País começa a ter destaque na rota de produtos e lançamentos de gigantes como Apple, Google e Amazon

Se os maias estiverem errados e o mundo não acabar, 2012 será um ano tecnológico diferente para o Brasil. Quem observa o segmento tech tem a impressão que, “de repente”, várias empresas do ramo passaram a se interessar pelo país. Companhias que nunca deram bola para nosso mercado estão se apressando em fincar pé aqui. Amazon, Apple, Google, LinkedIn, Netflix e produtoras de videogames são exemplos dessa corrida pelo consumidor brasileiro. Segundo economistas, o destaque do Brasil na rota das empresas é explicado, entre outros fatores, pelo vasto mercado interno, com acesso a crédito. O cenário pessimista nas economias centrais também acaba desviando a munição para o Brasil.

No mercado editorial, há quase a certeza de que a Amazon abrirá uma versão brasileira de sua loja de livros eletrônicos ano que vem. A gigante do varejo on-line negocia com as editoras brasileiras há meses e até entrevistou candidatos para vagas, mas fontes dizem que nada foi fechado ainda. Dois dos novos modelos do leitor eletrônico Kindle – o Touch e o sem teclado – já foram homologados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), e logo poderão ser vendidos no Brasil.

Mas a Amazon enfrentará concorrência. Tom Turvey, diretor de parcerias estratégicas da Google, chega ao Brasil esta semana para discutir com as editoras projetos para o mercado de livros eletrônicos. Entre eles, o lançamento da versão verde e amarela da Google eBookstore, loja de livros digitais lançada há um ano e que já está em EUA, Canadá, Reino Unido e Austrália.

Quanto à Apple, o ano que vem já se insinua como aquele que vai secar as lágrimas dos applemaníacos brasileiros. Embora a empresa não deixe escapar detalhes, tudo indica que a Apple TV e a loja de conteúdo iTunes vão estrear no país. Há também a promessa da diminuição de preço de iPhone e iPad, que serão fabricados aqui.
Segundo fontes da indústria fonográfica, a empresa deve anunciar o lançamento do iTunes nos próximos dias. A loja virtual foi criada em 2003, está em 38 países e é tida como a salvação do mercado da música, que até então não havia forjado um modelo de negócios lucrativo no meio digital.

Expectativa de um Playstation nacional

Na semana passada, a União Brasileira de Editoras Reunidas (Ubem), associação da indústria fonográfica, informou ao GLOBO que as negociações para o lançamento do iTunes no país estavam “bem avançadas”. A loja deve entrar em funcionamento já em dezembro com material exclusivo obtido junto às gravadoras.

Sobre a Apple TV, a fabricante não confirmou seu lançamento no Brasil, mas o produto foi homologado pela Anatel em 22 de novembro, ou seja, está liberado para venda. Outra homologação da Anatel, do iPhone 4S, sugere que o novo smartphone será fabricado na Foxconn de Jundiaí. Uma foto publicada por um site especializado mostrou também um iPhone 4 de 8GB com a inscrição “Indústria Brasileira” – ou seja, o iPhone já estaria sendo fabricado no país. A Apple, mais uma vez, nega.

Na fronteira das redes sociais, o LinkedIn, que reúne currículos de profissionais, anunciou na semana passada a abertura de um escritório em São Paulo. Segundo Osvaldo Barbosa de Oliveira, diretor-geral da plataforma no país, a decisão conjugou a boa fase da economia local, com Copa e Olimpíadas no horizonte, e o crescimento voraz do número de usuários.

– A solução que o LinkedIn oferece tem como premissa a necessidade de estar no máximo de lugares possível – disse Oliveira, ex-Microsoft. – Então chegar ao Brasil sempre foi a intenção. E não só do LinkedIn: qualquer empresa global vai ter que estar aqui, mais cedo ou mais tarde.

Depois da inauguração da versão brasileira, em abril de 2010, os usuários do LinkedIn no país saltaram de um milhão para seis milhões, e o Brasil passou a quarto lugar no ranking da empresa no mundo.

No setor de videogames, 2012 pode trazer uma notícia tão esperada pelos jogadores quanto o lançamento de um “Call of Duty”: um Playstation made in Brasil. Procurada, a Sony confirmou que avalia a possibilidade. Segundo uma fonte da indústria de games, isso acontecerá porque a companhia japonesa teria percebido que sua bandeira de reduzir impostos de importação não dará resultados. Foi decisivo para a mudança de estratégia o início da fabricação do rival Xbox 360 (da Microsoft) em Manaus, em setembro, o que reduziu o preço do console de R$1.299 para R$799. A Sony reagiu baixando o Playstation 3 para R$1.399, mas o console ainda é o mais caro.

A economista Lia Valls, coordenadora do Centro de Estudos do Comércio Exterior do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da FGV, explica que as companhias globais funcionam com base na internacionalização, por isso é natural a expansão:
– O movimento para o Brasil não começou de repente. Essas empresas já estão bem estabelecidas nos países mais importantes do mundo e, como a economia brasileira tem se mostrado relativamente estável, melhorando sua avaliação de risco, é natural que atraia esses negócios.

Armando Castelar, coordenador de Economia Aplicada do IBRE/FGV dá outros motivos para a tendência:
– Um fator que certamente está atraindo as empresas de tecnologia é maior oferta de banda larga. Além disso, mais pessoas estão tendo cartão de crédito, que é quase um requisito para se fazer compras on-line. O aumento da bancarização também está sendo bastante expressivo. Ou seja, o país está passando a oferecer uma microestrutura melhor para essas empresas de tecnologia.

Com crise nos mercados centrais, as empresas vêm apostando nos emergentes, como o brasileiro:
– As perspectivas da economia lá fora estão ruins relativamente ao Brasil já há algum tempo. Por exemplo, só em 2015 a Inglaterra deve voltar a ter uma renda per capita igual à que tinha em 2002 – diz Castelar.

Nem tudo, no entanto, são flores. Castelar explica que a dificuldade maior para as empresas entrantes no Brasil tem a ver com o ambiente de negócios e institucional.
– Por exemplo, essas companhias não estão habituadas a competir com uma “gatonet”. Fora isso, os riscos que correm aqui não são nada demais. Elas sabem muito bem fazer as contas e não vão se meter num país sem que exista um bom potencial de lucro e sucesso.

Já a Amazon tem esbarrado em barreiras como a desconfiança do mercado editorial. Uma fonte diz que as empresas brasileiras não querem a Amazon, pois temem que pratique preços agressivos. A principal discussão é sobre o contrato. As editoras querem estipular o preço dos livros e pagar um percentual fixo à loja virtual. É como a Apple faz. Mas a Amazon pratica outro modelo: compra os livros das editoras e estipula o preço. Só que a varejista exige descontos. Por Rennan Setti
Fonte:OGlobo05/12/2011