As quase 1,2 mil AgTechs mapeadas no país mostram como o setor está avançando pelas lavouras e pela pecuária nacional e atraindo investimentos estrangeiro.

Uma geração de inovadoras empresas está promovendo uma revolução tanto no campo quanto no mundo dos negócios. Ao mesmo tempo em que atraem aportes cada vez maiores de investidores nacionais e estrangeiros, as chamadas AgTechs também são responsáveis pelo que já é apontado como a segunda revolução digital no agronegócio — posterior à já consolidada pela indústria de máquinas agrícolas.

Entre os maiores produtores de alimento do mundo, com clima tropical, diferentes condições de solo e características que facilitam a proliferação de pragas e doenças nas lavouras – e com muitos gargalos a serem resolvidos -, o Brasil se tornou terreno fértil para essa expansão.

O mercado brasileiro de startups do agronegócio já é olhado de perto, e receberá grandes aportes a partir de janeiro, por exemplo, da Basf. A multinacional alemã anunciou em novembro que estava direcionando US$ 4 milhões por meio do único fundo brasileiro exclusivamente voltado a tecnologias agrícolas, que será lançado em janeiro de 2020 em parceria com a SP Ventures e outros parceiros, como Syngenta Ventures, IDB Lab.

Entre os mais recentes levantamentos sobre a expansão dessa “lavoura de bytes” em terras brasileiras está o Radar Agtechs Brasil 2019, que listou 1.125 startups voltadas à busca por soluções para o agronegócio no País. AgTechs (também chamadas de Agitechs ou Agrotechs) é o termo dado às novas empresas que unem tecnologia e inovação para resolver problemas do campo com soluções até então inexistentes, mais rápidas, mais sustentáveis ou acessíveis.

E boa parte desse trabalho, que ajuda a resolver problemas mais antigos ou recentes na pecuária e da agricultura, tem saído do Rio Grande do Sul. São gaúchas 261 das 1.125 empresas incluídas no levantamento realizado em conjunto pela Embrapa, SP Ventures e Homo Ludens.

Entre os representantes das startups do agronegócio germinadas em solo gaúcho está a Eirene, que deve colocar em campo, entre 2020 e 2021, um robô pulverizador, denominado Eirobot. A ideia, na verdade, é lançar no próximo ano o primeiro de uma série de robôs, começando por um modelo menor, destinado a remover ervas-daninhas e outras impurezas que possam prejudicar a lavoura e que estiverem na terra antes do plantio, explica um dos fundadores e CEO da empresa, Eduardo Marckmann.

Diferentemente de uma máquina agrícola tradicional, o Eirobot foi desenvolvido para ser comandado por um operador que não estará dentro do veículo. Não há uma cabine e todas as tarefas são feitas de forma autônoma. Em 2018, a Eirene recebeu aporte de R$ 3 milhões da Techtools Venture Capital e já procura um local para iniciar a montagem dos equipamentos. O interesse do fundo de investimentos na Eirene foi despertado, inicialmente, pelo SaveFarm – um pulverizador inteligente que analisa imagens por meio de algoritmos e emissão de infravermelho para reduzir as aplicações de defensivos ao mínimo necessário.

 “O Eirobot será todo feito em Porto Alegre. Será como uma montadora ou uma indústria de máquinas. Faremos a montagem a partir das peças fabricadas e encomendadas a diferentes parceiros. Para tanto, estamos buscando outras instalações, porque hoje ainda atuamos dentro do Tecnopuc”, explica Marckmann.

Secretário de Inovação Ciência e Tecnologia do Estado, Luís Lamb, que recentemente esteve em Israel, uma referência mundial em startups de todos os tipos, destaca que também lá as AgTechs são um segmento proeminente e alcançaram o status de produto de exportação. Mais conhecido dos agricultores pelas suas tecnologias que permitem o cultivo em áreas de baixa irrigação, Israel tem inovado em diferentes segmentos, segundo Lamb, e com foco no mercado global.

“Os produtos do AgroTech israelense são de altíssima qualidade, com consumo nos grandes mercados europeus, que demandam alto padrão e sustentabilidade. A adoção de tecnologia e ciência no agronegócio ocorre desde a produção, passando pela gestão da propriedade até a exploração de mercados diferenciados. Mas vale lembrar que o Rio Grande do Sul também tem um histórico notável de agregação de tecnologia no agronegócio”, avalia Lamb.

