Conceitos relacionados à agenda ESG (Ambiental, Social e Governança) estão presentes hoje no centro das decisões de investidores, stakeholders e empresas, exigindo da iniciativa privada a incorporação dessa agenda tanto internamente (na sua operação), quanto nas suas relações com sua cadeia de fornecimento. Nesse item, diversos contratos já estabelecem obrigações relacionadas a este conteúdo e, muitas vezes, contém sanções por violações diretas ou indiretas.

Nessa linha, diversos contratos contêm obrigações referentes à sustentabilidade, obrigando as partes a empregarem os melhores esforços ou esforços razoáveis para atingimento das metas de sustentabilidade de companhias.

O ponto de análise é como essas questões serão interpretadas pelo Judiciário no momento de uma discussão de violações a relatórios de sustentabilidade que contém diversas questões de difícil mensuração e enquadramento fático-jurídico. Práticas inadequadas, nem sempre ilegais, poderão ser precificadas por caracterizarem-se como um risco para o negócio de uma das partes contratante. O questionamento que se impõe é no sentido de como o judiciário irá quantificar financeiramente essas violações contratuais por não observância de relatórios de sustentabilidade.

A inclusão de cláusulas sociais e ambientais em contratos não é, como se sabe, um fenômeno necessariamente novo. Antes mesmo do Código Civil atual – cuja redação original trazida pelo art. 421, do Código Civil, estabelecia que o exercício da liberdade de contratar deveria se dar em razão da função social do contrato -, diversos contratos contemplavam a necessidade de as partes observarem os parâmetros e as melhores práticas relacionadas ao meio ambiente, aos direitos dos trabalhadores, a direitos de propriedade intelectual pertencente a terceiros, aorelacionamento com agentes públicos (corrupção), à concorrência, entre outros.

O caráter transcendental do contrato – no sentido de que seus efeitos práticos superam o campo restrito das partes e atingem o entorno no qual o negócio é constituído e executado -, portanto, já era reconhecido “pré-legalmente”, embora questões jurídicas, muitas vezes, contribuíam para acelerar a adoção daquelas cláusulas.

A agenda ESG, claro, serviu para impulsionar ainda mais o tema – e, é importante reconhecer, e trazer um novo colorido ao assunto.

Se, antes, os contratos previam cláusulas daquela natureza, quase sempre, sob uma perspectiva negativa – isto é, impondo às partes contratantes abstenções (obrigações de não fazer) relacionadas àqueles temas, a apropriação, pelas empresas, de conceitos e práticas ESG, tem provocado uma inversão de sinal. Certas contratações passam a ter como requisito a própria observância, pelo contratado, de práticas sintonizadas com a agenda ESG. Mais ainda: a manutenção dessas práticas passa a ser uma obrigação contratual. Dito de outro modo: as partes passam, efetivamente, a assumirem obrigações positivas (de dar ou fazer) relacionadas àquelas práticas.

Esse, inclusive, tem sido um traço bastante comum dos contratos de financiamento de grandes projetos ou mesmo de outros tipos de contrato cujo valor estratégico seja relevante para a implementação do objeto do negócio. Em tais casos, um sistema bastante sofisticado de incentivos e desincentivos é construído, de modo a viabilizar, por meio das ações a serem adotadas pelas partes no âmbito do contrato, a concretização de metas de sustentabilidade e outras ações relacionadas à agenda ESG. Como um tipo de arranjo institucional, o contrato pode estabelecer mecanismos de premiação e de penalidades visando o atingimento de objetivos estratégicos em termos de ESG.

Assim, o debate é amplo e complexo e a celebração de contratos com cláusulas de melhores esforços em temas de sustentabilidade, irão gerar riscos de judicialização se não forem efetivamente atendidas.

Sobre os autores

Luciana Camponez Pereira Moralles é advogada especialista em direito ambiental e regulatória do escritório Finocchio & Ustra, Sociedade de Advogados. Possui mais de 20 anos de experiência nas áreas ambiental, de sustentabilidade, regulatória e administrativa pública.

Luis Felipe Dalmedico Silveira é sócio da área contratual do escritório Finocchio & Ustra, Sociedade de Advogados, com experiência em contratos societários, projetos imobiliários, negócios relacionados a ativos de infraestrutura e contratos com a Administração Pública. É árbitro em câmaras especializadas e membro da Comissão de Infraestrutura, Logística e Desenvolvimento Sustentável da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em São Paulo, e de outros órgãos do setor de infraestrutura… leia mais em Valor Econômico 11/03/2024