Fusões e aquisições, com troca de ações, devem ser cada vez mais frequentes em negociações envolvendo startups. O cenário atual para muitas empresas emergentes é de portas fechadas, quando tentam captar recursos. Assim, tentam enxugar a estrutura à espera de um investidor.

Segundo especialistas ouvidos pelo Valor, muitas startups estão cortando custos, fazendo demissões e procurando preservar o caixa ao máximo.

A Loft, startup do setor imobiliário, anunciou nesta terça-feira uma nova onda de demissões. Dessa vez foram 384 pessoas, o equivalente a 12% de seus 3.200 funcionários. Contando com o corte de 159 pessoas em abril, o enxugamento da folha neste ano, até agora, é de 543 pessoas.

As demissões de abril foram feitas na área de crédito imobiliário, após a aquisição da startup de crédito imobiliário CrediHome, em agosto, envolvendo troca de ações. Os valores na negociação não foram revelados pela Loft.

Ações também entraram como parte do pagamento de US$ 229 milhões (R$ 1,23 bilhão na cotação do dólar de ontem) feito pelo grupo Ebanx pela compra da fintech Remessa Online, em dezembro do ano passado. Em junho, o Ebanx também fez uma restruturação e anunciou um corte de 340 pessoas, o equivalente a 20% de seus 1,7 mil funcionários.

Startups enxugam estrutura
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Para crescer, sem expor sua avaliação de mercado a uma rodada de captação de recursos inferior às anteriores, as ações são um bom recurso na mesa de negociação tanto em aquisições de empresas complementares como em fusões de startups do mesmo segmento, afirma Patrick O’Grady, sócio-fundador da holding de investimentos Vectis Partners e da fintech Vtech.

“Por conta da correção do mercado, ao juntar duas empresas no mesmo setor usando a troca de ações como parâmetro de preço, ambas mantêm o valor porque não houve entrada de dinheiro”, afirma. “Isso cria uma empresa maior, que pode eventualmente reduzir custos com duplicidades e ganhar fôlego até o mercado melhorar para fazer uma rodada de maior valor lá na frente”.

O recurso não é exclusividade das negociações entre startups. A empresa de programas de fidelidade Dotz usou a troca de ações como parte da compra da startup de simulação de crédito Noverde. Em abril, a Dotz adquiriu 49,96% do capital da Noverde por R$ 35,7 milhões – parte disso em ações. A compra de 100% do capital está para ser votada em assembleia de acionistas, ainda sem data marcada.

Esta foi a primeira aquisição da Dotz desde a oferta pública inicial de ações (IPO na sigla em inglês), em maio do ano passado, e a estreia da empresa no uso de ações para complementar o pagamento em dinheiro em uma aquisição, informa Otavio Araújo, diretor financeiro da Dotz. “Além de reduzir a exposição de caixa, a troca de ações com a empresa adquirida é uma forma de termos certeza de que estamos no mesmo barco”, diz.

A empresa segue de olho em startups para complementar ou ampliar áreas de negócio por meio de aquisições – uma das metas da empresa com parte dos R$ 390,7 milhões levantados no IPO. Segundo o diretor financeiro, o pagamento de parte em dinheiro é uma forma de remunerar os investidores evitando uma diluição maior da participação dos fundadores.

Para Michael Nicklas, sócio-diretor do fundo de capital de risco Valor Capital Group, a troca de ações será mais frequente entre startups maiores ou empresas tradicionais. “Enquanto todo mundo fica aguardando as novas métricas de avaliação do mercado, as empresas tradicionais saem da toca”, observa.

Do lado do investidor, hoje com 105 startups investidas, sendo 60 no Brasil, o sócio do Valor Capital diz que “o momento é de incerteza mais do que de medo”. O foco, segundo ele, está em ajudar as investidas a se posicionarem no cenário atual, fazendo cortes ou mesmo rodadas internas de captação, com foco em tecnologia. “A gente continua olhando ativamente para o mercado, [mas] em ritmo menor”, disse o executivo.

A expectativa de aumento da modalidade de troca de ações envolvendo startups é acompanhada de um nível maior de complexidade na mesa de negociação, tendo em vista a desvalorização dos papéis de empresas de tecnologia. “Agora, avaliar se o fundador da empresa comprada está levando ações do comprador a um preço justo é uma discussão bem mais complexa”, afirma Guilherme Stuart, sócio da RGS Partners, empresa que presta assessoria para operações de fusões, aquisições e captação de recursos.

No primeiro semestre, foram registradas 110 fusões e aquisições de startups no Brasil, volume 7% inferior ao registrado no primeiro semestre de 202, segundo dados da Distrito. Além das fintechs, que registraram o maior volume de negociações no primeiro semestre (22), empresas de tecnologia estão na mira do varejo e de empresas que adiaram IPOs este ano, informa Rodrigo Guedes, líder de assessoria em Mercados de Capitais da KPMG. “Companhias que adiaram seus IPOs e tinham aquisições em vista farão o movimento por troca de ações, chegando mais robustas à abertura de capital”… leia mais em Inteligência Financeira 06/07/2022