A Folha Finanças desta semana recebe a advogada e mestre em direito comercial internacional pela King’s College London, Fabiana Nunes Costa. Ela foi entrevistada por Camila Haeckel, do Inspiração Invest, parceiro do Blog, CEA e especialista em investimentos, além de trabalhar no mercado financeiro há mais de 12 anos e ser uma das líderes do grupo Mulheres do Mercado, na região Nordeste.

Na entrevista, Fabiana fala sobre o mercado de IPO (abertura de capital da empresa na bolsa de valores) e M&A (fusão e aquisição de empresas). A advogada conta como o segmento de investimentos entrou tardiamente no vocabulário do investidor brasileiro, além de destacar os setores que podem se destacar no mercado de investimentos.

Fabiana é advogada, mestre em direito comercial internacional pela King’s College London; fez diversos cursos de negociação, transformação digital, lean startup, open innovation em Harvard, MIT, Berkley e Columbia. Atua nas áreas de M&A, preparação para IPO, planejamento patrimonial e sucessório, contratos em geral e societário, além de ter destaque e vasta experiência na assessoria jurídica às empresas familiares.

Fabiana Nunes Costa, advogada e mestre em direito, e Camila Haeckel, do Inspiração Invest - Divulgação

Confira a seguir a entrevista com Fabiana Nunes Costa.

Por que conceitos como IPO e M&A passaram a fazer parte do vocabulário dos brasileiros recentemente e estão em alta no mundo empresarial?

Alguns fatores estão contribuindo para essa fama. Eu destacaria três.

O primeiro deles, na minha visão, é que, em uma perspectiva global, o mundo está vivendo um período de excesso de liquidez, o que quer dizer que há muitos recursos disponíveis. Apenas para dar um exemplo de “um tipo de dinheiro”, o Dry Powder dos fundos de private equity (que é a diferença entre o dinheiro captado pelo fundo e o dinheiro efetivamente investido por ele) no ano de 2000 equivalia a US$ 0,5 trilhão de dólares; em 2019, esse delta atingiu o montante de US$ 2,5 trilhões. Ou seja: a capacidade de captação de recursos está muito maior do que a de se identificar ativos para investir.

Paralelamente, estamos experimentando uma era de juros baixos e, domesticamente e de maneira quase que inédita, o Brasil vem acompanhando o resto do mundo. Tal cenário induz o investidor a migrar sua atenção para os ativos da chamada “economia real”, afinal de contas, em linhas gerais, a prática passiva de deixar o dinheiro “rendendo” no banco não parece mais tão automaticamente lucrativa.

E, por fim, temos a desvalorização do real frente ao dólar, o que provoca uma verdadeira “promoção” dos ativos brasileiros nas prateleiras do mercado mundial e, portanto, atrai a atenção dos investidores estrangeiros.

Todos esses fatores contribuem para o aumento do apetite do investidor por bens da economia real, o que, pode-se dizer, traduz-se no maior desejo pela aquisição de participação societária, seja através da compra de um número pequeno de ações de companhias listadas na bolsa de valores, seja por meio da aquisição de cem por cento ou do controle de uma empresa por meio de uma operação de M&A.

O M&A (fusão e aquisição de empresas) e os IPO’s (abertura de capital da empresa na bolsa de valores) são operações que atendem a esse desejo e que, portanto, vêm se popularizando no mundo empresarial.

Há algum setor econômico que vem sendo destaque neste momento da pandemia?

Um interessante efeito da pandemia foi ter colocado à prova diversos setores, selecionando um grupo restrito que atravessou bem a crise. Por consequência dessa “seleção natural”, o dinheiro acaba acompanhando esse movimento e tende a pairar sobre esses setores, eu chamo a atenção para os de saúde, educação, tecnologia, agro, logística, telecom e o de luto.

Na área da saúde, tivemos o IPO da Rede D’Or, considerado o 3º maior da bolsa brasileira; o IPO da Hapvida e diversas movimentações no setor, que fomentaram a sua consolidação. Na educação, podemos ressaltar as operações constantes da Afya, holding de faculdades de medicina. A Crescera, por sua vez, fez aportes significativos no Grupo Zelo, referência no death care. Os fundos de investimentos Aqua e Pátria têm apostado fortemente no setor agro, enquanto Pátria e Stratus se destacam nos investimentos em logística. Já na área de Telecom, o fundo EB Capital apresenta teses fortes.

A área de tecnologia, por sua vez, possui ótimos exemplos de empresas que prosperaram durante a pandemia justamente porque conseguiram aproveitar as condições de isolamento social a seu favor. Foi o caso da Hotmart, plataforma de cursos online que cresceu exponencialmente nos últimos meses e que foi 30% vendida para o GIC e para a General Atlantic. Tenho clientes na área de tecnologia, daqui do estado de Pernambuco, que atingiram seus melhores números durante a pandemia.

