Câmaras que usam método alternativo de resolução de conflitos entre sócios mudam para acompanhar operações sofisticadas

Em time que está ganhando não se mexe, decreta o surrado ditado. A máxima pode servir para o futebol, mas parece não se aplicar à arbitragem. Não para aquela praticada nos campos de jogo — e sempre motivo de polê- mica — mas para a utilizada pelas empresas como método para resolver complexas disputas societárias sem ter de enfrentar a lentidão do Judiciário.

A prova disso é que a Câmara de Comércio Internacional (CCI), com sede na França, quase 90 anos e considerada principal palco da arbitragem internacional, acaba de reformular seu regulamento. Várias empresas brasileiras têm processos arbitrais em andamento na CCI. É o caso do duelo travado entre Abílio Diniz e seu sócio, o grupo francês Casino.

Entre as novas regras, que valem a partir do início do próximo ano, está a que estabelece a existência de uma conferência prévia. O objetivo é possibilitar que as partes se organizem melhor, planejem se haverá a necessidade de coleta de testemunhos, como será feita a produ- ção de provas e se é possível tentar um acordo, afirma André Abbud, do Barbosa Müssnich & Aragão. “É um avanço, pois evita que os envolvidos percam tempo com questões que não serão o foco da arbitragem”.

“Era muito comum que se levasse horas e se consumisse centenas de páginas para falar de questões que não têm relação alguma com a finalidade e o tema tratado na arbitragem”, lembra Arnold Wald, membro da corte internacional de arbitragem.

Além de deixar mais claros os objetivos das discussões, o novo regulamento da CCI faz com que as empresas se comprometam a tornar o processo mais rápido e equilibrado, acredita Joaquim de Paiva Muniz, sócio do Trench, Rossi e Watanabe.

Outra novidade incorporada pelo regulamento é a possibilidade de solicitar um árbitro de emergência. Ele será acionado em casos específicos e se for necessário tomar alguma medida que anteceda a arbitragem.

“Como o painel arbitral demora meses para ser constituí- do, os envolvidos podem recorrer ao árbitro ou ao Judiciário para tomar qualquer medida que exija urgência” , diz Wald. Para garantir a neutralidade da decisão, o árbitro escolhido para atuar em s i tuações de emergência não poderá compor o painel arbitral depois.

Em busca da simplicidade

Também é considerada relevante por especialistas a alteração que permite a unificação de arbitragens. Atualmente, cerca de 30% dos processos arbitrais envolvem mais de duas partes, diversos contratos e, cada vez mais, consórcios entre empresas e entes públicos em concessões governamentais. “O objetivo de unificar é evitar decisões conflitantes sobre o mesmo tema”, pondera Wald.

Embora possa ajudar a acelerar processos de arbitragem, a unificação não é algo simples. Pelas regras gerai s , em uma discussão entre duas partes cada uma indica seu árbitro. Juntos escolhem o presidente do painel. “A manutenção desse equilíbrio fica bem mais complexa quando se várias partes envolvidas. Uma pode se considerar prejudicada na escolha dos árbitros”, exemplifica Adriana Braghetta, presidente do Comitê Brasileiro de Arbitragem.

Espelho

Quarto país em volume de empresas e investidores que mais aciona a CCI, o Brasil acompanhou de perto a reforma do regulamento. É natural, portanto, que as câmaras do país adequem suas regras às necessidades do mercado.

A mais famosa delas, a do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, está à frente do processo. Sua recente reforma ampliou a lista de árbitros que os clientes podem escolher. Pelas normas, o presidente do tribunal não precisará mais integrar a lista da câmara. “As mudanças têm como objetivo explícito acelerar o processo de internacionalização da câmara”, diz Luis Fernando Guerrero, especialista em arbitragem do escritório Dinamarco, Rossi, Beraldo & Bedaque.

Em alta nos grandes centros, modalidade tenta renascimento em Goiás

Quinze anos após a lei da arbitragem passar a vigorar no Brasil, o perfil e o nível de profissionalismo das câmaras ainda é bastante distinto.

Depende muito da região em que acontece o processo. Consagrada nos grandes centros, onde estão concentradas as maiores operações de fusão e aquisição no país — e não à toa ficam também as câmaras mais acionadas por empresas e investidores — a arbitragem tenta caminhar para obter o mesmo sucesso no resto do país.

O maior problema é que essa popularização tem seu preço. Pode vir acompanhada de efeitos colaterais. Um deles, registrado com alguma frequência em Goiás nos últimos anos, tem sido o uso de símbolos e estruturas judiciais por câmaras arbitrais.

Essa utilização é proibida, pois a arbitragem é um processo entre particulares. Para evitar essas indesejáveis parcerias público privadas, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) derrubou decreto do Tribunal de Justiça (TJ) de Goiás que abria a possibilidade desses convênios. “Goiás está em um momento de renascimento de sua arbitragem. Tentando usar o que é bom e descartar o que é ruim para acertar”, define Luis Fernando Guerrero, que coordena uma comissão que tenta colocar a arbitragem local nos eixos. Por Luciano Feltrin
Fonte:brasileconomico28/09/2011