A onda de novas empresas de tecnologia na bolsa brasileira, que roubou a cena nos IPOs (as ofertas públicas iniciais de ações) no primeiro semestre, teve como uma das pioneiras uma “veterana” da internet voltada para o consumidor final, a Enjoei (ENJU3), que acaba de completar seu primeiro aniversário de listagem na B3.

Com uma das maiores plataformas de compra e venda de roupas, sapatos e produtos usados — e novos — do país, com 3,7 milhões de itens adicionados só no terceiro trimestre, a small cap acelerou a estratégia de fidelizar a base de usuários com a recorrência de compras; acertou parcerias para potencializar as avenidas de crescimento e ampliou o sortimento, muito além do vestuário pelo qual ficou conhecido. E há mais por vir.

“Gostamos da ideia de participar ativamente do ciclo de consumo das pessoas. Não queremos ficar só com o armário, ele é só a porta de entrada. Vamos para o quarto inteiro, as gavetas, o quarto do bebê, para a decoração da casa e mais”, disse Tiê Lima, CEO e co-fundador do Enjoei — ao lado de Ana Luiza McLaren –, à EXAME Invest.

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O número de sellers (vendedores) na plataforma B2B2C aumentou em quase 50% do segundo para o terceiro trimestre, para 87 marcas, incluindo algumas que reforçam a estratégia de ampliar o sortimento em novas categorias, como pets (Zee.Dog), dermocosméticos (Dermage), esporte & fitness (Decathlon) e móveis & decoração.

Uma das próximas categorias em estudo é o de gadgets, como são chamados aparelhos eletrônicos portáteis.

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O fortalecimento de parcerias com as marcas nessa frente de negócios levou ao aumento do desconto médio de 24% para 32% na mesma comparação trimestral, o que por sua vez se refletiu no crescimento de quase 200% no GMV (volume bruto de mercadorias transacionadas) na plataforma B2B2C no período.

A estratégia de ampliar o número de produtos e de categorias na plataforma tem um propósito muito claro. “Em casos como o nosso, a recorrência de compra se dá por causa de coisas que as pessoas querem. Passamos a ser ponto de partida de um desejo. Para conseguir recorrência, o sortimento é a chave”, disse Lima.

A execução desse plano se reflete nos resultados. No terceiro trimestre, cujos números foram divulgados no fim da tarde da última sexta-feira, dia 12, mais da metade (53%) das transações foi realizada por usuários que compraram seis ou meses vezes no terceiro trimestre. Outros 28% por aqueles que compraram de três a cinco vezes.

O número de transações dessa base mais recorrente — com seis ou mais compras — aumentou 44% no período, sinalizando a eficácia de uma estratégia que amplia as margens do negócio.

“O que temos feito desde o início do ano é, em vez de apenas disputar a aquisição do usuário em um ambiente de maior competição no e-commerce, incentivar para que a frequência do nosso usuário aumente”, disse Lima.

O aumento da recorrência do usuário permitiu que o GMV de toda a plataforma se mantivesse praticamente estável — em 199 milhões de reais — no terceiro trimestre em relação ao segundo mesmo com a redução de 19% do investimento em marketing. Foi algo que se refletiu na queda de 9% no número de novos clientes, para 166 mil, na comparação anual.

O número de novos vendedores aumentou 20% na mesma comparação, em 180 mil, em linha com o plano de expansão do sortimento. É um avanço que dialoga com os 3,7 milhões de itens novos já citados no trimestre.

Para o co-fundador do Enjoei, a opção pela recorrência vai permitir “construir uma base de crescimento futuro muito mais sustentável”.

“A nossa ambição é melhorar a eficiência de consumo das pessoas, melhorando o poder de compra como um todo”, contou o empreendedor, em referência ao dinheiro economizado com a compra e a venda de produtos usados.

Essa estratégia se reflete por ora em um indicador “macro” chamado share of closet, em referência ao core da companhia: “o quanto podemos ampliar a nossa participação no que foi transacionado no guarda-roupa de cada pessoa, comprado ou vendido”, explicou.

“Não precisa ser uma transação de segunda mão: se motivamos aquela transação a ser mais eficiente, nós entendemos que estamos participando daquele armário. Essa é a nossa visão como companhia.”

Segundo ele, pesquisas com clientes apontam que o dinheiro gasto a menos em boa medida acaba sendo de fato poupado, e não direcionado para compras adicionais, o que corrobora a tese do consumo sustentável.

Como parte desse racional, o Enjoei também utiliza o Enjubank, a sua carteira digital no qual créditos com a venda de produtos são depositados e que podem ser utilizados em compras futuras na plataforma e em parceiros como a C&A — neste caso, com direito a bônus, ampliando o valor do dinheiro.

Com marketplace desde 2012, o Enjoei é um dos pioneiros no país e legítimo representante da economia circular, algo que só recentemente passou a ser adotado em maior escala por alguns dos grandes grupos de moda: a Arezzo (ARZZ3) comprou a Troc no fim de 2020, enquanto a Renner (LREN3) adquiriu a Repassa em julho passado.

Embora em um primeiro momento isso seja encarado como aumento da competição, a visão é que tal entrada amplia o tamanho do mercado de forma positiva. No futuro, em um mercado de second hand de roupas e outros produtos mais maduro e diversificado, barreiras entre os marketplaces deixariam de existir, facilitando as transações por compradores e vendedores.

