Como é de conhecimento público, o desenvolvimento de empresas e grupos empresariais pode ocorrer, em linhas gerais, de forma orgânica, por intermédio do desenvolvimento de novas operações, abertura de escritórios e filiais e ganho de escala dentro da estrutura empresarial, ou de maneira inorgânica, por meio da aquisição de outras entidades do mercado, assim como da realização de operações de fusão ou incorporação com empresas do setor.

Com o intuito de manterem-se competitivas frente à forte concorrência do mercado ou, até mesmo, de superar as dificuldades trazidas pela crise econômico-financeira vivenciada nacionalmente, as companhias brasileiras vêm, nos últimos anos, investindo nas operações de fusões e aquisições, também conhecidas pela sigla em inglês mergers and acquisitions (M&A). Nas palavras de Bruna Nakamura:

“As operações de fusões e aquisições de participações societárias (Mergers and Acquisitions), conhecidas amplamente como M&A, são instrumentos muito importantes do ponto de vista econômico e empresarial, na medida que visam aumentar o market share (participação no mercado), agregar valor futuro na operação, diversificar investimentos, aumentar o lucro, otimizar os custos e muito mais.”

De acordo com estudos realizados em 2021 pela KPMG, uma das maiores empresas de auditoria de todo o mundo, o Brasil registrou naquele ano um total de 1.963 operações de M&A, ultrapassando a marca do ano anterior em 59% e alcançando o maior desempenho nos últimos 25 anos.

Trata-se, inclusive, de movimento enraizado na cultura nacional recente, de forma que a tendência de alta nas operações de fusões e aquisições no país permanece para o presente ano, registrando-se, até o final do primeiro trimestre, o montante de 553 operações, número superior em 47,4%, quando comparado ao mesmo período de 2021.

E, com o mercado de seguros, objeto central deste artigo, o contexto não é diferente. O setor desponta na 12ª posição no ranking de setores em que as operações dessa natureza se efetivaram recentemente, com um total de 33 operações de M&A em 2021 e notórias 13 operações contabilizadas apenas no primeiro trimestre de 2022.

Nessa linha, o propósito deste breve artigo consiste em buscar depurar as peculiaridades aplicáveis às operações de M&A no setor de seguros nacional, sobretudo à luz de sua realidade de mercado, dos impactos regulatórios e das características desenvolvidas no âmbito das operações mais emblemáticas recentemente articuladas nesse setor.

Inicialmente, cumpre registrar três características centrais identificadas no âmbito das principais operações envolvendo M&As no setor de seguros, quais sejam: (1) as especificidades regulatórias aplicáveis, por se tratar de setor ainda densamente regulado da economia nacional; (2) os altos valores envolvidos, considerando a complexidade das operações e as relevantes somas praticadas; e (3) a importância de se endereçarem questões jurídicas e práticas relativas à continuidade das operações, comumente denominadas de runoff. Tais pontos serão mais bem detalhados nas linhas a seguir.

Em se tratando de empresas atuantes no setor de seguro, para além das exigências legais impostas pelo Código Civil, em operações envolvendo sociedades limitadas, e pela Lei nº 6.404/76, quando das operações envolvendo sociedades anônimas, há de se observar requisitos e cumprir com as exigências regulatórias impostas pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), a fim de se obter as aprovações necessárias para a efetividade da operação de M&A.

Sobre o tema, destaca-se a disciplina normativa trazida pela Circular Susep nº 529, de 25 de fevereiro de 2016, e pela Resolução CNSP nº 422, de 11 de novembro de 2021, que regulam, dentre outros temas, os procedimentos a serem seguidos para fins de implementação de operações dessa natureza.

É importante registrar que, não obstante a regra geral seja no sentido de permitir a livre negociação e implementação de operações de reestruturação societária, observadas as normas corporativas, legais e de concorrência cabíveis, por se tratar de setor fortemente regulado, as empresas integrantes ao setor de seguros precisam obter autorização prévia do órgão regulador.

Nessa linha, para a prática de alteração de controle e reorganização societária, as sociedades envolvidas devem protocolar requerimento de autorização prévia na Susep, direcionado à coordenação geral responsável por registros e autorizações, identificando o responsável pela condução do projeto perante a Susep. Trata-se, assim, de relevante requisito prévio e antecedente à execução da operação de M&A em si, a ser instruído com a documentação disposta nas normas mencionadas acima e necessariamente observado pelas partes envolvidas, sob pena de infração às normas regulatórias e não aprovação da operação.

