O investidor estrangeiro colocou na bolsa brasileira o maior volume da história em 2022. A entrada de recursos de investidores não residentes nas ações já listadas na B3 totalizou R$ 100,8 bilhões no ano passado, a despeito da forte volatilidade do mercado. A percepção de que muitos papéis locais estavam baratos, a surpresa positiva do PIB e a expectativa de que o Banco Central (BC) pudesse começar a reduzir a taxa de juros já no começo de 2023 atraíram dinheiro internacional.

O Brasil também se beneficiou de uma certa falta de opções para o investidor de emergentes. Outros mercados – como China, em razão do combate à covid-19, e Rússia, em guerra contra a Ucrânia – tornaram-se menos atrativos. O conflito geopolítico teve outra consequência: elevou os preços das commodities, setor que tem participação importante na bolsa local.

Assim, a entrada de recursos de não residentes foi a maior da série iniciada em 2012, conforme levantamento do Valor Data. Os investidores institucionais locais, por sua vez, foram na direção contrária, e o saldo desse grupo no ano passado foi negativo em R$ 142,5 bilhões – também recorde. O Ibovespa acumulou alta de 4,69% em 2022, superando o S&P 500, que perdeu 19,4% no ano, e o índice MSCI de emergentes, que caiu 22,37%.

Após trazer R$ 101 bi à bolsa estrangeiro deve ser mais cauteloso

A percepção de que o Brasil estava fazendo o dever de casa ajudou, segundo Patrícia Urbano, gestora de ações para mercados emergentes do Edmond de Rothschild. “O crescimento do PIB surpreendeu positivamente, houve forte criação de postos de trabalho, a inflação começou a cair e, como os juros já estavam elevados, criou-se expectativa de queda nas taxas em 2023. Além disso, os ‘valuations’ [avaliação das companhias] do mercado local estavam atrativos e as empresas revisavam seus lucros para cima”, diz.

Parte relevante do fluxo para ações brasileiras ocorreu no primeiro trimestre, quando investidores globais migravam de teses de “growth” (empresas focadas em crescimento) para “value” (empresa focadas em crescimento) para “value” (empresas tradicionais com resultados robustos), por conta do aumento das taxas de juros ao redor do mundo, destaca Nenad Dinic, estrategista de ações do Julius Baer.

No entanto, o comportamento do investidor institucional local ajuda a explicar o movimento. “O juro real elevado e os rendimentos atraentes das taxas levaram os institucionais locais a mudar seus investimentos de ações para ativos de renda fixa”, diz o executivo.

Na questão política, o investidor de fora também se mostrou mais animado. Para Dinic, “uma percepção mais otimista em relação ao processo eleitoral e ao novo governo e à situação fiscal presente e futura do país” pode ter contribuído para a entrada do estrangeiro.

A dúvida agora é se esse olhar favorável se manterá. Arthur Budaghyan, estrategista-chefe para mercados emergentes do BCA Research, tem visão mais cautelosa desde meados de 2022. Ele explica que ficou “overweight” (com exposição acima da média) no mercado local até maio, aproveitando a saída de investidores globais da Ásia. Depois, rebaixou os ativos domésticos para um patamar neutro.

“Defendemos que Lula venceria as eleições e que, embora seu governo fosse ser mais moderado que o último do PT, ainda aprovaria estímulos fiscais pró-crescimento. Em setembro, escrevi que voltaríamos a ter visão mais otimista para o país assim que o mercado precificasse o cenário. Mas a PEC aprovada após as eleições [PEC da Transição] surpreendeu negativamente”, afirma.

Marcelo Sá, estrategista-chefe de ações do Itaú BBA, lembra que encontrava, em roadshows, clientes estrangeiros bastante otimistas com o posicionamento relativo do mercado local, apesar das dúvidas fiscais existentes. Depois do pleito e das primeiras indicações do governo eleito, houve revisão.

“O estrangeiro mudou sua visão, apesar de não ter sido um movimento tão rápido quanto o do local. A alocação de fundos emergentes no Brasil saiu de 7,9% em outubro para 6,4% em novembro. Ou seja, a depender dos dados de dezembro, será possível dizer que houve empolgação seguida de reversão.”

A mudança de cenário no início de 2023, no início do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), faz com que parte das projeções para este ano seja menos otimista. O campo fiscal do novo governo preocupa e pode atrasar a queda de juros, o que pesa sobre a bolsa e pode afastar os estrangeiros do país. Na primeira sessão do ano, os não residentes retiraram R$ 348,7 milhões no segmento secundário da B3.

“A percepção de risco mudou e o Brasil pode perder algum espaço em relação a outros países emergentes, principalmente em relação a investimentos em ações”, afirma Urbano, do Edmond de Rothschild. “Preocupação com o fiscal, juros elevados por um período mais longo do que era esperado e o consequente impacto na economia e nos resultados das empresas são algumas das preocupações.”

Dinic, do Julius Baer, segue otimista, apesar de concordar que o sentimento piorou e que o mercado deve esperar por um novo arcabouço fiscal antes de se posicionar. “Apesar dos riscos, vemos oportunidades, principalmente com um possível enfraquecimento do dólar e a reabertura da economia chinesa no radar. Cortes nas taxas de juros podem permitir a recomposição de preços dos ativos, que têm dividendos e valuations atrativos.”

Já Budaghyan teme que um afrouxamento fiscal possa levar o Banco Central a elevar os juros. Ele cita ainda o aumento da dívida pública e da inadimplência das famílias como pressões negativas, bem como a desaceleração da economia e da indústria global e local.

“Mas as ações não estão caras. No longo prazo, a estratégia do investidor para o Brasil deve ser comprar ações e vender o real. A combinação de políticas fiscais e monetárias flexíveis (caso o governo tenha um BC mais alinhado em dois anos) é positiva para a demanda doméstica e para os lucros corporativos, mas os investidores estrangeiros devem proteger seus ganhos vendendo a moeda”, diz... leia mais em Inteligência Financeira 05/01/2023