O mercado de capitais é a melhor ferramenta para reduzir o spread bancário, na visão do secretário de reformas econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Pinto, que diz ter como referência o modelo americano.

“O objetivo é chegar a um padrão de um país desenvolvido, em que o mercado de capitais ultrapasse o sistema bancário como principal fonte de financiamento das empresas brasileiras, deixando de ser um financiamento de grandes empresas para também atingir empresas menores”, disse em entrevista ao Valor.

Spread bancário é a diferença entra a taxa paga pelas instituições financeiras para captar recursos e a que elas cobram dos clientes.

O pacote de medidas para estimular o crédito, anunciado na semana passada pelo governo, contempla algumas ações voltadas ao mercado de capitais, e o secretário afirma que outras estão sendo estudadas. Ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Pinto afirmou que elas passam por mudanças na tributação e também têm foco nos mecanismos de fiscalização e investigação do órgão regulador.

“Competição entre bancos é importante, mas a competição fora do sistema bancário é mais importante”, afirmou o secretário, ressaltando que, nos Estados Unidos, o mercado de dívida privada é cerca de cinco vezes maior que o de crédito bancário.

‘Mercado de capitais deve ser principal fonte para empresas’

Um dos primeiros itens da agenda para desenvolvimento do mercado de capitais, de acordo com ele, é a aprovação da reforma tributária sobre o consumo, com a criação de um imposto sobre valor agregado, batizado de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Uma nota publicada pela Fazenda no fim de março defende a adoção de um regime próprio de tributação para o setor financeiro.

Na visão de Pinto, o tema impõe muitos desafios e nenhum país até agora chegou ao modelo ideal. O melhor seria o IBS ter uma alíquota única e ser aplicado de maneira uniforme. Mas, no caso dos serviços financeiros, avalia, é muito difícil estabelecer o que é o valor adicionado em cada operação.

A aplicação do tributo na margem bruta aumentaria indevidamente o custo de crédito, diz nota da Fazenda. Por outro lado, a isenção total geraria problemas como a impossibilidade de aproveitamento de créditos tributários. Essa é uma discussão a ser feita com muita cautela na lei complementar que regulará o IBS, diz o secretário.

A reforma será um “incentivo gigante” ao mercado, disse. Hoje, as taxas de juros trazem embutidos impostos como o PIS/Cofins, o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e o Imposto sobre Serviços (ISS). Com a reforma, será possível às empresas obter crédito desses impostos.

Enquanto isso, a partir do segundo semestre, as inúmeras regras de tributação sobre fundos de investimento passarão por uma racionalização, de acordo com o secretário. Será parte da reforma da tributação sobre a renda, que o governo pretende empreender após aprovada a tributação sobre o consumo.

A ideia não é chegar a uma regra única para todas as aplicações, mas eliminar distorções para que a tributação deixe de ser privilégio de um instrumento em detrimento de outro. Essa discussão será travada em conjunto com o mercado. “Perdemos muita eficiência no mercado de capitais brasileiro devido a regimes distintos de tributação”, afirma.

Dentro das medidas anunciadas no pacote de crédito para proteger investidores e fortalecer o poder de polícia da CVM, o secretário diz que a autarquia ganhará um instrumento considerado relevante por técnicos, diretores e ex-dirigentes para facilitar investigações e coibir fraudes. Trata-se do projeto de lei que vai possibilitar que a CVM peça ao Judiciário para fazer busca e apreensão durante apurações, nos moldes do que ocorre hoje no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Para os próximos meses, outra ideia defendida pelo secretário é criar mandato para o atual superintendente de processos sancionadores (SPS) da CVM, uma das áreas técnicas mais sensíveis da casa, responsável por conduzir investigações de maior impacto. Caso a medida avance, o chefe da área será indicado pela Presidência da República e sabatinado pelo Senado, no mesmo modelo adotado para a escolha do presidente e dos quatro diretores do órgão. “Isso possibilitaria uma repressão mais adequada aos ilícitos do mercado de capitais.”

Pinto reconhece que as ideias do conjunto de medidas anunciadas na semana passada só pode ter sucesso com uma mudança na estrutura da CVM. Assim, segundo ele, há um engajamento da Fazenda na intenção de, em parceria com o Ministério da Gestão, abrir um concurso específico para a autarquia do mercado de capitais, um pedido antigo de presidentes do órgão.

A CVM não conta com novas vagas desde 2010 – hoje, tem uma vacância de 85 vagas de nível superior e 102 de nível médio. O quadro é considerado insuficiente para fazer frente às necessidades de fiscalização do mercado de capitais, que deu um salto em volume de captações nas últimas décadas, indo de R$ 13 bilhões em 2003 para R$ 581 bilhões no ano passado.

Dentro do pacote, a Fazenda vai propor ao Congresso Nacional que a Lei das Sociedades Anônimas seja alterada para facilitar o ingresso de ações judiciais, pelos acionistas , contra administradores e controladores das empresas. Assim, um bloco de 1% de acionistas ou que some R$ 15 milhões em ações poderia entrar com processos, na intenção de buscar reparações contra eventuais danos causados por gestões fraudulentas. Anos atrás, minoritários da Petrobras precisaram recorrer ao Judiciário americano para tentar responsabilizar a companhia e seus administradores…. leia mais em Inteligência Financeira 24/04/2023