Aos poucos, empresas voltam a avaliar a possibilidade de recorrer ao mercado de capitais para financiar seus planos de expansão. Nas duas últimas semanas, as companhias de saneamento Corsan, estatal do Rio Grande do Sul, e a BRK Ambiental anunciaram que pretendem negociar ações em bolsa (IPO, na sigla em inglês), podendo quebrar o jejum dos últimos meses de fraco movimento de ofertas.

Estimuladas pela operação da oferta subsequente de ações (“follow-on”) da gigante de energia Eletrobras, empresas petroleiras listadas na B3 começaram a sondar bancos de investimentos para seguir o mesmo caminho. A PetroRecôncavo informou ao mercado que pretende levantar até R$ 2 bilhões numa operação com esforços restritos. Fontes disseram ao Valor que 3R Petroleum e a PetroRio avaliam fazer o mesmo, assim como a empresa de energia Eneva.

Se confirmadas as expectativas, as empresas de saneamento BRK Ambiental e Corsan poderão ser os primeiros IPOs do ano. A gigante chinesa China Three Gorges (CTG) e a companhia de petróleo SeaCrest também estão começando a sondar os investidores e poderão fazer ofertas iniciais de ações após as eleições, de acordo com fontes.

Até o momento, foram realizadas nove ofertas subsequente de ações neste ano, movimentando cerca de R$ 13 bilhões. Com o cenário de juros altos e inflação no exterior e Brasil, aliado às incertezas por conta das eleições presidenciais de outubro, boa parte das empresas desistiu de ofertar ações no mercado de capitais. No entanto, com a operação da Eletrobras na rua, que poderá levantar cerca de R$ 30 bilhões, as companhias começaram a fazer consultas para saber se há espaço para uma retomada. A operação da estatal deve ser precificada amanhã.

Empresas testam interesse do mercado

Mas o clima não é para euforia. Gustavo Miranda, responsável pela área de banco de investimento do Santander, vê o cenário mais favorável para follow-ons do que para IPOs no país. “O Brasil, comparado a outros países emergentes, até está mais atraente por causa das commodities”, diz. Porém, segundo ele, esse fator não é suficiente para que as ofertas iniciais retomem o mesmo ritmo dos últimos dois anos. Turbulências na economia e a forte volatilidade dos mercados continuam tornando o cenário mais difícil para as companhias que pretendem captar na bolsa.

Isso acontece também no mercado internacional. Nos Estados Unidos, o volume de ofertas de ações teve forte queda, lembra Miranda. De janeiro a maio, 157 empresas estrearam no mercado, movimentando US$ 17,9 bilhões. No mesmo período do ano passado, 628 companhias abriram capital, levantando US$ 192 bilhões, de acordo com a Dealogic.

A tentativa das companhias brasileiras de ir a mercado agora também se dá por uma questão de calendário. De acordo com o executivo do Santander, a próxima “janela” para a realização de ofertas é curta. Há espaço para precificação até julho. Depois, com o calendário de férias no Hemisfério Norte, as oportunidades para quem busca fazer IPO após as eleições vão ser entre o fim de novembro e dezembro.

No ano passado, entre IPOs e follow-ons, houve 76 operações, movimentando quase R$ 130 bilhões. Em 2020, foram 51 ofertas, com R$ 117 bilhões levantados. Para 2022, estimativas preliminares dos bancos de investimentos mostram que o valor movimentado poderá chegar a um terço do negociado no passado, caso a Eletrobras consiga concluir sua capitalização.

No mercado financeiro, ainda há muito ceticismo em relação aos planos de IPO da BRK e da Corsan. De acordo com uma fonte, as duas empresas não têm uma boa referência de preços no mercado nacional. A oferta da Corsan seria a primeira privatização de uma estatal do setor. Já a BRK seria a primeira companhia privada do segmento a abrir capital – a Iguá Saneamento já tentou, mas não chegou a um acordo quanto ao preço.

A situação é diferente para a CTG e a SeaCrest, que têm concorrentes na bolsa. Mesmo assim, se as turbulências política e econômicas persistirem, as ofertas podem ficar para 2023.

Para uma fonte próxima à Corsan, a maior dificuldade não será o mercado, mas sim a montagem da operação. Um dos grandes entraves é o Tribunal de Contas do Estado (TCE), cujos questionamentos foram determinantes para o adiamento da oferta em janeiro. Desde então, a empresa tem feito ajustes para atender demandas do órgão. Por exemplo, em maio, divulgou novas regras de governança aplicáveis a partir da oferta.

Ainda não há liberação do TCE, mas a expectativa é que até o fim da próxima semana possa haver acordo. Diferentemente do Tribunal de Contas da União (TCU), que pode barrar privatizações, o órgão estadual não tem esse poder, mas um posicionamento desfavorável traria muito risco à operação. Em paralelo, há dezenas de pedidos de impugnação do processo, mas, segundo a fonte, cerca de 80% das ações já caíram. Na visão do interlocutor, isso mostra que o processo tem se mostrado robusto.

Em janeiro, a Corsan chegou perto de fechar um acordo de ancoragem com Aegea e Perfin para seu IPO, como noticiou o Pipeline, site de negócios do Valor. Hoje, a percepção é que “não deverá haver uma ancoragem formal” para a operação, segundo a fonte.

A oferta da BRK, anunciada na semana passada, não foi tão bem vista na Corsan: por um lado, reforça a tese de que o setor de saneamento de fato tem um diferencial, mas, por outro, a avaliação é que não é as duas operações vão disputar os investidores.

Segundo uma pessoa familiarizada com o tema, a BRK já começou a sondar investidores para testar a precificação dos seus papéis. Há consenso de que a Caixa, uma das acionistas da companhia, quer reduzir sua posição. Já a Brookfield, outra sócia, não tem tanta pressa, dizem fontes. Na minuta de prospecto enviada à Comissão de Valores Mobiliários, está prevista uma oferta primária, com objetivo de levantar recursos para leilões.

Para Bernardo Parnes, sócio-fundador da assessoria financeira Investment One Partners, o movimento de privatização da Eletrobras é positivo para o mercado de capitais. “Basta olhar os exemplos de Vale e o sistema Telebras. No caso da Eletrobras, a operação vai ajudar a destravar o valor da companhia.”

Parnes não vê, contudo, uma recuperação do mercado de capitais no curto prazo. “Cerca de 80% das empresas que fizeram IPO entre 2020 e 2021 estão com ações desvalorizadas.”

De acordo com ele, vários fatores contribuem para esse diagnóstico, como a alta dos juros no Brasil e no mundo, a guerra entre Rússia e Ucrânia, que afeta a logística, e preços do petróleo em elevação. Parnes vê uma retomada da economia global entre o fim de 2023 e o primeiro semestre de 2024.

Procurada pelo Valor, a PetroRio informou que um follow-on é uma das possibilidades de financiamento da companhia. A Eneva, por meio de sua assessoria, disse considerar algumas alternativas para financiar recentes aquisições, “sempre primando pela melhor alocação de recursos e forte disciplina de capitais. Dentre as possibilidades em análise, uma delas é realizar um follow-on, que ainda está em fase de estudo.”

CTG e 3R Petroleum disseram que não comentam rumores de mercado. A Caixa afirmou que está em período de silêncio e, por isso, não comentará o assunto. BRK, Brookfield e Corsan não se manifestaram. Aegea e Perfin também não comentaram. A SeaCrest não retornou os pedidos de entrevista até o fechamento desta edição… leia mais em Inteligência Financeira 08/06/2022