Startups com projetos mais maduros estão buscando se financiar por meio de dívidas no mercado financeiro para fugir das rodadas de captação via ações que jogam para baixo o valor da companhia, os chamados “down rounds”. Diante da crise vivida pelo segmento de tecnologia e do ceticismo de investidores que já não estão mais tão dispostos a fazer altos desembolsos em empresas iniciantes, o mercado de dívida voltado a esse setor, conhecido como “venture debt”, se desenvolve no país.

Com a alta liquidez e a facilidade de obtenção de recursos que caracterizou o mercado nos últimos anos, a dívida nunca teve de ser uma opção na mesa. Agora, empreendedores enfrentam uma mudança radical de cenário. Eles têm se deparado não só com a escassez de crédito, mas também com a maior cobrança por resultados de seus negócios. Por conta disso, essas companhias estão correndo atrás de ajustes em suas estruturas, buscando receitas e funding alternativo.

Esse movimento das startups no país tem estimulado o crescimento do “venture debt” no Brasil, a exemplo do que se vê em mercados mais maduros. Dados da plataforma Distrito comprovam a tendência. No primeiro trimestre, houve um desembolso de US$ 317 milhões, o maior da história para essa modalidade. O volume de dívida superou o de investimentos em ações, que ficou em US$ 247 milhões no mesmo intervalo – queda de 86% no comparativo anual. Em todo o ano de 2022, o instrumento de dívida às startups somou US$ 563,9 milhões.

No primeiro trimestre, houve desembolso de US$ 317 milhões em ‘venture debt’, o maior para essa modalidade

Startups recorrem a dívida em meio à redução de investimentos no setor
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O presidente da Distrito, Gustavo Gierun, confirma que esse mercado no Brasil ganhou maturidade exatamente pela maior restrição de dinheiro, fazendo com que os empreendedores fossem impelidos a buscar uma saída. “O venture debt chegou como essa alternativa para a sustentação do negócio para a companhia continuar crescendo e sem diluição.”

Esse tipo de instrumento tem garantido às startups recursos num momento em que as torneiras se fecharam para essas empresas, especialmente aquelas que ainda precisam queimar caixa e não atingiram o equilíbrio financeiro. No Brasil, esse mercado, que era antes explorado por um nicho de gestoras, tem atraído, com seu desenvolvimento, nomes mais tradicionais, como Lumina e Prisma.

“O venture debt faz sentido para quem busca fluxo de caixa”, diz Amure Pinho, presidente da Associação Brasileira das Startups (ABStartups). “Aqueles movimentos que vimos de grandes valuations entre 2019 e 2021 não vão mais acontecer nos próximos cinco a dez anos.”

O executivo ressalta que o mercado mudou. Com isso, muitas startups estão encolhendo e algumas até quebrando. “Muitos vão deixar de ser unicórnios.”

A Lumina, gestora fundada por Daniel Goldberg, já engatou conversas com algumas empresas e fechou financiamento para a MC1 executar seus planos de negócio. A startup, focada em “software as service”, tem grandes companhias como clientes. A gestora não dá detalhes sobre esse financiamento.

Fernando Chican, sócio-fundador da Lumina, afirma que no cenário atual, de oferta de crédito limitada, sem aberturas de capital (IPO, na sigla em inglês) e “valuations” baixos, companhias avaliam qual melhor solução para levantar recursos para seus negócios.

“O venture debt pode ser uma ponte para essas empresas até a próxima rodada de captação. Com os fundos mais seletivos, os empreendedores ponderam na busca por financiamento se é hora de vender equity e se diluir ou se financiar através de uma dívida estruturada”, afirma Chican.

Na Fuse Capital, a estrutura de venture capital existe desde meados de 2020. A gestora é uma das poucas gestoras no mercado local que atuam tanto na compra de participações e em dívida, com uma proporção 70% e 30%. Por lá, a dívida é colaterizada em recebíveis futuros, que assim funcionam para garantia para a transação, explica afirma Dan Yamamura, sócio da Fuse.

Yamamura afirma que tomar dívida era, até pouco tempo atrás, mais vantajoso do que agora – já que a alta da taxa de juros para 13,75% ao ano encareceu essas operações no momento. Apesar disso, há demanda. “Mesmo pagando mais, as startups estão preferindo tomar dinheiro mais caro. Não faz sentido financeiro, mas faz sentido no contexto”, diz. Dentre as empresas do portfólio da Fuse que buscaram o mercado de venture debt, está a Credix, um marketplace de crédito.

Pedro Salum, fundador da LoopKey, empresa de controle de acesso e fechaduras inteligentes, o venture debt foi se mostrou uma boa alternativa de financiamento. “É um caminho pelo qual não há necessidade de abrir mão do equity, que é o seu ativo mais valioso, dado que tínhamos um destino claro para o capital que alavancaria o crescimento da empresa.”

Há outras razões, além da piora na avaliação em si, para as companhias tentarem evitar o “down round”. Uma delas é que há cláusulas estabelecidas em contrato, quando essas empresas passam por rodadas de captação, prevendo que a diluição maior nesse momento fica com o fundador. “Em uma diluição punitiva, como manter um alinhamento se o fundador é diluído? Existe um problema nesse caso”, diz uma fonte, que preferiu falar em condição de anonimato.

O sócio da Igah Ventures Thiago Maluf aponta que há, neste momento, busca por parte das startups por instrumentos de dívida, mas observa que o mercado de crédito está mais restrito. “A oferta se reduziu muito”, diz…. leia mais em Valor Econômico 25/04/2023