No auge da pandemia, quando aviões não cruzavam os céus e os hotéis não tinham hóspedes, o setor de turismo constantemente estudava o impacto de tudo e projetava a sonhada recuperação. Para a Accor, um dos principais grupos hoteleiros do mundo, esse momento chegou mais cedo do que as previsões do setor. Mesmo com a Ômicron, 2022 marcou a superação do faturamento de 2019, com 4,2 bilhões de euros, aumento de 4%. Significativo, considerando que em 2020 esse valor caiu 60%, chegando a 1,6 bilhão de euros. A taxa de ocupação ainda segue 9 pontos percentuais abaixo, em média, mas o aumento do preço pela inflação e pela maior disponibilidade do turista em pagar mais pelas viagens, compensam a vacância. Passado o momento de preocupação com a sobrevivência, a Accor se reestrutura para voltar a crescer.

Para isso, dividiu a operação da companhia em duas frentes. Uma focada nas marcas de luxo, como Fairmont e Orient Express, e outra nas econômicas, intermediárias e premium, como Ibis, Novotel e Pullman. Com o movimento, a empresa abre espaço para trabalhar de forma mais estratégica suas bandeiras e evoluir o conceito de hospedagem, trazendo mais serviços e experiências para os empreendimentos.

No processo de crescimento pós-pandemia da Accor, a nova estrutura da organização atua de forma importante. Anunciada em janeiro de 2023, ela visa facilitar a administração e apoiar a expansão das marcas. “Estávamos tentando fazer tudo com um sistema único e isso é difícil”, disse Jean-Jacques Morin, CEO-adjunto do Grupo Accor e CEO da divisão Premium, Midscale e Economy. “Ter equipes dedicadas em um segmento e equipes focadas no outro torna tudo muito mais simples. É como se você tivesse duas empresas em uma.” Nessa configuração, os hotéis econômicos, intermediários e premium são os que garantem escala para a empresa, com expansão no número de empreendimentos e quartos. No último ano, houve aumento de 299 hotéis na companhia, algo em torno de 3%, ritmo que pretende ser mantido, com atenção especial para a bandeira Pullman, pouco aproveitada na visão do CEO.

Accor divide para multiplicar

Para a pesquisadora em turismo na Universidade de São Paulo (USP) Mariana Aldrigui, essa mudança é muito positiva e possível dada à capilaridade da empresa. “Eles perceberam a necessidade de tratar de forma bastante diferente o grupo econômico, intermediário e premium, considerando agilidade e funcionalidade, enquanto o luxo e estilo de vida, demanda outra compreensão do consumidor, com produtos identitários”, disse. Para ela, a estratégia de diversas bandeiras é positiva, a partir do momento que permite com que o grupo se aproxime mais dos consumidores, criando produtos destinados para a necessidade de cada nicho.

Mas como nem tudo são rosas, no caminho do crescimento, é preciso enfrentar as questões econômicas globais e a recuperação dos proprietários dos empreendimentos, ainda se consolidando. Nesse meio tempo, a estratégia da Accor está na conversão, opção mais barata, rápida e sustentável. Em vez de construir empreendimentos do zero, a empresa agrega hotéis que pertenciam a outras bandeiras, parecido com que a Wyndham faz no mundo inteiro, ou mesmo prédios de escritórios, que podem virar hospedagem.

Outro fator que sustenta boas previsões é o mercado asiático, que amenizou as proibições da pandemia mais tardiamente. Logo, o aquecimento é esperado neste futuro próximo, o que garante mais um respiro para a companhia. Para Morin, essa forte atuação internacional da Accor é uma das grandes vantagens competitivas. Enquanto muitos de seus concorrentes são dos Estados Unidos e possuem maior força nessa origem, a Accor apostou em uma capilaridade global. Com isso, dez países são responsáveis por, aproximadamente, 70% do faturamento na categoria de econômicos, intermediários e premium, entre eles, o Brasil. Com um mercado doméstico muito forte, o País foi o único em que a taxa de ocupação dos hotéis já está acima da registrada em 2019. Isso com tarifas até 30% mais caras.

ACCORINVEST Apesar de ser uma das maiores companhias hoteleiras do mundo, a Accor não é proprietária dos empreendimentos, movimento finalizado em 2019, após mudanças no direcionamento dos negócios – 766 dos mais de 5,4 mil hotéis da Accor pertencem a AccorInvest, que desde 2018 é uma empresa independente do grupo, com faturamento de 3,5 bilhões de euros em 2022. Apesar da independência, a AccorInvest possui em seu portfólio apenas hotéis da Accor, a maioria localizados na Europa. No Brasil são 23, como o Fairmont Copacabana no Rio de Janeiro e o Novotel do Morumbi (SP).

Uma das propostas da AccorInvest vai ao encontro com a visão de Morin de agregar ao hotel mais do que camas, mas trazer um conceito de estilo de vida, com experiências que possibilitem uma melhor relação com os clientes. É uma estratégia de fazer com que o hotel seja um atrativo. Para o COO da AccorInvest América Latina, Charles Boissonnet, “a ideia é criar uma destinação local com os hotéis”, considerando as tendências de comportamento motivadas pela pandemia, como a possibilidade de trabalhar de qualquer lugar e ter viagens mais longas.

Para fazer essas mudanças, a empresa tem seguido dois caminhos: adaptação na operação, o que exige menos investimentos, e adaptação de estrutura. De acordo Boissonnet, as mudanças operacionais incluem aumentar as opções de restaurantes de marcas terceiras, implementar espaços para eventos diferenciados, como rooftops, e agregar serviços como lavanderia, além de fazer adaptações tecnológicas, com melhores conexões de Wi-Fi, televisores com acesso aos serviços de streaming e dispositivos inteligentes. Já a questão estrutural envolve modernização, grandes reformas e otimização do espaço, aproveitando o prédio e o terreno para outras funções, como instalação de antenas de telecomunicação, ou construção de um edifício residencial no terreno…leia mais em Isto é Dinheiro 28/04/2023