuais, de 8,75% para 10,75%, retomando o patamar de dois dígitos.

“Em um momento de adversidades, como o de agora, cada momento de estresse vai nos remeter a essa pergunta. Por isso, se de fato as projeções estavam erradas e os juros não deveriam ter sido reduzidos, agora deve ser priorizado portfólio mais conservador”, pontua Zimmermann.

Mesmo assim, o gestor pondera que, pelo histórico de juros brasileiro, a taxa Selic deve ficar abaixo dos dois dígitos. E, diante do ciclo de queda, a renda fixa prefixada e indexada à inflação deve apresentar um desempenho melhor. “É razoável pensar em uma carteira conservadora com 30% em prefixados, 30% em inflação e 40% em pós-fixados”, diz.

Vale lembrar que os títulos prefixados têm os juros definidos no momento em que é feita a aplicação. Normalmente eles são recomendados em contexto de queda da inflação e da taxa de juros, como temos visto atualmente. A ideia aqui é garantir uma rentabilidade atrativa na renda fixa antes de a Selic cair até chegar ao fim do ciclo.

Já os títulos atrelados à inflação pagam a variação do IPCA ao longo do tempo mais uma parcela prefixada de juros. Esses ativos podem ser uma boa opção para quem tem pensamento de longo prazo, visto que o dinheiro aplicado acompanha a inflação durante todo o prazo do investimento.

A renda fixa pós-fixada, por sua vez, paga o percentual do CDI, indicador do setor bancário que segue de perto a taxa Selic, como remuneração. Portanto, em ciclos de queda dos juros, é natural que a rentabilidade oferecida por esses títulos também diminua, ao mesmo tempo em que o oposto também é verdadeiro. Ou seja, se os juros sobem, as taxas dos pós-fixados aumentam… leia mais em Valor Investe 19/10/2023