Os dois lados da cláusula de não competição
Mecanismo pode ser do interesse da companhia, mas uso combinado com outros instrumentos tende a causar problemas
Mecanismo ganha os holofotes com a proposta de aquisição da Linx pela Stone
Não bastassem as numerosas dificuldades impostas pela pandemia, como a necessidade de adaptação rápida a assembleias virtuais e um vaivém mais intenso das cotações das companhias abertas na bolsa, 2020 ainda brindou o mercado de capitais brasileiro com um imbróglio societário — e dos grandes. A proposta de aquisição da Linx pela Stone evidenciou uma questão que já havia causado desconforto entre os investidores há algum tempo, no caso Qualicorp: o estabelecimento de uma cláusula de não competição, que em linhas gerais prevê o pagamento de uma indenização a pessoas-chave na empresa para impedi-las de migrar para a concorrência ou empreender no mesmo ramo.
O uso desse tipo de cláusula, quando combinado a outros elementos como os integrantes do caso Linx-Stone — entre eles, previsão de pagamento de elevada multa pela Linx em caso de desistência do negócio e envolvimento dos beneficiários na negociação — tem implicações bastante amplas para o mercado de capitais. Afinal, envolve questões de alinhamento de interesses para as situações de empresas sem controlador definido (corporations), modelo recente no mercado nacional; a discussão sobre o papel dos conselhos de administração nas negociações dessas cláusulas (portanto, uma questão de governança corporativa); o desenho dos melhores modelos de planos de remuneração de executivos; e a garantia de plenas condições para deliberações dos acionistas. Ou seja, um belo caso para análise do ponto de vista do Direito societário.
As controvérsias em torno da cláusula de não competição nortearam um debate promovido na Conexão Capital, no início de outubro. Sob a mediação de Raphael Martins, sócio do Faoro & Fucci Advogados e colunista da Capital Aberto, trataram do tema Luciana Dias, professora da Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-diretora da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), e Guilherme de Morais Vicente, analista da Onyx Equity Management. “A cláusula de não competição é um negócio jurídico que tem sua função e um uso legítimo. A questão é separar o joio do trigo”, observa Martins.
Acordo do interesse da companhia
Segundo Dias, de fato esse mecanismo — um acordo privado — é bastante usado pelas empresas quando querem evitar que um executivo importante, ao sair da organização, vá trabalhar para a concorrência ou criar um negócio na mesma área. Ou seja, o acerto é também do interesse da companhia. “Inclusive, as empresas mais organizadas tentam fazer esses contratos com antecedência. E, em geral, os pagamentos são calculados com base em uma porcentagem da remuneração do indenizado”, explica.
“Os contratos de não competição podem ter um sentido econômico legítimo, sendo do interesse tanto da sociedade quanto do indenizado”, afirma Vicente. “Mas precisamos discutir por que o mercado reagiu tão mal aos casos recentes de estabelecimento dessa cláusula”, ressalta.
Desequilíbrio entre acionistas
Por essa linha de raciocínio, o problema não estaria exatamente no instituto contratual da não competição: o ponto negativo está na forma como tem sido usado em alguns casos no Brasil, destaca o analista. Na opinião dele, o que acontece é que nas situações… Leia mais em capital aberto 11/10/2020