Além de requisito regulatório, tal contexto deve ser enxergado sob a perspectiva negocial e jurídica pelas partes envolvidas na negociação. Com efeito, a operação de M&A carrega, em seu âmago, relevantes aspectos interdisciplinares, a envolver elementos jurídicos, financeiros, econômicos e operacionais. Em se tratando de operação sujeita à prévia autorização do órgão regulatório, tais aspectos devem estar, a um só tempo, endereçados nos instrumentos da operação firmados quando de sua assinatura, e adaptados aos efeitos do tempo a serem aplicados sobre a dinâmica em construção e ainda sujeita à aprovação. Devem ser disciplinadas, ainda, as hipóteses decorrentes da não autorização da operação pela Susep ou da desistência de suas partes em razão das alterações nos termos e condições de mercado ou das empresas envolvidas, sendo fundamental que os assessores envolvidos antecipem e negociem os efeitos da não ocorrência do negócio em questão.

Vale registrar, ainda, que nem todas as operações de M&A no setor de seguros são sujeitas à aprovação prévia, havendo hipóteses em que a Circular Susep prevê apenas a necessidade de provimento de informação ao órgão regulador.

Diferentemente do caso anterior, nessa hipótese, a Susep é simplesmente informada da operação, sem possuir poderes para não a autorizar. Tratam-se dos pedidos de homologação, formulados pelas sociedades seguradoras, de capitalização, resseguradoras locais e entidades abertas de previdência complementar, relativos à aquisição ou expansão de participação qualificada, instalação, alteração ou encerramento de dependências e representações, aumento do capital social e modificação do estatuto social, em todas as suas espécies, que devem apenas ser protocolados na Susep, direcionados à coordenação-geral responsável por registros e autorizações (artigo 18 da Circular 529/2016). Ademais, devem ser comunicados à Susep, os atos de fusão, cisão ou incorporação de resseguradores estrangeiros.

Como exemplo das mais recentes operações de M&A realizadas no setor, a corroborar com os pontos mencionados acima, pode-se destacar a aquisição da Sulamérica Seguros pela Rede D’Or, avaliada em algo em torno de R$ 15 bilhões. Os comunicados ao mercado realizados por ambas as companhias são de interessante análise para fins de confirmação dos aspectos regulatórios ressaltados acima.

Por se tratar de operação que tratou da aquisição de uma seguradora que opera no setor de saúde, além de outros ramos correlatos, a sua implementação também se sujeita às amarras regulatórias típicas estabelecidas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Não obstante não seja o enfoque desta publicação, é importante registrar que se trata de rito igualmente formal e relevante para que operações de M&A no setor sejam realizadas, estando em curso, atualmente, as providências formais por parte das empresas envolvidas para buscar a aprovação da operação.

Por envolver companhias abertas de elevado porte, importantes em suas áreas de atuação, e com negócios em setores regulados da economia, restou definido no fato relevante comunicado em conjunto ao mercado o rito a ser seguido, assim como a forma com que todas essas questões regulatórias seriam enfrentadas pelas administrações das empresas envolvidas. Destaca-se, ainda, a exposição dos objetivos da operação, reproduzida a seguir, a enfatizar os reflexos econômicos e financeiros desse relevante M&A:

“A Rede D’Or, por sua vez, assumirá o controle das sociedades atualmente controladas, direta ou indiretamente, pela SASA, destacadamente as sociedades que operam os negócios de saúde, odontologia, seguros de vida e previdência. Destaca-se além das operações de seguros, o relevante papel da SulAmérica Investimentos, uma das principais gestoras e administradoras de recursos independentes do País, que manterá seu time de gestão, sua operação e estratégia de sucesso inalteradas. A Operação engloba dois líderes do mercado de saúde no Brasil, juntando a maior rede hospitalar a uma das principais seguradoras independentes do País. A combinação entre as Companhias baseia-se em fundamentos estratégicos para expansão e alinhamento dos seus ecossistemas de saúde, incluindo os negócios de saúde, odonto, vida, previdência e investimentos, em favor de todos os clientes, beneficiários e parceiros de negócio.”

Por fim, convém enfatizar os custos e riscos da operação, sobretudo quanto à continuidade das atividades.

Destaca-se, portanto, e sem a pretensão de esgotar a matéria em apreço, que as atividades desenvolvidas no setor de M&A envolvendo empresas atuantes com seguros são, a um só tempo, desafiadoras e relevantes. Além de abrangerem altas somas financeiras e terem requisitos regulatórios e jurídicos rígidos, elas possuem o condão de potencialmente impactar, de forma relevante, o mercado em que tais empresas atuam e, até mesmo, toda a economia nacional… leia mais em Conjur 18/08/2022