Empresas de alto crescimento são o lugar para se estar na Bolsa, certo?

Parece até uma obviedade: muito crescimento = muito retorno.

Mas a coisa não funciona bem assim, diz a Atmos Capital em uma de duas cartas a investidores publicadas hoje à tarde.

Nela, a gestora disseca um dilema clássico da alocação de capital: os riscos da competição e o fato de que, nem sempre, alto crescimento é sinônimo de um bom negócio.

Usando como exemplo as indústrias de telecom e tabaco, a gestora carioca — com R$ 16 bilhões sob gestão — discute como a concorrência brutal em setores de alto crescimento pode ser uma variável mais importante como determinante do retorno do investimento que a taxa de crescimento em si.

“O otimismo humano tende a modelar o comportamento de quem cresce em uma espécie de moto contínuo, sem prestar a devida atenção às forças competitivas que podem surgir ao longo do tempo, ou às deseconomias de escala,” diz a Atmos na carta. “Crescimento com competição acirrada é indesejável, induz à diluição da composição de capital e, no limite, pode ser uma receita desastrosa que leva à alavancagem em bola de neve.”

Segundo a gestora, para a maior parte dos negócios tradicionais, mais importante que crescimento no longo prazo é atuar em ambientes competitivos “pouco hostis.”

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Mais do que apenas um debate acadêmico, a discussão da Atmos tem aplicações práticas na Bolsa brasileira de hoje.

Na segunda carta, a Atmos debate a precificação de empresas de ecommerce, que estão negociando a múltiplos altos num ambiente de competição forte — sem que esteja claro quem serão os vencedores.

Ativos de growth têm merecido múltiplos de receita elevados, bastando para isso demonstrar alguma consistência de crescimento de dois dígitos e um runway longo pela frente.

A Atmos diz que “a mecânica está correta,” mas alerta que “em ambientes mais competitivos, a lógica se inverte. Se esse for o caso, no que tange ao comércio eletrônico brasileiro, corre-se o risco de levar gato por lebre.”

Métrica EV/PIB

A gestora usa a métrica EV/PIB para comparar nomes como B2W, Magazine Luiza e Mercado Livre com players globais. Nas estimativas da gestora, Magalu e MELI negociam a 1,5% e 1,9% dos PIBs dos mercados em que operam, comparado a 3,9% da Amazon e a 3,8% do Alibaba.

Mas, “diferente da Amazon nos EUA, nenhuma empresa no segmento de e-commerce brasileiro parece ter conquistado a fidelidade do cliente.”

“Além disso, a taxa de desconto elevada do País e o crescimento geral da economia inferior ao crescimento dos EUA e da China também deveriam diminuir os valuations relativos das empresas que atuam exclusivamente na região.”

A Atmos também aborda a situação dos ecommerces de nicho, que, “sem a potência necessária para ambicionar o protagonismo de uma plataforma”, se vêem na “encruzilhada da competição em um negócio de custos fixos altos, pouca diferenciação de produto e, por fim, capital barato e abundante para gastar em logística e CAC.”

Para resumir a tese, a gestora se valeu de uma analogia:

“O sentimento de comprar cavalos rápidos, sob a ilusão de parecerem imparáveis, catalisa uma estâmina em nosso organismo que vem junto com o sentimento de onipotência. Investimentos com frequência positiva geram conforto, mas bastam poucos dias de correções significativas para torná-los medíocres.”… Leia mais em braziljournal 02/04/2021