Radar poderá virar “rede social” das AgTechs
Além de apontar a existências das startups do agronegócio e quantificar essas empresas, o futuro do Radar Agtech Brasil poderá incluir uma espécie de rede social para aproximar produtores rurais e inovadores, conta Murillo Gonçalves, analista associado da SP Ventures que participou do estudo. A maior “dor” das startups, diz o analista, é o relacionamento comercial. Ou seja, ter o nome e sua solução conhecida pelos pequenos e médios produtores.

“Queremos transformar o Radar também em uma rede social de AgTechs, algo como um “classificado digital”, no qual tanto os produtores exponham suas dificuldades quanto as startups apresentem a sua solução para aquele problema”, antecipa Gonçalves.

A ideia é que, em vez de o produtor procurar uma centena de empresas até achar quem tenha uma resposta para aquele caso, um sistema de inteligência artificial aproximará ambos – ou, ainda, as próprias startups que tomarem conhecimento da demanda poderão se colocar à disposição para desenvolver uma alternativa de solução. Comparado ao termo usado quando duas pessoas descobrem afinidades e interesses comuns em um site de relacionamentos, com o Tinder, a rede buscará promover o “match” entre produtor e startups.

O levantamento dos 259 aportes financeiros feito no segmento de startups, em geral, no país chegou a U$ 1,3 bilhão em 2018. Destes, 20 foram destinados ao agronegócio, num total de U$ 80 milhões.
O olhar dos fundos de investimentos, brasileiros e estrangeiros, sobre as startups do agronegócio, por sinal, foi outro indicador destacado no Radar AgTechs Brasil.

O levantamento dos 259 aportes financeiros feitos no segmento de startups em geral no País chega a US$ 1,3 bilhão em 2018 – destes, 20 foram destinados ao agronegócio, em um total de US$ 80 milhões. O valor é quatro vezes maior do que os US$ 20 milhões investidos em 2017.

Gestora de fundos de investimento prioriza startups do agro
Uma das principais referências brasileiras em investimentos destinados a AgTechs, a SP Ventures tem hoje recursos aplicados em 20 empresas – mais da metade são AgTechs. Os primeiros investimentos em uma startup voltada ao agronegócio foram feitos ainda em 2009, quando poucos olhavam com atenção este mercado. Hoje, um dos mais simbólicos investimentos está dentro de um galpão onde se faz plantio vertical em área urbana, o Pink Farms, conta Murilo Vallota Gonçalves, analista associado da SP Ventures.

“Mas eu até diria que a Pink Farms é tanto uma AgTech como uma AgFoods. É algo realmente diferenciado. Fomos para esse mercado de AgTechs há dez anos porque vimos que outros investidores não estavam atentos ao potencial desse setor, mesmo sendo a agricultura a grande vocação do Brasil”, conta Gonçalves.

Em janeiro, quando começar efetivamente a operar o AgVentures II, o fundo deve injetar no mercado, inicialmente, US$ 20 milhões. Se tudo correr como o previsto, diz o analista, a projeção é chegar aos US$ 75 milhões. Recursos que também irrigarão startups que, mesmo não sendo AgTechs ou FoodTechs, tenham vocação e relevância para o setor do agronegócio.

“Pode ser uma FinTech (startup financeira) com relevância na operação de crédito ou seguro ao agronegócio. Ou mesmo na área de logística se tiver na sua vocação trazer mais mobilidade para este setor”, diz Gonçalves.

Às empresas que pretendam buscar uma parte desses recursos, ele detalha alguns dos critérios que a gestora analisa antes de dar o aporte. Inicialmente, quatro fatores são observados: o time de profissionais (os fundadores, a formação, de onde vieram e onde querem chegar); a tecnologia e a solução apresentadas; o tamanho do mercado para aquele produto (a solução pode ser eficiente e inovadora, mas também precisa ter um mercado com potencial e escala); e os aspectos financeiros (como a contabilidade é controlada, a divisão acionária e se a empresa está alavancada com crédito já tomado no mercado).

O mais recente critério estabelecido para o AgVentures II é gerar impactos sociais, ambientais e econômicos positivos e com fortes regras de compliance (éticas claras para relacionamento com clientes, fornecedores e funcionários).

“Em geral, optamos por empresas que recebam investimento mínimo de US$ 1 milhão sem ter que abrir mão da participação majoritária. Ou seja, que tenham condições de receber participação nossa de mais de 40%, embora o ideal seja que esse valor corresponda a entre 20% e 25%”, detalha Gonçalves.

Tecnologia para agricultura em clima tropical é diferencial brasileiro
As razões apontadas pela multinacional alemã Basf para investir US$ 4 milhões em startups brasileiras focadas no agronegócio dizem muito sobre o potencial do setor. Anunciado em novembro, os recursos serão aplicados aqui em parceria com a SP Ventures. Juntamente com outros investidores, darão origem ao fundo AgVentures II, com foco exclusivo em AgTechs e AgFoods (voltada a soluções inovadoras na fabricação de alimentos) que será lançado em janeiro.

