O empresário gaúcho Hermes Gazzola, fundador da Puras, começou servindo 30 refeições por dia. Ao se unir ao grupo francês Sodexo, em um negócio de R$ 1,2 bilhão, ele cria a maior empresa de alimentação corporativa do País.

O diálogo abaixo, entre Francisco Gazzola, conhecido como Chico, dono de um pequeno restaurante em Porto Alegre, e seu Adelino, um funcionário da Companhia Sulina, uma pequena empresa de transportes rodoviários das redondezas, aconteceu há mais de 30 anos, mas definiu o futuro de um jovem.
– Seu Chico, não quer abrir um restaurante lá dentro da nossa empresa? – perguntou seu Adelino.
– Mas o que houve, seu Adelino?
– A gente gosta de vir aqui, mas quando chove fica difícil.
– Não está vendo que não dou conta nem de cuidar disso aqui?
Hermes Gazzola, filho de Francisco, na época com 21 anos e que desde os 12 trabalhava no negócio da família, ouviu a conversa e não titubeou:
– Deixa que eu cuido, pai.

Francisco não gostou da ideia. Achava o filho jovem demais e inexperiente. Mas com o apoio da mãe, Gema, que lhe cedeu a melhor cozinheira do pequeno restaurante familiar, Hermes dobrou a oposição e a desconfiança do pai, foi em frente e fundou uma pequena empresa, a Puras, em 1980, para explorar o restaurante da Companhia Sulina.

Começou fornecendo 30 refeições por dia. No início, acordava diariamente às 5 horas da manhã para comprar os ingredientes das refeições que seriam preparadas para os seus clientes. Em cinco anos, já preparava cinco mil pratos de comida por dia. E não parou de crescer. Trinta e um anos depois, na terça-feira 6, quando vendeu 100% da Puras, que foi avaliada em R$ 1,2 bilhão, para o grupo francês Sodexo, já produzia um milhão de refeições por dia, o suficiente para alimentar a população de uma cidade como São Gonçalo (RJ).

A transação, cujos termos não foram revelados, deu origem à maior fornecedora de serviços de alimentação para empresas do País, com uma receita líquida combinada de R$ 2 bilhões, 39 mil funcionários e quase dois mil restaurantes corporativos administrados. “Queria fazer a sucessão familiar, mas não foi possível”, disse Gazzola à DINHEIRO.

Aos 54 anos, ele é pai de três filhas e garante não estar nem um pouco sentido por deixar de ter o controle da empresa que criou e fez prosperar.“Agora, de um dia para o outro, virei líder de mercado e estou presente em 80 países”, afirmou, referindo-se à presença global da Sodexo, empresa fundada em Marselha, em 1966, por Pierre Bellon. Hoje, aos 81 anos, Bellon preside o conselho da companhia, cujo faturamento mundial é de 15,3 bilhões de euros (R$ 35,1 bilhões).

A negociação entre as duas companhias aconteceu em três meses. Com a transação, Gazzola passa a ocupar o conselho da Sodexo On Site no Brasil, divisão que engloba refeições coletivas e serviços corporativos, como limpeza e manutenção. A empresa francesa, que comprou a VR, do empresário paulista Abram Szajman, por R$ 1 bilhão, em 2007, conta também com um braço de negócios de gestão de cartões de benefícios, como vale-refeição, chamada de Motivation Solution, com receita líquida de R$ 606 milhões em 2010. Em sua nova função, Gazzola terá de pensar estrategicamente o futuro da nova empresa.

As duas marcas permanecerão operando separadamente, pelo menos por enquanto. O empresário gaúcho terá a missão também de desenhar o processo de integração. “Não vou mudar nem de sala”, afirma Gazzola, que ficará na ponte aérea entre Porto Alegre e São Paulo em seu novo posto. O francês Satya Menard, CEO da Sodexo On Site para a América Latina, que está no Brasil desde o começo do ano, passa a comandar a direção executiva da nova companhia no País. “Há muita complementaridade entre as duas empresas”, diz Menard. “A Puras é forte no Sul do País, em Minas Gerais e Manaus e a Sodexo em São Paulo e no Rio de Janeiro.” A subsidiária brasileira da Sodexo passa a ser também a quarta maior do grupo francês no mundo com a compra da Puras. Agora, está atrás apenas de Estados Unidos, França e Reino Unido. Antes do negócio, a filial ocupava a décima segunda posição.

