Alexandre Barreto, que deixou o cargo na última segunda-feira, determinou a reabertura pelo órgão da análise da fusão da compra da Garoto pela Nestlé, feita em 2002
Lorenna Rodrigues

Em uma de suas últimas decisões na função, o presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Alexandre Barreto, determinou a reabertura pelo órgão da análise da fusão da compra da Garoto pela Nestlé, feita em 2002, um dos casos mais emblemáticos da história do órgão.

O mandato de Barreto terminou na segunda-feira, 21, e ele assinou o despacho no fim da tarde de sexta-feira. No documento, obtido pelo Estadão/Broadcast, Barreto afirma que há “pequena probabilidade” de o Cade conseguir reverter decisão judicial que obriga que o caso tenha novo julgamento pelo conselho e determina à Superintendência-Geral do órgão que faça a “reinstrução” do caso, ou seja, uma nova avaliação.

NestléA Nestlé comprou a Garoto em 2002, mas acabou vetada pelo Cade dois anos mais tarde. Na época, os julgamentos do Cade eram feitos depois de o negócio ter sido concretizado. Inconformada, a Nestlé recorreu à Justiça e conseguiu suspender a decisão do Cade em 2005. Em 2009, a Justiça determinou que o Cade julgasse o negócio novamente. A empresa voltou a recorrer em diversas instâncias.

Em 2018, o Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF1) negou recurso da Nestlé, o que, na prática, manteve a decisão de 2009, que determina novo julgamento pelo Cade. O Cade vinha desde então tentando derrubar essa decisão na Justiça. Com o despacho do presidente Barreto, porém, o órgão desiste da disputa judicial e recomeça o julgamento, 19 anos depois da operação.

“Considerando a determinação vigente do TRF1, bem como a pequena probabilidade de reversão dessa decisão judicial, a probabilidade de o litígio judicial durar um longo tempo, os prejuízos público e privado decorrentes dessa demora, e a possibilidade de as condições do mercado terem se alterado significavamente, entendo que é necessária alguma solução por parte do Tribunal do Cade. Apenas aguardar a decisão judicial final é uma medida que não atende ao interesse público”, afirma Barreto, no despacho.

Membros do Cade ouvidos pela reportagem, porém, alegam que essa decisão não poderia ter sido tomada por Barreto unilateralmente e que o despacho precisa ser homologado pelo Tribunal do Cade, que é composto, além do presidente, por mais seis conselheiros.

Sob condição de sigilo, as fontes afirmaram ainda que não é comum o Cade desistir de disputas judiciais, como nesse caso.

Como mostrou o Estadão/Broadcast, há uma disputa nos bastidores do Cade por cargos. Com o fim do mandato de Barreto, o atual superintendente-geral, Alexandre Cordeiro, é o mais cotado para ser indicado a novo presidente do Cade. Com isso, Barreto é candidato a ser superintendente-geral no lugar de Cordeiro, cargo que também é visado pela atual conselheira Paula Azevêdo.

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Imbróglio

Em 2017, Cade e Nestlé firmaram um acordo que previa a venda de um pacote de dez marcas, como Chokito, Serenata de Amor, Lollo e Sensação. A Nestlé, no entanto, não cumpriu o compromisso e as marcas não foram vendidas.

Com o descumprimento, o Cade poderia até leiloar as marcas ou determinar a revogação da compra da Garoto. Isso significaria que as duas empresas teriam de ser separadas mesmo tanto tempo após o negócio.

O julgamento da fusão entre Nestlé e Garoto é um dos casos mais emblemáticos da história do Cade. A briga judicial que se seguiu a ela contribuiu para mudar a legislação concorrencial, em 2012, quando a concretização dos negócios passou a ficar condicionada ao aval do órgão antitruste.

Com o veto do Cade e a suspensão do julgamento na Justiça, a Nestlé teve de manter separados os ativos da Garoto e ficou impedida de incorporar totalmente a marca.

Em 2002, a Nestlé tinha 34% do mercado de chocolate do País – ao comprar a Garoto, chegou a 58%, contra 33% da Lacta. Mesmo com a entrada de novas rivais, o mercado continua a ser dominado pelas três empresas…. Estadao Leia mais em terra 25/06/2021