Atualmente, tem-se percebido uma crescente de ações penais que visam punir empresários pela prática de sonegação fiscal (Lei nº 8.137/90) decorrente da chamada amortização indevida do ágio gerado em operações de M&A intragrupo.

Para esclarecer melhor a matéria que abordada, importante tecermos – ainda que de forma breve – algumas considerações sobre o chamado ágio.

Como se sabe, o preço de aquisição de ativos nas operações de M&A nem sempre corresponderá ao valor correto de mercado. É justamente dessa diferença (positiva) apurada entre o valor da aquisição e o valor do real do ativo adquirido que nasce o chamado, pela contabilidade, ágio.

Portanto, o ágio tratado aqui será aquele formado a partir de operações de fusão e aquisição praticadas entre empresas do mesmo grupo econômico.

Tecidas essas breves considerações introdutórias, parece oportuno trazer um panorama histórico sobre ágio no Brasil.

Em meados de de 1997, o Brasil entendeu que para fomentar a privatização de estatais através de capital estrangeiro (programa de privatização de estatais), seria necessário elaborar uma política fiscal mais arrojada e atraente.

Em razão disso, foi elaborada a Lei n° 9.532/1997 que em seus artigos 7º e 8º passou a autorizar que as empresas, nas operações de incorporação, fusão ou cisão deduzissem, como despesa, o ágio quando da apuração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Essa autorização para deduzir o ágio como despesa na apuração do IRPJ e da CSLL foi fundamentada nos chamados “rendimentos futuros”. Notadamente, por ser um meio de dedução de despesa relevante, as empresas passaram a utilizar o mecanismo, inclusive grupos econômicos.

Para que fique claro, a partir de 1997, o mecanismo passou a funcionar da seguinte forma: Um investidor adquire uma participação em uma outra empresa – seja do mesmo grupo ou independente – e paga um valor pela rentabilidade futura da empresa que está adquirindo.

A partir desse modelo de operação, é gerado o ágio e o valor correspondente poderá ser amortizado em até cinco anos, o que reduz, consideravelmente, o Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Esse tipo de operação está longe da ilegalidade, contudo, por ter se tornado uma prática comum, que possibilita uma redução considerável do IRPJ e da CSLL nas operações de M&A, podendo ser utilizada inclusive por empresas do mesmo grupo econômico, a Receita Federal começou a fiscalizar com mais veemência.

Com isso, se iniciou um debate no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais- CARF, sobre os limites da amortização do ágio, principalmente para aquelas empreses pertencentes ao mesmo grupo econômico.

Até meados de 2021 o CARF entendia que só existiria ágio válido naquelas operações de M&A realizadas entre pessoas jurídicas independentes e somente quando ficasse comprovado o efetivo gasto financeiro.

Em outras palavras, as operações de M&A intragrupos, ou seja, realizadas entre empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico, não poderiam se beneficiar da benesse no art.7º da Lei nº 9.532.

Parte desse entendimento decorria do fato de que a grande maioria dos planejamentos se traduziam em meras operações contábeis, isto é, o que se buscava era ilustrar uma operação aquisição, por exemplo, porém sem que houvesse de fato uma transferência de valores (pagamento) para a aquisição dessa participação……

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A alteração de um entendimento consolidado há tantos anos, para além das repercussões financeiras que serão geradas em favor dos contribuintes se traduz efetivamente, até pela complexidade que envolve a matéria, em um imprescindível avanço para demais controvérsias relativas à matéria, de modo a possibilitar, a partir deste novo paradigma, um debate mais lúcido e justo para sanar as demais controvérsias que envolvem o tema. *Luiz Luna Neto, advogado e professor universitário. Master of Law em Direito Tributário, pós-graduado em Direito Penal Econômico e em Processo Penal … saiba mais em Estadão 05/10/2023