Até março deste ano, o volume de emissões de debêntures representava somente 8% de tudo que foi colocado no mercado em 2022, aponta a Quantum Finance. Segundo o levantamento, os títulos desse tipo somaram pouco mais de R$ 20 bilhões em ofertas, frente aos R$ 248 bilhões do ano passado, quando a procura por esses investimentos estava em alta. Para manter o mesmo ritmo, as emissões teriam que estar na base de R$ 60 bilhões neste primeiro trimestre.

Pode ser que o cenário mude, mas o fato é que houve uma queda de 65% nas ofertas de debêntures entre fevereiro de 2022 e fevereiro deste ano. Segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), este é o pior resultado desde 2020, quando eclodiu a pandemia.

Essa queda de emissões leva a um mercado de crédito mais escasso, com menos opções e promessas de retornos muito maiores para quem aceita algum risco e tem visão de médio e longo prazo. Segundo especialistas ouvidos pelo Valor Investe, o momento pode ser propício para partir para investimentos em crédito privado, tanto via fundos, quanto na compra de títulos de empresas bem avaliadas por agências de risco.

Gestor de crédito privado da Trígono Capital, Marcelo Peixoto, afirma que o investidor que não entra em fundos de crédito pode perder uma oportunidade. “Está atrativo entrar. Na verdade, é o pior momento para a pessoa física sair de um fundo. Quando o fundo está mais atrativo, ele tem um maior carrego (prêmio mais gordo), com retorno com maior qualidade de crédito”, diz.

As debêntures são um modo de as empresas se capitalizarem além dos bancos, buscando investimentos direto no mercado de capitais. Assim, emitem papéis de dívida com prazos pré-determinados.

O problema é que, quando os juros sobem, como vemos no momento, com a Selic (taxa básica) a 13,75% ao ano, o custo das emissões também se torna bem mais alto. E isso faz a dívida das empresas crescer rapidamente, aumentando o risco de calote e, por tabela, o prêmio pedido pelos investidores.

Peixoto destaca que, com essas condições, as empresas que não precisam de capital agora, com bom caixa, vão esperar um momento melhor para realizar emissões e vão restar as que precisam mais de dinheiro. No entanto, segundo ele, é possível, sim, encontrar boas, porém pontuais, oportunidades de empresas com boas notas de risco e retornos acima da média.

Diante dos calotes de Americanas e da Light, além de pedido de adiamento de pagamento de outras empresas, o mercado de debêntures, e de crédito privado de modo geral, tem sido mal visto por investidores, sobretudo aqueles que viam na renda fixa (que é o caso desses títulos) um terreno de estabilidade.

O resultado desse cenário de desconfiança foi um mercado desesperado para se desfazer de papéis de crédito privado. Os investidores começaram a pedir resgate e os gestores de fundos, por sua vez, se viram obrigados a vender na baixa porque precisavam de liquidez para conceder os saques dos seus clientes. Assim, os preços dos títulos despencaram para além do risco de calote. E as cotas dos fundos de crédito privado afundaram junto com os ativos.

“Antes, estava tendo muita emissão e as pessoas estavam dispostas a comprar, sair da poupança e assumir um pouco mais de risco na renda fixa. Isso alavancou muito o mercado de crédito privado. Cresceu muito o número de emissões. Então vimos os eventos como Americanas, BRK, Portocred (financeiras que quebraram), Marisa, Light, Tok Stok, e todo esse caos fez as pessoas tirarem o pé. O mercado de crédito secou bem. Fundos passaram a ter resgates”, avalia o chefe da área de análise da Guide, Fernando Siqueira.

A queda ficou mais visível para o investidor pessoa física este ano. Diferentemente de outros recortes similares no mercado, em que as perdas só eram vistas para investidores de fundos, desta vez, foi possível acompanhar a queda livre dos ativos por meio da marcação a mercado, que passou a aparecer na tela dos aplicativos de investimentos na medida em que o mercado reagia muito mal às notícias negativas das empresas.

Os títulos de crédito privado já vinham sofrendo desde o início do ciclo de alta da Selic, que continuou se intensificando no ano passado. Com o aumento das taxas, os papéis já emitidos se desvalorizavam marginalmente. Mas depois das bombas que fizeram o risco de crédito saltar, as perdas se aprofundaram.

Se algo está caindo, há uma fuga desses ativos em desvalorização. E se a maioria quer vender e poucos querem comprar, uma hora a oferta vai minando. Foi isso que aconteceu.

Na visão de Marcelo d’Agosto, consultor financeiro especialista em fundos e blogueiro do Valor Investe, existe um lado positivo nessa desaceleração de oferta. “Gera um equilíbrio para o mercado. Se não tinha ninguém comprando e agora não tem mais tanta oferta, os preços tendem a se estabilizar”, diz.

O gestor de crédito privado da Kinea, Ivan Fernandes, enxerga que boa parte da baixa já passou. A maior partes dos resgates já ocorreram, portanto, a fase de estabilização está em curso. Embora os gestores defendem que o momento é bom para entrar nesses títulos, há quem não veja motivo para se arriscar em um ambiente de volatilidade e em que as taxas dos Tesouro Direto estão nas alturas.

“A economia está fraca, os juros, altos, assim como o risco de crédito. Na nossa visão, faz mais sentido ficar em título público um pouco mais longo. Quem investir agora pega uma taxa alta. Acho que, para assumir mais risco de crédito, eu esperaria mais três ou quatro meses para ver como as coisas fluem”, pontua Siqueira, da Guide… saiba mais em Valor Investe 20/04/2023