O objetivo deste artigo é trazer insights práticos sobre avaliação de empresas, tema que faz parte do cotidiano de boutiques de M&A, investidores, fundos e bancos de investimento, e que nem sempre é pauta entre sócios de empresas de capital fechado, pelo menos até que a possibilidade de uma negociação societária aconteça.

O texto foi dividido assim:

  • – Valor é diferente de preço
  • – Ferramentas que ajudam a aproximar diferentes expectativas
  • – Principais metodologias de avaliação
  • – Avaliação de empresas Early Stage (Startups em estágios iniciais)
  • – Resumo

VALOR É DIFERENTE DE PREÇO

Primeiro ponto, uma coisa é o resultado de um laudo de valuation, outra é o preço de mercado ou do valor envolvido em uma eventual transação societária.
Iniciamos com uma frase do Prof. Aswath Damodaran, um dos maiores especialistas no tema na atualidade, explicando de forma simples a diferença entre valuation e pricing.

“O número atribuído a uma casa à venda não é seu valor, mas seu preço, baseado por exemplo em casas similares que estão sendo negociadas na vizinhança. Em preço, se traz a noção intrínseca de valor, mas você essencialmente diz: O mercado é o que é, e assim tentamos estimar o quanto o mercado pagaria por este ativo”.

Ou seja, a casa pode valer mais ou menos do que seu preço ofertado, depende para quem e em que contexto se negocie. Funciona da mesma forma para uma empresa, com questões nem sempre pontuadas em um laudo de valuation, como:

  • i) Contexto: Estamos, por exemplo, em um momento com grande liquidez no mercado, consequência do aumento expressivo de investidores em diversos formatos, das reduções nas taxas de juros, dos novos hábitos de consumo a nível mundial, entre outros, o que faz com que haja mais capital disponível para investimento na economia real (empresas e empreendimentos). Assim, mais transações estão sendo realizadas e em valuations mais expressivos.
  • ii) Para quem? Assim como uma casa térrea tem maior valor a um cadeirante, uma empresa com potencial de se tornar unicórnio tem maior valor para um VC com essa tese, que pagaria um % a mais pelo risco, do que a um family office com perfil mais conservador ; assim como uma empresa do mesmo segmento da empresa avaliada (player estratégico) tenderia a pagar um valor adicional em uma eventual aquisição do que um player financeiro pagaria, visto que agregará sinergias aos negócios. Por isso é importante ter uma tese estruturada mais ampla, onde o valuation terá referência importante.
  • iii) Olhar para dentro: Assim como antes de vender um veículo, você conserta a lanterna queimada, ou faz a revisão de algo mais impactante na percepção de cuidado, como pneus e suspensão, em uma empresa algumas questões são importantes de serem trabalhadas de forma a agregar valor, como governança, contabilidade, plano estratégico, orçamento, precificação, pipeline, entre outros.

Desta forma, entre a expectativa de valor de um sócio (que tem laços emocionais com a empresa), e investidores (mais pragmáticos), terá um intervalo menor e mais tangível, ou, até mesmo, sendo positivo no preço em relação ao valor.

FERRAMENTAS QUE AJUDAM A APROXIMAR DIFERENTES EXPECTATIVAS

Como citamos, é possível tangibilizar boa parte desse intervalo de expectativas em uma negociação. Enxergamos basicamente dois caminhos macros:

  • 1: Você está enxergando o mesmo futuro do que eu? A expectativa futura é o ponto chave que vai validar a oportunidade, e visitar o futuro é uma rotina feita várias vezes, inconscientemente, durante uma negociação. Com uma maior consistência nas informações e projeções, através de estudos de mercado alinhados a um plano estratégico com metas desdobradas e orçamento, é possível fazer esse futuro ser mais previsível no presente. E isso só terá força através da segurança atribuída aos fundadores e seus times de que tais resultados serão alcançáveis.
  • 2: Vamos compartilhar o risco? Há ferramentas que podem contribuir para que riscos sejam minimizados para ambos os lados, como cláusulas de earn-out, onde se bonificam vendedores (em capital ou equity) em caso de resultados serem atingidos ; escrow account, ou seja, contas vinculantes para a garantia de ressarcimento a eventuais contingências, por exemplo ; contrato de mútuo conversível, onde se deixa para frente uma discussão mais efetiva em relação ao valuation (cuidado!), entre tantas outras.

PRINCIPAIS METODOLOGIAS DE AVALIAÇÃO

” No mundo dos negócios, o espelho retrovisor é sempre mais claro do que o para- brisa”. Warren Buffet

As três principais metodologias de avaliação, segundo métricas contábeis, econômicas e estratégicas, tem nos resultados históricos a consistência inclusive para projeções futuras.

