Marfrig em transe
Em meados deste ano, enquanto o mercado se perguntava que empresa levaria os ativos colocados à venda pela BRF-Brasil Foods, uma engenhosa operação, com potencial para fazer um rearranjo extremo no mercado nacional de carnes e industrializados, começava a ser planejada.
A Marfrig, que mesmo alavancada sempre foi vista como favorita para levar os ativos da BRF, recebeu de JBS e Minerva proposta de compra de suas operações.
Conforme apurou o Valor, pelas propostas, a JBS ficaria com a área de processados de carnes de aves e suínos da Marfrig e o Minerva, com o segmento de bovinos. Essa engenharia teria como objetivo evitar resistência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) ao negócio – se a JBS fizesse uma proposta sozinha por toda a Marfrig, haveria forte concentração no mercado de carne bovina, o que poderia ser vetado pelo órgão de defesa da concorrência.
Essa combinação abriria ainda espaço para a JBS fazer proposta pelos ativos colocados à venda pela BRF, já que não haveria outra empresa no mercado nacional com capacidade para fazê-lo. No entanto, os planos de JBS e Minerva não se concretizaram, pois o controlador da Marfrig, Marcos Molina, não aceitou a proposta.A Marfrig não desistiu da BRF e neste mês anunciou operação de troca de ativos com a empresa, que precisava se desfazer de unidades e marcas, como parte de acordo feito com o Cade para sua criação.
Procuradas, Marfrig, Minerva e JBS disseram que não comentam rumores de mercado. Um eventual sucesso dessa operação mudaria sobremaneira o mercado de carnes e industrializados no país.
A BRF, hoje líder em processados de carnes com cerca de 70% de participação no mercado, passaria a ter como concorrente a gigante JBS, atualmente mais focada em carnes in natura. Esta, com a área de industrializados da Marfrig e a compra dos ativos postos à venda pela BRF, se tornaria uma forte competidora, com potencial para tirar a tranquilidade da empresa resultante da compra da Sadia pela Perdigão.
Uma eventual venda da área de bovinos da Marfrig para o Minerva também promoveria um crescimento expressivo deste último, hoje em terceiro lugar entre os maiores do segmento, mas muito distante dos dois primeiros. O já concentrado mercado de carne bovina, que nos últimos anos viu mais de dez empresas entrarem em recuperação judicial, ficaria ainda mais concentrado.
Mas a Marfrig não esteve no centro das atenções apenas das concorrentes, nessa proposta de reorganização do setor, mantida em sigilo pelas companhias. A empresa também atraiu os olhares dos investidores e enfrentou questionamentos nos últimos meses por causa do endividamento e da trajetória das ações, por exemplo.
Dois meses depois da conversa entre os empresários, a partir de agosto deste ano, as ações da Marfrig entraram em trajetória de baixa na bolsa, muito mais por questões técnicas de mercado do que por questões operacionais.
A gestora GWI Investimentos teve de desmanchar posições a termo que possuía em papéis da empresa de alimentos, por conta da deterioração dos mercados no dia 8 agosto, primeiro pregão após a redução da nota de risco de crédito da dívida americana pela agência de classificação de risco Standard & Poor”s. Naquela sessão, as ações da Marfrig desabaram 25%.
Uma semana depois da saída da GWI, a Marfrig divulgou balanço do segundo trimestre, com prejuízo de R$ 91 milhões. Também apresentou um indicador de alavancagem de 3,9 vezes (relação entre a dívida líquida e o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização, o Ebitda), alto em relação ao ideal de mercado, que é abaixo de 3. Se esse indicador superasse 4,5, dispararia uma cláusula de um contrato de debêntures da empresa compradas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
A partir da segunda metade de agosto, houve muitos rumores sobre a situação de solvência da companhia. Nas contas de analistas de mercado, se a empresa continuasse naquele caminho, já poderia romper as cláusulas no terceiro ou quarto trimestre.
Foi em meio a essa situação, de ações em baixa forte e acelerada e rumores de dificuldades de crédito, que Molina, fundador da Marfrig, foi novamente procurado. Dessa vez não pelos empresários concorrentes, mas por emissários de bancos reapresentando a já conhecida proposta de vender os ativos processados para a JBS e a operação bovina no Brasil ao Minerva.
Entre os bancos envolvidos na operação estavam Santander, Itaú BBA, Bradesco e Banco do Brasil. Procurados, nenhum deles concedeu entrevista.
Molina foi, então, ao BNDES buscar apoio. Com o preço cada vez menor das ações e os rumores sobre insolvência, temia uma crise de confiança que o obrigasse a vender a sua empresa.
O BNDES, que tem 13,9% da Marfrig, deu o apoio para que o empresário continuasse no negócio, pois não gostava da ideia de concentrar ainda mais o setor, o que poderia gerar problemas no Cade. Procurado pela reportagem, o BNDES não comentou.
Em conversa com os bancos, o BNDES mostrou apoio a Molina e à permanência do empresário no negócio. Mas o fundador da Marfrig teria de apresentar e executar um plano claro para reduzir o seu endividamento.
A partir daí, já em 18 de setembro, a Marfrig anunciou a venda de serviços de logística especializada para redes de fast food de sua subsidiária americana Keystone Foods. A Martin-Browser pagou US$ 400 milhões pelo negócio.
Pouco menos de um mês depois, a empresa anunciou uma reestruturação. Capitaneada pela Bain & Company, o projeto foi preparado de janeiro a abril. O plano era fazer uma separação de suas unidades de bovinos e processados. Em entrevista ao Valor em 13 de outubro, Molina garantiu que a empresa ” não teve problemas para renovar linhas de crédito” nem atrasou pagamentos. Acrescentou que nenhuma agência de rating rebaixou a nota da empresa. Também reconheceu que a alavancagem era alta, mas destacou que este era um problema de todo o setor, devido a várias aquisições.
No fim de novembro, após a divulgação dos resultados do terceiro trimestre, a Empiricus, que se define como uma casa de análise independente, publicou questionamentos ao balanço da companhia.
Em 22 de dezembro, a Marfrig vendeu seus ativos de logística no Brasil para a Júlio Simões Logística (JSL) por R$ 150 milhões. O mercado ainda aguarda que a empresa se desfaça de um terminal no porto de Itajaí, em Santa Catarina.
Somando a venda desses ativos, perto de R$ 1 bilhão deve ingressar no caixa da empresa, melhorando o seu endividamento, como queria o BNDES.
E, a partir do ano que vem, a Marfrig deverá contar com a geração positiva de caixa operacional dos ativos da BRF. Passarão a ser da Marfrig, assim que o Cade aprovar a operação, as marcas Doriana, Rezende, Wilson, Texas, Patitas, Fiesta e Delicata. Por Ana Paula Ragazzi, Alda do Amaral Rocha e Fernando Torres
Fonte:ValorEconômico23/12/2011