Em comunicado global divulgado em 18 de novembro, a Basf Ventures noticiou que estava ingressando no único fundo brasileiro exclusivamente voltado a tecnologias agrícola em um País onde os produtores enfrentam grandes desafios devido a condições climáticas específicas e seu clima tropical, o que inclui maior proliferação de pragas e doenças das culturas, além de diferentes condições do solo. Apesar disso, destacou a multinacional, duas a três colheitas por ano são possíveis no Brasil.

Os desafios da agricultura brasileira que podem ser amenizados pelas AgTechs, segundo a Basf, incluem uma infinidade de fatores de produção. As oportunidades e demandas vão da administração de negócios ao apoio à agricultura de precisão e a gestão da pecuária, além de tecnologias para desenvolver alimentos inovadores, novos ingredientes e proteínas vegetais, além de segurança e rastreabilidade de alimentos, logística e processamento da produção.

“As startups se tornaram importante fator de inovação aos clientes da Basf e ao nosso crescimento na América do Sul”, afirmou Manfredo Rübens, presidente da Basf América do Sul.

Já o diretor administrativo da Basf Venture Capital, Markus Solibieda, ressaltou, no documento, que, como parceiro da AgVentures II, a companhia estava “preparando o terreno para futuras atividades de investimento direto no Brasil e na América Latina”.

CNA trabalha para aproximar produtores e inovadores
O acelerado movimento das AgTechs no Brasil, especialmente entre 2018 e 2019, levou a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) a criar, neste ano, o AgroUp, uma rede nacional de inovação para o agronegócio. Desenvolvido inicialmente em cinco Estados brasileiros, entre os quais o Rio Grande do Sul, o programa trabalha com diferentes frentes de ação, mas uma das prioridades é aproximar as startups das necessidades do produtor rural, explica Matheus Ferreira, coordenador de inovação da entidade. Ele destaca o crescimento do setor também tomando como uma das referências o levantamento da Embrapa, SP Ventures e Homo Ludens.

As razões para que País tenha saltado de menos de 400 AgTechs em 2018 para quase 1,2 mil em 2019 vem da positiva união de interesses nas duas pontas desse sistema. De um lado, o meio rural está ávido por soluções para os mais diversos problemas de seus negócios e, de outro, a comunidade da inovação, tradicionalmente mais voltada a outras áreas da economia e para o meio urbano, agora despertando para as necessidades da agricultura e da pecuária, relata Ferreira.

“Há uma grande demanda rural por inovação e transferência de tecnologias que saiam do convencional, da pesquisa tradicional, e ajudem a melhorar a produção, a reduzir custos e acessar mercados. E também existe, hoje, um forte interesse da comunidade de inovação em conhecer e atender demandas do agro”, avalia o executivo da CNA.

Ferreira diz também que a ideia do AgroUp é fortalecer a comunicação entre todo o ecossistema da inovação para o meio rural aproximando startups, produtores e entidades de ambos os setores. Mesmo que já tenha ficado no passado a imagem da agricultura e da pecuária como um trabalho notoriamente braçal, a produção de novas tecnologias para o campo ainda enfrenta algumas barreiras. Uma delas, de acordo com Ferreira, é o fato de que as startups, muitas vezes, não sabem o que priorizar na hora de desenvolver uma aplicação para a agricultura, a criação de gado, a produção de frutas, hortaliças e outras atividades da economia primária. Na outra ponta também existe um produtor que precisa ter confiança no sistema antes de adotar a solução proposta. Por isso são importantes os chamados hackathons do agro (uma competição de tecnologia), que em dezembro de 2019 conta com uma edição especial em Porto Alegre.

O meio rural está ávido por soluções para os mais diversas problemas dos seus negócios
“Com nossa assistência técnica testando cada inovação, temos como validar essas soluções que estão sendo propostas pelas startups. A proposta do AgroUp também é ser uma espécie de selo de qualidade, de certificação dessa inovação. Às vezes, a nova empresa está com 70% da ideia pronta, que é apresentada a um técnico e diz o que melhorar. Assim, chega aos 100% antes de disponibilizar aos produtores”, completa Ferreira.

Aegro já monitora 1,8 milhão de hectares
Foi a vontade de quatro cientistas da computação em empreender (Pedro Dusso, Paulo Silvestrin, Francisco de Borja e Thomas Rodrigues) e a descoberta, quase ao acaso, dos problemas de um engenheiro agrônomo (Valmir Menezes) para atender diferentes produtores rurais que deram origem a Aegro. A startup gaúcha desenvolveu um software de gestão agrícola unindo as áreas operacional e financeira das fazendas, cobrindo hoje o equivalente a 1,8 milhão de hectares com seu serviço.