E para aqueles que optarem por vender parte ou a totalidade de sua empresa, através de uma operação de M&A, nesse momento de pandemia, é possível evitar um baixo valuation?

Na minha visão, sim. Nas operações que tenho participado, o que temos conseguido fazer prevalecer é o seguinte raciocínio: ainda que a pandemia tenha afetado negativamente diversos setores da economia, o investidor consegue (ou deveria conseguir) enquadrá-la como um evento não recorrente e que, portanto, não dever ser levado em conta na sua precificação (valuation); afinal de contas, como se sabe, uma precificação adequada tem como foco o futuro da companhia; sempre defendo que o valor de uma empresa deve considerar a sua perpetuidade; então, não se deve considerar em sua precificação um ano de números ruins que decorreu de um evento não recorrente (uma pandemia mundial).

Já vivemos isso, em menor proporção, durante a greve dos caminhoneiros e, na época, em todas as operações de venda de empresa que assessorei, nós conseguimos excluir do valuation os meses da greve. Costumo dizer que se conseguimos gastar nosso inglês para convencer os investidores estrangeiros de um problema tupiniquim, não é possível que não consigamos fazê-lo com relação aos efeitos da Covid-19 na economia, que é um problema conhecido por todos os idiomas.

Com relação ao IPO, quais dados você poderia compartilhar conosco e como o Nordeste se encaixa nesse cenário?

O ano de 2020 trouxe resultados inesperados. Enquanto em 2019 apenas 5 empresas abriram seu capital na B3, em 2020 esse número subiu para 27, levando a uma captação total de R$ 44,5 bilhões. 2007 continua sendo o ano de recorde da bolsa, com 64 IPO’s realizados e R$ 55 bilhões acumulados, mas o fato de 2020 ter chegado em segundo lugar aponta para os frutos da confluência entre alta liquidez, juros baixos, desejo de investimento na economia real e incremento do apetite do investidor na aquisição de participação societária, como relatado anteriormente.

Fazendo um recorte regional, 5 das 27 empresas que realizaram IPO em 2020 eram nordestinas (dentre elas, a rede Pague Menos, Grupo Mateus e a recifense Moura Dubeux), o que resulta em uma participação de aproximadamente 18,5%. Essa porcentagem é expressiva quando se coloca em perspectiva que, no cenário geral, o Nordeste representa cerca de 6% de todas as empresas negociadas na bolsa.

Por outro lado, das 37 companhias que já solicitaram a abertura de capital à B3, temos, por enquanto, 3 nordestinas. Nos resta aguardar as movimentações para 2021.

Você é uma advogada que conversa sobre negócios. Como o F. Nunes Advocacia tem dado suporte aos clientes que estão aproveitando esse momento no que diz respeito ao M&A e ao IPO?

O meu escritório pode ser definido em três frases: temos experiência, respiramos inovação e construímos negócios. Não acredito na advocacia teorizada, praticada à revelia dos negócios dos clientes. Temos que conhecer profundamente a atividade do cliente, seja ela qual for.

Para mim, aí é que está a beleza do tipo de serviço que presto: é poder mergulhar numa indústria de plástico, numa construtora, numa empresa de seguro funerário, numa concessionária de carro, numa startup de tecnologia e se dedicar a entender esses business, entender as histórias por trás desses negócios, as famílias que os fundaram, os valores, os princípios, os erros, os acertos. O que me proponho a fazer é utilizar o jurídico como ferramenta de crescimento do negócio e não como um entrave burocrático.

Com relação ao M&A e ao IPO, especificamente, além das operações já em curso em estado avançado, meus clientes têm investido nas preparações: há uma infinidade de tarefas a serem realizadas que podem maximizar o preço das empresas e, posso dizer, com tranquilidade, que elas são muito parecidas para os dois caminhos.

Nós preparamos a empresa e depois ela decide se segue pelo M&A ou pelo IPO. 2020 veio para provar que essas operações não estão restritas aos grupos gigantes, é possível sim ser médio e começar a se preparar para um IPO ou para uma operação de M&A. Já vi muita companhia ter seu valuation afetado negativamente por não contar com boas práticas de governança e compliance, o que ganha ainda mais força na era da LGPD.

Então, a dica que dou para os empresários é: toquem a operação das suas empresas como se nunca fossem ser vendidos, mas se organizem juridicamente como se fossem fazer um IPO no médio prazo. Posso dizer, com a tranquilidade de quem passou os últimos 15 anos vivendo essas áreas, que essa é a prática vencedora… Por Folha Finanças, com colaboração de Inspiração Invest Fabiana Nunes Costa, advogada e mestre em direito, e Camila Haeckel, do Inspiração Invest Leia mais em folhape 03/02/2021