À frente de um conglomerado que reúne 30 empresas e emprega 30 mil pessoas em 41 países, o geólogo Marco Stefanini criou um ecossistema orientado para a transformação digital que cresce 30% ao ano e faturou R$ 6,2 bilhões em 2022. Desde 2020, o Grupo Stefanini adquiriu 12 empresas, entre elas a líder em softwares para bancos na América Latina. Embora cauteloso em relação aos desafios para este ano, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, onde a receita da empresa já é tão grande quanto a da matriz, ele entende que a perspectiva é de manter o ritmo acelerado, sobretudo pelas demandas que irão surgir nas áreas de cibersegurança, indústria 4.0 e inteligência artificial.

Para o empreendedor que há 35 anos decidiu montar a empresa de software que leva seu sobrenome os desafios são parte da rotina e podem trazer oportunidades. Foi assim na crise global de 2008, iniciada pela quebra do banco Lehman Brothers, foi assim nos períodos mais difíceis da pandemia de Covid-19 e tem sido assim desde o início da guerra da Ucrânia, que afetou parte da operação do Grupo Stefanini na Europa, já que 75% de seus colaboradores no continente vivem em países próximos ao conflito, como Romênia e Moldávia. “Tivemos de tomar decisões corajosas e em pouco tempo. Nessas horas, se você ficar quieto já errou”, afirmou à DINHEIRO. Os dois temas, pandemia e guerra na Ucrânia, foram acrescentados na reedição de sua biografia, O Filho da Crise, escrita por Rogério Godinho e publicada pela Matrix Editora.

10 perguntas para Marco Stefanini fundador do Grupo Stefanini

DINHEIRO — Passados quase três anos desde o início da pandemia, qual a sua avaliação do impacto que ela trouxe para o setor de tecnologia e para os seus negócios em particular?
MARCO STEFANINI — Foi uma gangorra. Nos primeiros três meses houve aquele choque. As grandes empresas foram obrigadas a segurar um pouco os projetos para ver o que iria acontecer. Depois houve uma inversão. No final de 2020 e início de 2021 a valorização dos ativos de tecnologia foi excessiva. Até que em 2022 veio uma reação bastante forte, causada pela hipervalorização do setor, somada a alta de juros e outros fatores econômicos que parecem permanecer em 2023. Para a Stefanini, que é uma empresa muito mais estável, sem dívidas, o momento em que houve aquela parada em 2020 a gente continuou acelerando.

Qual a consequência de acelerar quando o mercado puxava o freio?
Havia uma série de aquisições planejadas e já em negociação. Continuamos adquirindo empresas e conseguimos elevar a produtividade, o engajamento e o nível de satisfação dos clientes. Isso nos permitiu manter o crescimento, que já vinha muito bom em 2018 e 2019.

Quanto a empresa cresceu nesse período?
Cerca de 25% a 30%, em receita, por ano, independentemente do ano. Nós dobramos de tamanho em três anos, para R$ 6,2 bilhões. Do ponto de vista da internacionalização, nós já estávamos em cerca de 40 países antes da pandemia. O que aumentou foi a participação dos mercados internacionais na receita total do grupo. Hoje, nos Estados Unidos, a Stefanini é do tamanho do Brasil.

O que permitiu esse crescimento robusto no exterior?
Isso é reflexo de uma melhor gestão da empresa nos últimos cinco anos e da consolidação dos movimentos que a gente fez em direção à transformação digital. Montamos um ecossistema digital há dez anos e desde então a gente vem plantando. Nos últimos cinco anos, começamos a colher. Nesse ecossistema nós temos mais de 30 empresas e parte do resultado vem da qualidade das soluções que nós podemos oferecer aos nossos clientes em qualquer parte do mundo.

Nesses últimos três anos, qual foi a maior mudança nas demandas dos clientes?
A nossa característica é atender aos objetivos dos clientes de forma integrada. As startups em geral têm o que podemos chamar de soluções pontuais. A nossa vantagem é enxergar a jornada inteira. O mercado corporativo é bem mais lento na absorção de inovações do que o consumidor final. Esse cliente corporativo começou a comprar a transformação digital só de 2018 para cá. Em 2020 ele teve de acelerar em função da pandemia. Essa visão mais pragmática tem nos ajudado muito.

O grupo fez 12 aquisições nos últimos dois anos. É possível manter esse ritmo ou o grupo já está completo?
A gente continua com um ritmo forte de aquisições em duas linhas. Uma é para acrescentar soluções ao portfólio que possam oferecer aos clientes essa jornada completa. Ao mesmo tempo a gente vem consolidando o que chamamos de torres verticais para ganhar mais musculatura. Vou dar dois exemplos. Um é na área financeira digital, com a nossa venture Topaz, que fez várias aquisições, inclusive uma majoritária da Cobiscorp, empresa de software bancário com sede dos Estados Unidos. Hoje o Topaz é a maior plataforma bancária da América Latina, que roda 120 bancos em 25 países e atende 250 clientes da área financeira. O segundo exemplo é de marketing digital, área onde temos seis empresas.

Essas áreas ainda têm espaço para crescer?
Existem muitas soluções a serem desenvolvidas nessas áreas, além da possibilidade de expansão regional, para mercados internacionais em que ainda não atuamos nessas torres. Também há boas perspectivas em cibersegurança, indústria 4.0 e inteligência artificial.

Como a guerra na Ucrânia afetou o grupo?
Na Europa, 75% dos nossos funcionários, que somam 4 mil pessoas, estão em países do Leste prestando serviços para clientes de mercados mais sofisticados, como Alemanha, França, Itália e Inglaterra. Mais da metade desse grupo está na Romênia, mas temos muita gente na Polônia e na Moldávia, que fica na divisa com a Ucrânia, bem próximo ao conflito. E temos umas 40 pessoas na própria Ucrânia e que continuam trabalhando. Nunca pararam, nem no auge dos ataques. A gente tem o modelo de dar muita liberdade de decisão na ponta. Fizemos uma pesquisa e cerca de 150 pessoas da Moldávia pediram para ser removidas de lá, o que não é uma operação simples. É preciso providenciar documentação, com visto de trabalho, arrumar casa, transportar a família. Mesmo assim, a Europa continuou atingindo todas as metas do grupo.

Os ataques a torres de comunicação e à rede de energia interromperam as atividades?
Nós não temos nenhum serviço na Ucrânia que dependa de conexão 24/7, caso do atendimento, por exemplo. Os nossos sistemas permitem que parte do trabalho seja feito off-line, então mesmo que caia a internet é possível seguir trabalhando em atividades com o desenvolvimento de softwares.

Algum aprendizado é possível extrair da guerra?
Foi um bom teste para o nosso modelo de gestão, que dá muita autonomia na ponta. Isso permite responder às crises de maneira muita rápida e eficiente. Outra lição é que nessa hora você precisa ter coragem para tomar decisão. Não pode ficar quieto, que aí você já errou. Tudo isso é muito triste. Tirar as pessoas de casa e depois levá-las de volta não é fácil para nenhuma empresa. Mas nós havíamos aprendido com a pandemia, quando dois países fecharam da noite para o dia: Peru e Filipinas. Em Manila, as pessoas que viviam mais distante do escritório não podiam voltar para casa, tiveram de ficar por lá, e as que moravam na vizinhança cozinharam para todo mundo. O espírito de equipe foi fundamental para a sobrevivência das pessoas… leia mais em Isto é Dinheiro 17/02/2023