Avaliação patrimonial: Metodologia pouco utilizada como referência base em operações estruturadas de M&A, visto que não agrega aspectos estratégicos do business, mas sim um panorama seguro sobre o patrimônio da empresa e sua estrutura de capital. Utilizada em situação pontuais, como em liquidação judicial ou quando uma empresa passa por dificuldades e seus resultados não são satisfatórios. Basicamente, se apuram os valores justos de balanço para se chegar ao patrimônio líquido, apontando ativos a preços de mercado, ajustando taxas de depreciação e teste de impairment, e passivos a valor presente.

Imaginemos uma indústria obsoleta e com resultados em declínio, fazendo com que se compense fechar do que manter ativa. Se apura o valor das máquinas e demais ativos, por exemplo, R$ 10 milhões, subtrai os passivos (dívida líquida e eventuais contingências), por exemplo, R$ 8 milhões, restando um saldo de R$ 2 milhões. Este seria o valor líquido ao acionista (equity value). Atentar à questão fiscal para o caso de venda de ativos individualmente.

Uma outra metodologia importante é a avaliação por múltiplos, onde se compara o valor de mercado de outras companhias, e transações realizadas no segmento, com seus indicadores chaves, tanto financeiros quanto específicos do business. Essa metodologia, pela sua característica prática, é bastante utilizada em transações de M&A, tanto de forma exclusiva quanto complementar a outras metodologias.

Um exemplo: Imaginemos uma empresa detentora de software especializado em marketing B2B. Há empresas de software sendo negociadas na B3 em que seus dados operacionais e financeiros são públicos, assim, se faria um estudo do valor de mercado dessas companhias comparando indicadores chaves, como receita operacional líquida (EV/Sales), Ebitda, receita recorrente, lucro (P/L), churn, LTV/CAC, taxas de crescimento, entre outros. Pode estender a comparação com empresas negociadas em outras bolsas de valores mundiais, assim como com companhias de capital fechado que divulgam seus dados e/ou ainda, que realizaram operações de M&A, o que é comum serem divulgadas informações inclusive em transações minoritárias para captação de recursos (fundraising).

Aqui é muito importante se atentar no aspecto qualitativo das comparações, visto que, as empresas têm estágio, atuação, posicionamento, fatores críticos de sucesso, potenciais, estrutura financeira, liquidez bastante diferentes umas das outras. Por exemplo, não se pode trabalhar com o múltiplo em que a Totvs adquiriu a RD Station para avaliar uma empresa early stage, ainda validando seu MVP, assim como não se pode trabalhar com o múltiplo de P/L do Burguer King para um único restaurante localizado em um bairro específico de uma cidade. Empresas listadas trazem liquidez e menor risco ao investidor, ou seja, suas ações podem ser negociadas a qualquer tempo, diferentemente de empresas de capital fechado, o que eleva seu valor, além disso, são empresas estruturadas e com plano estratégico e de risco mais bem validados.

Uma terceira avaliação, sendo a tecnicamente mais aceita, é a avaliação por fluxo de caixa descontado (DCF – discounted cash flow), ou seja, vai direto no que o investidor busca com a negociação de um ativo empresarial, o de remunerar seu investimento considerando a expectativa de geração de caixa ao longo do tempo, pontuando também fatores como risco, estrutura de capital e seu custo, tamanho e potencial de mercado, plano estratégico e operacional, entre outros, sendo apresentado com projeções consistentes de resultados ao longo dos anos. Essa metodologia, quando realizada de forma profissional e detalhada, traz segurança na definição do intervalo justo de valor de uma empresa.

Exemplo: Vamos imaginar que você tem uma empresa de serviços com contratos assinados com clientes. Construa uma projeção de fluxo de caixa para os próximos anos inserindo a receita projetada destes clientes ao longo do período. Insira uma linha projetando novos clientes a adquirir, com base em mercado e seus diferenciais, insira custos e despesas para atender esta receita, não esquecendo que deve ser detalhado com plano para cada conta, de forma a não colocar uma projeção de margem muito mais otimista do que na prática a empresa tem conquistado. Ajuste alíquotas de impostos conforme os cenários, insira investimentos que deverão ser feitos, amortização de empréstimos, despesas financeiras entre outros. Após esse fluxo estar pronto, inicia a segunda parte, a determinação da taxa de desconto desses fluxos futuros a valor presente.

Essa taxa tem o objetivo macro de ser um custo de oportunidade, considerando o custo de capital aliado a fatores como risco (exemplo, prêmio por falta de liquidez) e variação em relação a índice base (Beta). Assim, se calcula o custo médio ponderado de capital (WACC) para se fazer o desconto, considerando % de capital próprio na sociedade (PL) x custo (CAPM) + % de capital de terceiros x custo (despesas financeiras a serviço da dívida).

