O fundo Maastrich, da gestora R Capital, comprou uma rede de hotéis e pode levar de brinde a conta de delação do antigo dono. Em setembro do ano passado, o empresário do turismo Guilherme Paulus vendeu o portfólio de nove hotéis da GJP por cerca de R$ 800 milhões, entre ações e dívida, após responder por envolvimento em corrupção. Agora, o empresário quer mandar o boleto extra ao Maastrich.

A arbitragem foi revelada pelo colunista Lauro Jardim, de O Globo. O processo é discutido na Câmara Comércio Brasil-Canadá (CCBC) e, conforme o Pipeline apurou, Paulus quer que os compradores da GJP arquem com R$ 73 milhões em multas e penalidades estipuladas por autoridades por atos em sua gestão.

Em 2019, o empresário admitiu ter pago R$ 39 milhões em propina para abatimento de dívidas superiores a R$ 160 milhões no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). O relato de Paulus contribuiu para a investigação Descarte e permitiu às autoridades deflagrarem a Operação Checkout, que cumpriu 23 mandados de busca e apreensão e uma prisão preventiva.

Na GJP Hotéis o check-out de Guilherme Paulus ficou mais caro
Imagem/GJP Hotéis

O Pipeline apurou que o contrato de venda da GJP estipulava que Paulus seria o responsável por quaisquer multas ou penalidades financeiras acordadas tanto em seu acordo de delação premiada, que diz respeito à pessoa física, quanto na leniência, referente à empresa. O empresário, no entanto, teria contestado essas cláusulas alegando que o fundo inviabilizou seu acordo com o MPF, ao se recusar a assinar os termos.

Segundo fontes, a discordância se deu porque Paulus havia admitido infração à Lei Anticorrupção, fato que era desconhecido pelos compradores da empresa no momento da aquisição (eles estariam cientes do acordo, mas não do tipo de infração). A lei de 2014 estipula penas mais rígidas para uma companhia, com multas de até 20% do faturamento anual, em caso de reincidência de infração — um risco extra de escrutínio e responsabilidade, inclusive sobre terceirizados, que a compradora não quer

Ao tomar conhecimento, somente em outubro deste ano, o fundo teria demandado que os advogados do vendedor solicitassem uma alteração referente a esse trecho no acordo de leniência, mas o pedido não foi levado às autoridades. Pressionado pelo tempo — a poucos dias das eleições e da troca de comando nos órgãos — o empresário deu início à arbitragem, solicitando a liberação de suas obrigações da leniência.

“Pautado em pareceres de renomados escritórios de advocacia, o comprador acredita estar respaldado em negar a assinatura dos acordos de leniência nos termos que foram propostos, pois a concordância poderia trazer inúmeros prejuízos à sociedade, assim, na melhor interpretação das cláusulas contratuais, o pedido de alteração é absolutamente lícito“, diz o fato relevante divulgado pela Monetar, a administradora do fundo. “Ressalte-se que não há qualquer evidência de que os acordos de leniência foram inviabilizados, tendo havido mera renúncia por parte dos advogados constituídos pelo vendedor.

Executivos a par da discussão dizem que não se trata de dificuldade financeira do empresário. “Paulus já recebeu o pagamento da venda e tentou dar um jeito de não pagar o que tinha se comprometido. O que ele fez foi tentar pressionar a assinatura, sob o argumento de que mudariam os políticos e ele perderia o acordo. Mas provavelmente as autoridades teriam aceitado os ajustes, se fossem solicitados”, considera uma pessoa com conhecimento do assunto.

Paulus ficou conhecido por ter revolucionado o mercado de turismo econômico com a CVC, a agência criada em 1972 no ABC Paulista. A companhia é hoje listada em bolsa e sem qualquer relação com o fundador, que havia deixado a administração na época das investigações. O empresário fez fortuna não só com a operação dos negócios mas também com a venda dos ativos.

Na CVC, embolsou uma primeira tranche na venda do controle ao fundo Carlyle, em 2009, por cerca de US$ 250 milhões, e depois vendeu outra fatia em ofertas de ações na B3. Em 2011, desfez-se da aérea Webjet repassando dívidas para a Gol – na transação de pouco mais de R$ 300 milhões, menos de R$ 100 milhões foram pelas ações.

Fundada em 2005, a GJP Hotéis somava 3 mil quartos em seus nove empreendimentos, com as bandeiras Wish, Linx e Prodigy. Após a aquisição pela R Capital, a companhia passou a se chamar Leceres — o plural de lazer, em latim. A R Capital é uma das três gestoras da holding de investimentos RTSC, que recentemente tentou comprar o parque Hopi Hari…. leia mais em Pipeline 07/12/2022