Empresas que querem montar ou acelerar seus negócios digitais precisam estar prontas para enfrentar um dos maiores gargalos do mercado: talento. Este obstáculo tem duas grandes origens: uma demanda acelerada e uma oferta que não caminha na mesma velocidade.

Do lado da demanda: o Brasil é um dos países mais conectados do mundo, com mais de 70% da população grudada na internet, navegando em média 10 horas por dia. Soma-se a isto um volume de investimento em inovação sem precedentes – só em 2021, investiu-se em venture capital quase o mesmo volume de todos os anos anteriores somados – e têm-se a fórmula perfeita para provocar a ebulição de novos negócios digitais.

Era de se esperar, portanto, que a quantidade de postos de trabalho relacionados à tecnologia tenha acelerado de forma vertiginosa desde 2017, aumentando dez vezes mais do que a média de outros postos no mesmo período.

Mesmo com um cenário atual mais cauteloso – redução de PIB, aumento da Selic, diminuição do fluxo de capital -, o ritmo de crescimento das vagas em tecnologia não deve diminuir. Digitalização virou uma questão de sobrevivência para novas empresas e incumbentes. No ano passado, o Facebook anunciou um plano de contratação de mais de dez mil talentos digitais para a construção do seu metaverso; a Amazon deve contratar mais 55 mil funcionários globalmente, muitos destes no Brasil. Esta demanda só aumenta.

Como atrair e reter os talentos
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Aceleração

A população também segue se digitalizando em ritmo acelerado. Até 2026, espera-se que 185 milhões de brasileiros estejam conectados nas mídias sociais; o e-commerce deve crescer 55%; e mais de metade da população deve estar usando um banco digital.

Do lado da oferta: para cada novo profissional formado em áreas relacionadas à tecnologia, o País forma mais de 11 alunos de direito ou administração. Este desequilíbrio entre áreas de negócio e tecnologia é comum no mundo todo, mas no Brasil ele é substancialmente maior. Nos EUA e na Alemanha, por exemplo, essa proporção é de 1 para 5. Se continuarmos neste ritmo de crescimento e de formação de talentos, teremos uma lacuna de 1 milhão de vagas de tecnologia não preenchidas até 2030.

Globalmente, estima-se que até 3 milhões de vagas de cibersegurança não consigam ser preenchidas pelo simples fato desses talentos ainda não existirem.

Os profissionais mais em falta são: DevOps, infraestrutura de TI, automação e IA, designers de UX, cyber, cientistas e engenheiros de dados e desenvolvedores. Os poucos disponíveis são altamente disputados. Para acirrar mais a batalha por atração e retenção, o mundo de trabalho remoto globalizou a alocação de vagas, com empresas de fora entrando na briga para contratar os escassos talentos locais.

Desafio

Líderes de empresas estão sentindo deste desafio. Segundo pesquisa que fizemos com 1,5 mil executivos em cargos de gestão, 87% disseram que sua empresa não está preparada para lidar com a lacuna de talentos digitais. Dos profissionais de RH, 61% consideram que contratar e reter desenvolvedores será o maior desafio do próximo ano.

Para entender os critérios de decisão deste grupo disputado, fizemos uma pesquisa com estudantes e profissionais de mercado, e o que encontramos foi o seguinte:

A remuneração permanece em primeiro lugar na ordem de importância: se antes da pandemia o salário de um desenvolvedor já tinha crescido, agora a opção de trabalho remoto fez esse valor disparar ainda mais. Mas, além de pagar um salário competitivo, é importante acrescentar incentivos de longo prazo – bônus e stock options, ou opções de ações, distribuídas de acordo com critérios de desempenho, uma demonstração clara de que o colaborador faz parte do crescimento do negócio.

Hoje as stock options se tornaram quase tão generalizadas quanto o bônus de fim de ano e integram o pacote de benefícios de grande parte das equipes.

Em segundo lugar, o que profissionais de tecnologia mais prezam é a possibilidade de trabalharem de onde quiserem. Cargos de tecnologia passaram a ser ocupados de maneira 100% remota durante a pandemia e, diferente de outros cargos que aos poucos voltaram para o físico, ou modelo híbrido, eles seguem em casa. Alguns profissionais começaram, inclusive, a trabalhar turnos dobrados, atendendo a clientes globais em fusos horários distintos. Vale lembrar que, embora a maioria das empresas temesse que o trabalho remoto acarretasse uma perda de controle, a experiência da pandemia mostrou que, para grande parte das funções, a produtividade aumentou.

O terceiro aspecto é a experiência do desenvolvedor: além de poderem trabalhar de casa, profissionais de tecnologia – e principalmente desenvolvedores – exigem também modernidade da ferramenta de trabalho. Empresas tradicionais, com códigos antigos e sistemas de alta complexidade, têm dificuldade em reter esses profissionais. Como referência, vale a comparação do tempo médio para gerar o primeiro código: em uma startup nativa digital, desenvolvedores colocam o primeiro código na rua nos primeiros 45 minutos do seu primeiro dia de trabalho. Em empresas tradicionais, esse tempo pode demorar até 45 dias.

Em quarto lugar está a oportunidade de desenvolvimento: a velocidade da transformação tecnológica é inexorável; quem não se mantém atualizado perde o bonde. Para profissionais desta área, é crucial oferecer um plano de desenvolvimento claro e constante.

É importante frisar que o abismo entre oferta e demanda é tão grande, que além de gabaritar os quatro pontos acima, é preciso pensar em planos adicionais. Em uma pesquisa que fizemos com CIOs (chefes de tecnologia) globais, 82% mencionaram que, além de investir em contratação, estão focando na formação dos funcionários.

E a batalha por talentos digitais está só no começo. Tão importante quanto vencer na proposta de valor para o cliente é vencer na proposta de valor para o colaborador… leia mais em Terra 23/05/2022