Ao armazenar no aplicativo os dados da propriedade e de cada safra, o produtor tem acesso a relatórios completos sobre estoques, utilização de insumos, de custos por safra e por talhão, por exemplo, gerando um diagnóstico preciso e completo de propriedade. A empresa, fundada em 2014, começou a comercializar o software em 2016 e hoje é umas das estrelas entre a carteira de investimento da SP Ventures.

Menezes, que “era conhecido de um conhecido”, conta Dusso, perdia muito tempo organizando e analisando planilhas dos produtores que atendia. Eram diversas abas em aplicativos e arquivos com dados de semeadura, fertilização do solo, adubação de base, de cobertura, por exemplo, o que demandava muitos dias de trabalho para cada cliente. Em busca de uma alternativa mais tecnológica, os amigos criaram o Aegro. Pensavam em ganhar algum dinheiro com esse serviço e partir para outros negócios. A solução deu tão certo que não pararam mais: o negócio acelerou.

“Vimos que o problema do Valmir era o problema de outros consultores agrícolas, assim como o problema dos clientes dele, que não tinham um bom acesso a ferramentas para planejar safra, organizar seus controles etc”, recorda Dusso.

Na busca por modelo ideal para o Aegro, os amigos fizeram imersões de até uma semana no campo, em contato direto com produtores. O que era para ser uma solução para apenas um engenheiro agrônomo virou software adotado hoje por mais de quatro mil produtores em todo o Brasil. A razão? Economia de tempo, de recursos e a precisão nos dados.

“Um consultor agrícola leva, em média, entre uma semana e 10 dias para fazer o planejamento bem feito de 1.000 hectares cruzando ele mesmo os dados. Conseguimos, com o Aegro, reduzir isso para uma manhã de trabalho”, garante Dusso.

Quatro coisas que você precisa saber sobre…

1) O que caracteriza uma AgTech?
Os termos AgTech, AgriTech, AgroTech são acrônimos de “tecnologia agrícola” em inglês, utilizados para designar tanto um amplo conjunto de novas tecnologias desenvolvidas com aplicação para agropecuária quanto para nomear startups de base tecnológica agrícola. O termo agrupa todo o ecossistema que une empresas e organizações que interagem entre si para gerar novos negócios e inovações.

2) Quais as referências do setor no mundo e Brasil?
Um dos destaques brasileiros é a AgroSmart que, neste ano, recebeu investimento de R$ 22 milhões do Inovabra Fund, do Bradesco, e do braço de Venture Capital Corporativo do Grupo Positivo. Os recursos serão direcionados para a expansão internacional e o lançamento de novos recursos como programas de seguro para agricultores em caso de doenças nas plantações. Mundialmente, um dos primeiros cases de sucesso ocorreu em 2013, com a aquisição da empresa de análise e gerenciamento de risco climático Climate Corporation pela Monsanto, por US$ 930 milhões. Esse seria o primeiro unicórnio do agro (como são chamadas as startups que recebem uma avaliação de cerca de US$ 1 bilhão ou mais em curto espaço de tempo).

3) Onde as startups estão mais presentes no agronegócio?
As AgTechs podem envolver equipamentos agrícolas, informações meteorológicas, melhoramento genético, fertilizantes, herbicidas, sistemas de irrigação, sensoriamento remoto (incluindo drones), técnicas de gestão da propriedade e até a análise de grandes volumes de dados agronômicos para obter melhorias na produtividade. São aplicações baseadas, por exemplo, em tecnologia de informação para aumentar sua eficiência produtiva, utilizando-se o monitoramento de variáveis por meio de rede de sensores, com análise de dados (analytics) em tempo real e automação de atividades de forma a reduzir custos e aumentar a produtividade, melhorar a gestão da propriedade mediante uso de sistemas  inteligentes para apoiar  tomada de decisão baseada em dados reais.

4) Quais as tendências para o setor?
O Radar das AgTechs aponta como “megatendências” o crescimento do investimento privado para inovação agrícola e novas tecnologias; o desenvolvimento de uma segunda revolução digital com aumento da capacidade de processamento; o barateamento dos sensores e surgimento de novas tecnologias interconectadas com uso mais amplo; novas biotecnologias; e acesso a dados agronômicos em grande quantidade, os quais podem ser usados para apoiar práticas em decisões. Por Thiago Copetti Leia mais em revistapress 07/01/2020