A transação não muda apenas a colocação da operação internacional no ranking corporativo interno. A Sodexo, a quarta empresa no setor de refeições coletivas, saltou direto para a liderança do mercado brasileiro – a Puras era a segunda colocada. O primeiro posto era ocupado até então pela GRSA, do grupo inglês Compass, presente em 50 países e faturamento de 16,6 bilhões de euros.

Ambas, agora, vão protagonizar no Brasil o duelo que travam mundialmente. No ano passado, a GRSA registrou uma receita líquida de R$ 1,6 bilhão no País, no exercício fiscal encerrado em setembro de 2010. Procurada, a direção da companhia, comandada pelo executivo Eurico Varela, não quis dar entrevistas.

Por meio de um comunicado, informou que sua receita deve atingir R$ 2 bilhões em 2011. As duas empresas globais abriram uma grande vantagem em relação aos seus rivais no setor de refeições coletivas. A Sapore, de Campinas (SP), fundada, em 1992, pelo empresário uruguaio Daniel Mendez, ex-garçom e ex-funcionário da Puras, é a terceira colocada, com receita de R$ 900 milhões. “Sou focado em refeições e estou presente em todos os Estados brasileiros”, diz ele. Além disso, Mendez abriu operações da Sapore na Colômbia e no México, onde já serve 55 mil refeições por dia. Em quarto lugar, está a Nutrin, de Americana (SP), com faturamento de R$ 250 milhões. Em dois anos, ela aumentou sua receita em 110%, graças à aquisição de seis pequenas empresas da área. “Nosso plano era atingir R$ 1 bilhão em 2015”, afirma Aderbal Nogueira, presidente da Nutrin, executivo que começou a carreira há 18 anos na companhia como auxiliar de almoxarifado. “Agora, vamos precisar rever o planejamento em razão dessas últimas movimentações do setor.”

Por trás desse processo de consolidação do setor, ainda extremamente pulverizado, está um mercado que faturou R$ 10,8 bilhões e serviu 9,4 milhões de refeições por dia em 2010, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Refeições Coletivas (Aberc). Neste ano, a previsão é de que cresça mais de 15%, atingindo R$ 12,5 bilhões. “Estamos atrelados ao desempenho das empresas e da economia do País”, diz Antonio Guimarães, diretor-superintendente da Aberc. “Com o aumento do número de empregados, cresce também o número de refeições servidas por dia e, em consequência, o faturamento das companhias da área.”

A entidade de classe do setor estima que existam mais de duas mil empresas que atuem no ramo de restaurantes corporativos. A imensa maioria delas é de pequenas e microempresas. Apenas 100, pelas contas da Aberc, servem mais de 500 refeições por dia. “Esse é um negócio de alto volume e baixa margem”, diz Enzo Donna, diretor da consultoria paulista ECD, especializada em food service. Por conta disso, a concentração ainda é muito baixa na área de refeições corporativas, ao contrário do que ocorre no varejo de alimentos, onde os dois principais grupos detêm 32% de participação de mercado.

A nova empresa criada com a compra da Puras pela Sodexo, por exemplo, responde por apenas 18,5% das receitas. A GRSA, 15,2%; e a Sapore, 8,6%. Exatamente por esse motivo, as principais empresas de refeições coletivas procuraram diversificar suas atuações em busca de mais rentabilidade. A Puras, por exemplo, atua em 26 plataformas de petróleo em alto-mar, fornecendo refeições. A GRSA entrou no negócio de administração de praças de alimentação em locais de grande afluência de público, como aeroportos, hospitais, escolas e terminais rodoviários. É o pessoal da GRSA que cuida dos pontos de alimentação do Aeroporto Internacional de Cumbica, em São Paulo, o maior da América Latina. Também está sob sua responsabilidade o Terminal Rodoviário do Tietê, em São Paulo, por onde circulam mais de 30 milhões de pessoas por ano. Além disso, tanto a Puras e a Sodexo como a GRSA passaram a oferecer serviços que incluem limpeza e manutenção. Ambas também se digladiam por clientes nas áreas de hospitais e educação, consideradas mais lucrativas. Fazem isso porque enfrentam também cada vez mais a concorrência dos vales-refeição e das redes de fast-food, que estão se espalhando para além dos populosos centros urbanos do País.