New Lifetime Value
O Enjoei também está acelerando a estratégia de parcerias com outras marcas, a exemplo do que fez neste ano com C&A, Boticário e OQVestir na frente de negócios do Enjoei PRO (em que a empresa assume o serviço relacionado à venda, como fotografia, cadastro e despacho, em troca de uma comissão mais alta de quem vende).

Na parceria com OQVestir, a empresa coloca em todos os pedidos dela uma bag do Enjoei para que o cliente separe as roupas que deseje vender. A receita de tudo que é negociado é compartilhado entre as partes.

“Todo mundo briga para conseguir Lifetime Value [LTV, conceito que mede o valor que um cliente gera para uma empresa ao longo de um ciclo de relacionamento], e nós costumamos dizer que temos New Lifetime Value para algo que nem tinha Lifetime Value.”

“O que estamos dizendo ao OQVestir é que ele tem Lifetime Value escondido em coisas que o cliente já tem. Isso é algo que pode ser expandido e nós podemos ser a ferramenta para que isso aconteça. Pensamos em reativar esse cliente por todas as vias, com um serviço não só para o nosso usuário como para o mercado como um todo.”

Na frente de eficiência da operação, a companhia tem reduzido gradualmente a dependência dos Correios para entregas graças a parcerias com duas empresas privadas de logística, a Jadlog e a Kangu, com redução no custo do frete.

Nos últimos meses, o Enjoei também abriu um canal de denúncias diretamente com diversas marcas, o que permitiu em um primeiro momento a retirada de centenas de vendedores e produtos de procedência duvidosa. A empresa reforçou a varredura diária da plataforma e o uso de algoritmos para identificar tais produtos. A partir de agosto, o número de denúncias por marcas parceiras caiu cerca de 70% a 80% com as medidas.

Tendência secular e pegada ESG
Ao mesmo tempo em que executa a estratégia de aumento da recorrência, o Enjoei tem desafios importantes pela frente, como sustentar o ritmo de crescimento, melhorar as margens e o Ebitda (geração de caixa operacional). O ritmo de expansão do GMV tem desacelerado na base anual: a alta passou de 104% no primeiro trimestre para 82% no segundo e 46% mais recentemente, no terceiro.

Além de seus próprios desafios, o Enjoei tem sido afetado pela onda vendedora que atinge a maioria das empresas da B3 e, em particular, as de tecnologia diante do aumento das incertezas econômicas, como a crise fiscal e a inflação. Um dos reflexos do risco maior é a disparada dos juros futuros, o que afeta o cálculo do “valor justo” das ações de crescimento, como são conhecidas as de tecnologia, por causa das perspectivas de expansão.

No seu primeiro ano listado, o Enjoei tem sido um dos símbolos da alta volatilidade para as empresas de tecnologia na bolsa brasileira: no início de fevereiro, o preço da sua ação atingiu o recorde de 20,90 reais, mais que o dobro da precificação de 10,25 na estreia em 9 de novembro de 2020. O seu valor de mercado então superava 3 bilhões de reais.

Desde então, o preço tem oscilado em tendência de baixa, até o ponto em que encerrou na última sexta-feira, dia 12, a 3,98 reais, no pregão que antecedeu a divulgação do resultado do terceiro trimestre. A menor cotação de sua curta história na bolsa levou a um valor de mercado aproximado de 790 milhões de reais.

Apesar da queda acumulada de 61% na cotação desde o IPO, a ação do Enjoei segue com recomendação de compra de analistas de diferentes casas e com algumas das maiores gestoras do país entre seus principais acionistas, como Dynamo (presente desde o IPO), Verde e Absoluto.

Para os analistas Luiz Guanais, Gabriel Disselli e Victor Rogatis, em relatório do BTG Pactual, os números operacionais do Enjoei no terceiro trimestre vieram um pouco abaixo das estimativas e o cenário de curto prazo segue desafiador, com um mercado de e-commerce mais concorrido e um aumento geral do custo de aquisição de cliente.

Mas eles apontam que há razões no front estrutural que justificam a manutenção da recomendação de compra da ação, como o fato de ser um player líder na venda de moda de segunda mão, com exposição à tendência secular de crescimento do e-commerce no Brasil e à economia circular com pegada ESG; e a combinação de milhões de compradores e vendedores na mesma plataforma, criando um efeito de rede. O preço-alvo em 12 meses embute um upside (potencial de alta) perto de 350%.

Para o co-fundador do Enjoei, um dos desafios é levar aos investidores que há uma trajetória de crescimento que não começou um ano atrás. “São mais de dez anos de existência se pegarmos a época em que lançamos como blog [em 2009]. Passamos por diversas melhorias e estágios como empresa nesse caminho. Mas não tivemos ainda tempo de estrada na bolsa para mostrar como somos e como nos comportamos em diversos cenários”, afirmou.

Ele destacou a evolução da gestão no primeiro ano listado. “É um aprendizado enorme. Você leva a sua gestão para outro nível, assim como o compromisso com um número maior de acionistas. A empresa tem mais disclosure [transparência], mais responsabilidade e melhorias na sua governança. São dez anos em um ano.”

Para ele, a desvalorização nos últimos meses não altera a estratégia de longo prazo traçada para a companhia……Exame .. .Saiba mais em indicesbovespa.16/11/2021