Se olharmos para trás, veremos uma série de operações de M&A no mercado de saúde nos últimos anos. A quantidade começou a subir e não parou mais — nem deve parar tão cedo, sejam elas motivadas por expansão geográfica, ampliação de escopo serviços, incorporações de novas tecnologias, redesenho do modelo de negócios ou qualquer outro fator. Mas, para acompanhar a tendência, é preciso primeiro compreender o cenário atual.

A questão macro, da economia real, é que há gargalos profundos no setor: temos uma fila de pacientes desassistidos ou mal assistidos, estruturas de negócio cuja conta não fecha, pressão das operadoras na busca de redução de custos e um gasto per capita na saúde ainda muito baixo, na ordem de UDS 1500/ano. Só para se ter uma ideia dessa defasagem de investimento, o Chile tem um gasto de USD 2200, na Europa, países como Alemanha apresentam gastos de USD 5500 e nos EUA esses gastos são superiores a USD 10000. A boa notícia é que o mercado está atento a isso e se posicionando para criar soluções para esses problemas.

A Rede D’or já realizou 10 aquisições só este ano, como o Hospital Santa Isabel, em São Paulo, e o Hospital Aeroporto, na Bahia. Além disso, mais portas devem ser abertas a partir da recente fusão da NotreDame Intermédica com a Hapvida, operação que está em análise do Cade e cuja aprovação será muito bem vista pelo mercado, visto que a estratégia alinhada das duas empresas abriga regiões diferentes do país e possibilita a continuidade do crescimento via aquisições.

Leia também demais posts relacionados a Saúde no Portal Fusões & Aquisições.

Se formos focar em valores dos negócios em si, na B3, temos empresas de saúde que estão entre as 10 maiores do país em valor de mercado. Em junho de 2021, as principais ações de saúde já tinham peso de quase 6,5%. Cada IPO realizado colabora com esse cenário. Alguns dos principais nomes que abriram capital recentemente incluem Mater Dei, Kora Saúde, Dasa, Oncoclínicas e a já citada Rede D’or São Luiz, que ingressou na bolsa em dezembro de 2020 com o terceiro maior IPO do Brasil.

Olhando para frente, podemos analisar com alguma segurança as tendências para 2022. Sob a perspectiva de região, o Sudeste segue sendo uma região importante e de muito interesse para o mercado. O Nordeste também tem apresentado companhias sendo alvo de aquisições, dado que é uma região que, com incremento de renda, tenderá a consumir ainda mais os serviços de saúde.

Há alguns interesses específicos que já podemos observar. Em Belo Horizonte, é possível que se inicie uma disputa maior entre os players de saúde, a julgar pelas duas aquisições recentes realizadas pela Rede D’or e outras duas pela Mater Dei. A Unimed, que é extremamente forte na região, deve começar a se mexer, com objetivo de não perder market share. Outro exemplo é o Espírito Santo, que passou recentemente por uma onda de aquisições em saúde. A H.I.G. Capital adquiriu o Grupo Meridional, um dos maiores grupos hospitalares do Brasil, iniciando seu processo de consolidação, até chegar ao seu IPO (Kora Saúde). Neste ano, a Fleury comprou dois laboratórios de análises clínicas (Pretti e Bioclínico) por R$315 milhões, também no estado.

Se o recorte for por setor, vale ficar de olho nos tradicionais planos de saúde. Trata-se de um setor com diversos desafios (regulação complexa é um deles), mas ainda assim é uma alternativa muito presente na vida dos brasileiros, visto que contar com o serviço público de saúde é algo complicado, dado sua falta de qualidade na maioria das vezes. Prova disso é que, ao longo dos anos, o Brasil manteve uma taxa consistente de beneficiários de planos de saúde.

Segundo a ANS, a média se manteve em torno de 47 milhões de 2017 a 2020, com uma pequena subida para 48 milhões em 2021. Isso corresponde a quase 25% da população sob cobertura dos planos, ainda pequena quando comparada com países como Alemanha (33%) e Austrália (55%). Vale mencionar também outras razões para o interesse da população na saúde privada, como atendimento rápido e de qualidade, acesso a equipamentos de ponta na sua maioria e atenção diferenciada dos médicos da rede privada, quando comparada com a pública. Isso cria uma configuração demográfica favorável para a área.

Os hospitais de olhos também estão mostrando grande potencial: a XP Investimentos entrou em 2021 nesse setor e com certeza não vai parar, já tendo realizado três aquisições de porte, e o Grupo Opty, empresa pertencente ao fundo Pátria Investimentos, desde 2016, vem fazendo aquisições, tendo adquirido 29 hospitais. Hoje, esse é um mercado de dois players e os dois estão com caixa para prosseguir.

Destaca-se ainda a medicina diagnóstica. Há mais de uma década em ondas de consolidação, o mercado tem sempre apetite e espaço para mais aquisições. Exemplos recentes são as aquisições dos laboratórios pela Fleury no Espírito Santo e em Pernambuco. A Dasa também fez algumas aquisições.

Além desses, uma aposta para o futuro é o segmento de home care (cuidado de enfermos em casa), que possivelmente cresceu ainda mais por conta da pandemia. Mas desde antes, existem empresas como a Sodexo, que é grandiosa lá fora em home care e que, em 2018, adquiriu a Pronep, para seguir pelo mesmo caminho no Brasil. Já a partir de 2020, a Dasa fez aquisição do Grupo Santa Celina (GSC), que tem um braço de home care. A Crescera Capital, antiga Bozano Investimentos, criou uma holding para investimentos em empresas de home care, já tendo feito duas aquisições.

Esses são só alguns exemplos que indicam as tendências para o futuro próximo. De IPOs às aquisições mais recentes, há muito espaço para o mercado de saúde continuar crescendo no país. Isso está baseado em um tripé: mudança da pirâmide populacional, com aumento da expectativa de vida, necessidade de investimentos contínuos no setor e a médio/longo prazo aumento do emprego formal. Aliado a isso, os brasileiros tendem a valorizar muito os cuidados com a saúde e, depois de tudo pelo que passamos nesses dois anos, é seguro imaginar que essa preocupação se mantém… Autores : Fernando Kunzel e João Paulo Cavalcanti sócios na L6 Capital Partners.

Com informações de EDB Comunicacão