“O grande desafio dessas empresas é desmistificar o aspecto pejorativo desses restaurantes coletivos, chamados de bandejão”, afirma Eduardo Ayrosa, especialista em consumo e varejo da Fundação Getulio Vargas, no Rio de Janeiro. “Quando a fama de comida ruim se alastra, a fornecedora de refeições está com os dias contados.” Foi com esse fantasma que Gazzola se deparou em 1986, quando a Puras tinha apenas seis anos de vida. A rede tinha crescido muito e não conseguia oferecer o mesmo nível de serviço em todos os restaurantes onde estava presente. Um dos motivos, em sua visão, era que as pessoas contratadas não assimilavam os princípios da empresa. Foi, então, que surgiu o “livro laranja”, uma cartilha de gestão que reúne as ideias, os valores, a missão e o código de ética da companhia. Diariamente, os funcionários da Puras se reúnem em um dos mais de mil restaurantes administrados pela empresa, em 351 cidades de 24 Estados e o Distrito Federal, para ler trechos aleatórios da cartilha de princípios da companhia.

São encontros informais, que duram aproximadamente dez minutos. Após a leitura, os empregados discutem formas de melhorar o atendimento e a comida fornecida. “Isso foi um fator decisivo para nossa expansão”, afirma Gazzola, que estudou administração de empresas na Unisinos. Para reforçar a pregação cultural, Gazzola visita anualmente todas as unidades regionais. “Ele cuida da empresa com o olho do dono”, diz uma pessoa que conhece bem o estilo de gestão do empresário. A afirmação não é mera figura de linguagem. Em todos os restaurantes da empresa, há uma foto de Gazzola ao lado de um crucifixo na área administrativa, conta um profissional que trabalhou com ele por muitos anos. E Gazzola costuma reclamar se dá pela falta de um dos dois ícones no escritório. Quando reúne mais gente para sua palestra, gosta de subir ao palco ao som da música tema da vitória do piloto de Fórmula 1 Ayrton Senna, diz um ex-funcionário de Gazzola. Mas apenas esse acompanhamento corpo a corpo não bastaria para a Puras crescer de forma acelerada. Em 2000, a empresa recebeu um aporte de US$ 5 milhões da International Finance Corporation, agência de fomento do Banco Mundial.

Para conseguir o dinheiro, Gazzola teve de transformar a Puras em uma sociedade anônima. “Eles nos obrigaram a ter conselho e regras de governança corporativa”, afirma o empresário. O fato é que, depois desse impulso, a companhia começou a decolar. Em 2001, seu faturamento foi de R$ 191 milhões. Três anos depois, ela já havia dobrado de tamanho. Em 2010, finalmente, a Puras conseguiu atingir o primeiro bilhão de reais. Neste ano, o plano era abrir o capital. O empresário começou a se preparar, com a contratação de uma consultoria para avaliar a companhia. Mas a crise dos mercados americanos e europeus freou o projeto. Foi justamente nessa época que a Sodexo o procurou para conversar. Sentaram-se à mesa pela primeira vez em 6 de julho. Dois meses depois, na primeira semana de setembro, celebravam o negócio. Desde então, inclusive no feriado de 7 de Setembro, Gazzola e Menard, da Sodexo, junto com outros executivos do grupo, estão praticamente trancados em salas de reunião em Porto Alegre e São Paulo, definindo os próximos passos das operações conjuntas.

Nas poucas vezes em que não estavam envolvidos na discussão dos projetos futuros, falaram com a imprensa e posaram para a foto estampada no começo desta reportagem. “Nossa intenção é usar as boas práticas das duas empresas”, diz Menard.


Como quase todo descendente de italianos, Gazzola gosta mesmo é de uma boa cozinha. Desde muito cedo, ajudava sua mãe, Gema, a preparar pratos típicos da culinária da Itália. Tanto que um de seus passatempos prediletos, embora tenha cada vez menos tempo para praticá-lo, é cozinhar um risoto e uma massa. Mas, para seguir uma tradição dos Pampas, toda vez que recebe um convidado de fora, assa um churrasco gaúcho. “O pessoal que vem a Porto Alegre sempre quer comer carne”, afirma. Gazzola atende a todos como se estivesse em um restaurante administrado pela Puras. O empresário, no entanto, sabe que para ganhar o seu primeiro bilhão de reais bastou um bom arroz com feijão, bem preparado.
Fonte:istoedinheiro09/09/2011