Com essa análise detalhada em relação ao business, é possível também entender a fundo as variáveis de criação de valor do negócio (EVA), que direcionarão a empresa e sócios em relação à sustentabilidade do modelo de negócio.

Sobre o método DCF, lembre-se de que o papel aceita tudo. Quando apresentado de forma leviana e sem critérios, diz muito sobre a falta de gestão da empresa.

AVALIAÇÃO DE EMPRESAS EARLY STAGE (STARTUPS EM ESTÁGIOS INICIAIS)

Pela falta de histórico de resultados, e também de empresas e dados comparáveis condizentes com a proposta de atuação da startup, as metodologias tradicionais acabam não trazendo uma avaliação mais precisa do que pode representar a empresa. Neste cenário surgem outras métricas para avaliar empresas early stage, e que trazem visões interessantes, como Método Berkus, Scorecard, First Chicago, dentre outras, mais atentas à fase do negócio, time e potencial do que propriamente os resultados. Porém, pelo alto grau de subjetividade, nós aqui na Overview costumamos utilizá-las como avaliações complementares à tese.

No caso dessas empresas, deve-se modificar totalmente a forma com que se vê o valuation, visto que ele deixa de ser uma referência de valor da empresa, mas sim o resultado de duas premissas ajustáveis a cada rodada, sendo: Valor do investimento previsto e % de equity disponibilizado.

De uma forma prática, é mais ou menos assim: “Olha, estou disposto a ceder x% do meu negócio para que você aporte o suficiente para eu continuar investindo por mais 1 ano. Quer subir nesse foguete?”

É essa relação que vai gerar o valuation, e não o contrário. Neste exemplo acima, se o investimento previsto é de R$ 1 milhão e o equity de 20%, o valuation post money será de R$ 5 milhões. Difícil para um financista tradicional ver algum sentido nisso, mas é assim que vem acontecendo na prática. A cada rodada é comum a mídia divulgar o novo valuation das empresas, esse valor é uma referência projetada do valor total da empresa se todas suas ações fossem negociadas ao mesmo preço em que ações minoritárias foram negociadas nesta última rodada, o que pode se mostrar verdadeiro ou não no futuro, ou seja, se trata de uma expectativa. Essa questão do valor de investimento necessário e o % de equity disponibilizado, normalmente pelos fundadores, são pontos importantes de serem definidos com muito critério, pois envolvem questões como diluição (e entusiasmo do time fundador), segurança e celeridade da execução do plano estratégico, e uma questão evolutiva do valuation. Em uma transação de M&A, é essencial também se atentar aos termos contratuais antes do início das rodadas, ainda na construção da tese, prevendo questões como controle, tag e drag along, direito de preferência. poder de veto, entre muitos outros.

Desta forma, o valuation representa o preço que o investidor entende ser justo pagar para embarcar neste foguete. E quais as variáveis? Muitas, mas principalmente o quão pronto esse foguete está (fase / estágio da empresa), quem são os pilotos (fundadores e time), o quão distante do objetivo (indicadores como cash burn e run away ajudam a dimensionar), o cenário que enfrentará (mercado, concorrência, incertezas do percurso), e é neste sentido que as novas metodologias, citadas acima, trabalham.

Você reparou que citamos o termo post money acima. Explicando: Em transações que envolvam captação de recursos (fundraising) para o caixa da empresa, ou seja, cash in, onde não será negociada a participação de algum sócio específico, mas a emissão de novas quotas / ações, é importante definir se o valor atribuído ao valuation é pre money (antes da entrada do recurso) ou post money (depois).

Aquele cenário clássico estilo Shark Tank, onde o empreendedor oferece determinada participação da empresa, exemplo, 20% por um valor de R$ 1 milhão, em tese, se trata de uma avaliação post money de R$ 5 milhões, onde o R$ 1 milhão representará 1/5 das quotas, 20%. Neste caso o valuation pre money da empresa é R$ 4 milhões. Parece uma definição simplista, e realmente é, mas é importante saber.

RESUMO

Como o Prof. Damodaran citou, “o mercado é o que é” e nos cabe estimar o que este mercado pagaria por determinado ativo. Não é uma tarefa fácil, dado por exemplo operações de IPO, quando companhias passam a negociar parte de suas ações em bolsa, sendo operações estruturadas, com valuation e tese consistentes, e mesmo assim há forte variação entre os preços iniciais e suas cotações após 30 ou 60 dias. isso apenas reforça de que o mercado é soberano, e, que muitos outros fatores podem alterar essa relação entre valor e preço. Entrar no detalhe desses fatores pode ser muito saudável.
Sucesso em sua jornada! Autor : Carlos Tristão é economista e sócio da Overview Negócios.. leia mais em overviewnegocios. 05/08/2021