Recentemente, o órgão que regula e supervisiona a auditoria independente de empresas que auditam empresas listadas nos Estados Unidos, conhecido pela sigla PCAOB, emitiu relatório informando a punição de seis firmas de auditoria por descumprimento de regras e normas relativas à comunicação com comitês de auditoria. No relato, o PCAOB afirma que os comitês de auditoria desempenham um papel fundamental para ajudar a proteger os investidores e confirma que os requisitos de comunicação buscam garantir que o comitê de auditoria tenha as informações necessárias para supervisionar o trabalho do auditor e garantir sua independência.

As seis firmas penalizadas deixaram de informar ao comitê de auditoria a visão geral da estratégia de auditoria, incluindo seu cronograma de trabalho, os riscos significativos identificados durante sua avaliação de risco de auditoria e se outras pessoas ou firmas estariam envolvidas no trabalho.

Uma delas, no entanto, além das omissões acima, não buscou a aprovação prévia do comitê para a realização de outro serviço de consultoria. Essa falha poderia, eventualmente, comprometer a independência do auditor independente e isso é um ponto importante para reflexão.

Opinião: É preciso melhorar a relação entre o auditor independente e o comitê de auditoria
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No Brasil, adotamos as Normas Internacionais de Auditoria emitidas pelo Conselho Internacional de Normas de Auditoria e Asseguração (IAASB), referendadas pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC), que incluem uma norma sobre comunicações com os responsáveis pela governança. A norma estabelece que essa comunicação é recíproca. Não apenas o comitê de auditoria espera receber informações que o ajude a cumprir sua responsabilidade de exercer supervisão geral do processo de emissão de informes financeiros, reduzindo, dessa maneira, os riscos de distorção relevante nas demonstrações contábeis, como o próprio auditor também espera receber informações do comitê que o ajude na condução de seu trabalho, de modo a melhor entender a entidade e o seu ambiente, identificar fontes de evidência de auditoria apropriadas, além de fornecer informações sobre transações específicas.

Essas informações são essencialmente técnicas e relacionadas ao trabalho do auditor e aos riscos de auditoria por ele identificados e elas nortearão seu plano de trabalho, seu alcance e época em que seus procedimentos serão aplicados.

As comunicações por parte do auditor incluem, na época de emissão do relatório, a confirmação de sua independência, o que significa que toda a equipe e outras firmas e pessoas relacionadas com o trabalho cumpriram com todas as regras de independência e mantém essa postura e sentimento de independência em relação à companhia. Parece pouca coisa, mas não é. Para formalizar essa declaração o auditor precisa estabelecer regras e controles internos e supervisionar todo o processo para garantir e afirmar que continua independente.

Mas se as normas requerem esses cuidados do auditor independente, a boa prática de comitês de auditoria espera um comitê de auditoria ativo e que se antecipa ao auditor no cumprimento de seu papel. Num processo tão complexo como a auditoria independente, o comitê de auditoria precisa agir para criar as condições adequadas para o auditor independente, e também dele exigir objetividade na condução de seu trabalho.

A pauta das reuniões de comitês de auditoria é do próprio comitê e, nesse sentido, a pauta deve incluir várias reuniões com o auditor independente. Agindo assim, não somente estará o comitê de posse das informações relevantes, mas estará também, por meio de sua supervisão, protegendo os auditores das ameaças ao seu trabalho e de suas eventuais falhas. Tudo em prol da boa governança.

Mas o processo de o auditor confirmar, por exemplo, a sua independência ao comitê de auditoria parece burocrático e, algumas vezes, com a pauta cheia, os auditores dão à essa parte da reunião um certo tom de mera formalidade. Algo não importante. Em outras vezes, pedem licença para não discorrer sobre o conteúdo.

Os membros do comitê, algumas vezes, agem da mesma forma. O resultado é que nem os auditores, nem os comitês de auditoria se aprofundam nas questões sobre a independência do auditor, a existência, ou não de eventuais outros serviços prestados pelo auditor à companhia, a visão do auditor sobre a qualidade da informação contábil, o debate sobre eventuais consultas feitas pela companhia a outros contadores sobre assuntos contábeis mais sensíveis. Acabamos todos tratando isso como algo formal, pouco importante.

O fato é que se esses assuntos forem discutidos com mais cuidado pode haver informação de conhecimento do comitê que pode não ter chegado ao conhecimento do auditor, e vice-versa. Esse é o propósito.

Mas há mais. O auditor deve avaliar se o processo de comunicação com o comitê de auditoria é eficaz. Em não o sendo, deveria agravar sua percepção de riscos e reavaliar sua capacidade de obter evidência de auditoria apropriada e suficiente. Mas o auditor só é capaz de fazer essa avaliação sobre a eficácia da comunicação quando ele exige que esse processo seja fluido e quando o comitê compreende a importância de conversar com o auditor durante as diferentes fases de seu trabalho.

As boas práticas de governança e algumas regulações, indicam a necessidade de que ao menos um dos membros do comitê de auditoria possua experiência em auditoria independente, entre outras. E por que isso? Exatamente para que, além da própria experiência nas questões contábeis e de controles, esse conhecimento sobre o processo de auditoria, as necessidades e os riscos dos auditores independentes sejam considerados na pauta anual do comitê de auditoria, afinal, o que o comitê precisa é de conforto para recomendar ao conselho de administração a aprovação das demonstrações financeiras da companhia. Esse conforto só é conseguido cumprindo seu papel como estabelecido nas melhores práticas e expresso em seu regimento.

Uma das penalidades imposta pelo PCAOB a uma das firmas de auditoria referiu-se à falha em obter o “de acordo” do comitê de auditoria para que pudesse prestar uma consultoria. Mas onde estava o comitê que não estabeleceu regras de aprovação de outros serviços? A supervisão eficaz do comitê ajuda o processo e evita riscos para o auditor.

Critica-se, não sem razão, os auditores independentes, mas percebemos que no geral, a governança não tem sido tão boa.

Como já disse, a pauta das reuniões é do comitê de auditoria e o órgão deve aproveitar todo encontro com os auditores independentes para conhecer sua visão de risco e, também, compartilhar a visão do próprio comitê. Também as deficiências de controles internos devem ser amplamente debatidas e o comitê tem condições de agir para que as primeiras e segundas linhas possam eliminar as fragilidades identificadas pelo auditor independente.

Os recentes casos de incidentes corporativos em 2023 nos demonstraram, suficientemente, que houve falhas nos ambientes de controles internos, que por sua vez, decorreram de falhas de governança corporativa. Há diversas razões para isso, mas um fato parece claro, os responsáveis pela governança pareciam estar de mãos amarradas. Cumprir com o que se espera do comitê de auditoria é um importante passo para a redução dos riscos. Tanto o auditor independente, quanto o comitê de auditoria tem responsabilidade pelo funcionamento do processo de fechamento contábil. Mesmo em ambientes saudáveis, os riscos são muito grandes para que ambos pulem algumas etapas de suas obrigações.

A melhoria da governança também decorre da supervisão exercida pelos reguladores, mas nós bem que poderíamos nos antecipar a elas..Autor: Guy Almeida Andrade – auditor independente e membro de Conselhos de Administração, Comitês de Auditoria e Conselhos Fiscais. leia mais em Valor Investe 22/01/2024