Depois de seis anos de operação, com 200 mil clientes e em um momento em que o Brasil vivia um boom de negócios relacionados a meios de pagamento, a Stone (STNE) avaliou que era hora de dar um passo a mais. No final de 2018, a fintech abriu capital (IPO) na Nasdaq a US$ 24 e viu seus papeis alcançarem US$ 31,35 na estreia –um salto de 30%.

O unicórnio brasileiro levantou US$ 1,5 bilhão, mais alto valor atingido por uma brasileira desde 2013, e passou a valer US$ 9 bilhões. Dois anos mais tarde, em fevereiro de 2021, a Stone atingiu sua máxima na Nasdaq, cotada a mais de US$ 94 –mas as ações caíram quase 82% até o final de 2023, fechando a US$ 17. Diante do preço baixo, a empresa anunciou, no final de 2023, um programa de recompra de ações que pode chegar a US$ 1 bilhão, indicativo da confiança dos gestores na robustez do próprio negócio.

Já o Nubank (NU), unicórnio desde 2018, fez sua oferta inicial de ações na Bolsa de Nova York há pouco mais de dois anos, precificado a US$ 9. “Finalmente, vamos poder chamar eles [os clientes] de sócios”, disse David Vélez, um dos fundadores do Nubank, no vídeo publicitário divulgado poucos dias antes do IPO. “Fazer um IPO é consequência do crescimento que a gente já vem tendo por quase oito anos. Ao entrar na bolsa de valores, a gente só está abrindo parte do capital para que novos investidores se tornem nossos acionistas. Isso pode viabilizar projetos para tornar o Nu cada vez mais completo e um processo natural de uma empresa de tecnologia.”

Como estão os unicórnios brasileiros que fizeram IPO1
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Naquela época, o banco somava 48 milhões de clientes nos três países em que atua (Brasil, México e Colômbia). Hoje, são 90 milhões, mas isso não impediu que a startup sentisse o chacoalhar do mercado acionário. O Nubank só recuperou o preço de suas ações no início deste ano, depois de amargar a mínima de US$ 3,47 em junho de 2022. A empresa, que registrava prejuízo antes do IPO, fechou o terceiro trimestre de 2023 com alta de 463% em seu lucro ajustado. Na bolsa americana, o banco soma alta de 6% no primeiro mês de 2024.

Os altos e baixos dos dois últimos anos também foram sentidos pela plataforma de comércio digital Vtex (VTEX), listada na Bolsa de Nova York desde julho de 2021, quando estreou a US$ 19. Em poucas semanas, ela atingiu a máxima de US$ 30,50 por ação, mas chegou a fechar abaixo de US$ 3 no ano seguinte. Apesar de a cotação atual (em torno de US$ 8,2) representar cerca de 50% do preço de estreia, a empresa viu suas ações subirem quase 80% ao longo de 2023 – e 2024 também começou animado para a empresa.

“Com a taxa de juros básica em níveis elevados, investidores têm migrado para ativos de renda fixa de menor risco, fora das bolsas de valores, o que tem impactado negativamente no preço das ações das empresas listadas, incluindo as startups”, avalia o sócio da KPMG Daniel Malandrin.

Ele explica que startups buscam listar suas ações em Bolsas de Valores via IPO, listagem direta ou via SPACs por diversos motivos, incluindo o acesso a capital para crescimento, geração de liquidez para investidores, melhoria de visibilidade e credibilidade, bem como a possibilidade de criar moeda para aquisições.

Da lista de 24 unicórnios brasileiros listados pela consultoria Distrito, Stone, Nubank e Vtex são os três que mantêm ações nas Bolsas americanas, depois que a Arco (ARCE), uma das principais companhias de educação do país, fechou seu capital, em agosto de 2023. Seis meses depois de se tornar unicórnio, em 2018, ela fez seu lançamento público de ações a US$ 17,50. Em dezembro de 2023, os papéis foram cotados pela última vez, a US$ 14.

“Para mim, o momento do oba-oba de 2020 e 2021 foi consequência direta da pandemia e da incerteza que o mundo estava vivendo, o que refletiu em valuations astronômicos com empresas que nem mercado tinham validado ainda”, aponta Natalie Witte, advogada especializada em tecnologia e sócia da GR8 Ventures. “Como muitos investidores viram seu dinheiro sumir, agora as exigências estão mais difíceis de atingir.”

Eduardo Fuentes, head de Research do Distrito, pondera que o cenário exige cautela e abertura de capital não deve ser estratégia adotada por quem ainda está em fases de validação de modelos de negócios. “Realizar um IPO exige uma diligência financeira e processual bastante extensa”, diz Fuentes. “Normalmente, quem opta por esta forma de financiamento são empresas que já atravessaram um ciclo de captação de recursos no mercado privado e atingiram uma robustez em termos de receita, além de maior previsibilidade de métricas e indicadores financeiros.”

O Distrito restringe o status de unicórnios às startups que alcançam o primeiro bilhão de dólares antes de realizar seus IPOs. Fora da lista, há duas startups brasileiras que passaram a ser listadas nas bolsas americanas via SPAC (na sigla em inglês, empresa de propósito especial). A empresa de inteligência artificial Semantix (STIX) entrou em agosto de 2022, e a holding de empresas de software Nuvini (NVNI), em outubro de 2023.

Para a operação inicial, a Semantix foi avaliada em US$ 1 bilhão, com ação lançada a US$ 10. Um ano e meio depois, porém, os papeis da empresa estão cotados hoje em torno de US$ 0,70, uma desvalorização de 93%. A Nuvini também viu sua cotação despencar, atingindo valor mínimo de US$ 1,59 depois da estreia a US$ 10,91.

Para Natalie Witte, as empresas de tecnologia têm dificuldade na captação de investimentos porque, em momentos de crise, quem não gera caixa é preterido. “A tese de investimento delas normalmente tem bastante ‘cash burn’ envolvido e abatimento de dívidas, o que não garante a estabilidade ou uma sobrevida longa para essas empresas”, avalia.

O ano novo dos unicórnios

Um relatório feito pela consultoria Forge Global e divulgado pela Bloomberg indica que houve uma reviravolta recente em parte significativa dos unicórnios de capital fechado em todo mundo. Cerca de um terço das startups que atingiram US$ 1 bilhão até 2021 perderam o status de unicórnio nos últimos dois anos, ainda que as rodadas de investimento não tenham assinalado essa redução –ou talvez elas não tenham ocorrido justamente para que a revisão de valuation não venha à tona.

Após o “boom” de 2020 e 2021, com grande fluxo de investimentos e ascensão de novos unicórnios, os dois últimos anos foram mais cautelosos, tanto para o venture capital como para quem buscou capital no mercado acionário. Nesse período, por exemplo, a B3 não registrou nenhuma oferta inicial de ações. Este ano será, então, de baixar a poeira e avaliar que unicórnios mantêm seus chifres em pé, apesar dos solavancos.

O ano começa com uma perspectiva mais otimista sobre a retomada de investimentos, ainda que cautelosa. “As startups brasileiras que almejam a listagem de ações em bolsa de valores, no Brasil ou no exterior, devem manter cautela em 2024, visto que a redução da taxa básica de juros para níveis pré-pandemia em diversos países tem sido lenta devido às pressões inflacionárias”, recomenda Malandrin. “Para 2024, espera-se que o mercado retome gradualmente, possivelmente a partir do segundo trimestre”, completa Fuentes… leia mais em Época Negócios 02/02/2024