Conversamos com Giovana Araújo, sócia-líder de agronegócio da KPMG no Brasil, sobre o mercado de fusões e aquisições do setor e suas perspectivas para 2023.

O último levantamento trimestral realizado pela KPMG indicou um total de 117 transações, realizadas em 2022, que envolveram empresas do setor, praticamente o dobro das transações contabilizadas em 2021 (57) e o triplo das contabilizadas em 2020 (39). O agronegócio respondeu por 7% do total de operações de fusões e aquisições realizadas no país em 2022.

Três Perguntas – Agronegócio: fusões e aquisições e perspectivas para 2023
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O que tem impulsionado as operações de fusões e aquisições no agronegócio nos últimos anos?

O primeiro vetor que tem impulsionado as operações de fusões e aquisições é a própria dinâmica do agronegócio. Em termos nominais, nos últimos dez anos o setor cresceu a uma taxa média ponderada de 10%, sendo que em termos reais, o crescimento foi de 3%. Isso em números arredondados. Esse crescimento, naturalmente, coloca o setor no radar desse mercado.

Na ótica de quem compra, é a oportunidade de ter exposição a um setor que está em expansão, e que tem grande potencial de expansão futura. O agronegócio brasileiro representa 27% do PIB e 20% da força de trabalho. Além disso, ele tem uma importante relevância mundial, já que o Brasil é o maior exportador líquido de alimentos no mundo. Na ponta vendedora, como o crescimento traz uma demanda por capital, uma das fontes de capital é a própria capitalização através de um sócio financeiro ou estratégico, ou até mesmo a venda para um terceiro do business.

O segundo vetor, que é tão importante quanto o crescimento do agro, é o fato dele ter sido resiliente tanto às crises no Brasil, quanto às crises mundiais. Num passado recente, esse foi um componente que saltou aos olhos da comunidade financeira, já que o setor era percebido como bastante volátil, o que é inerente ao negócio, como no caso da volatilidade das commodities agrícolas ou da volatilidade da produção por questões climáticas. A resiliência apresentada nos últimos anos tem tornado o setor mais atrativo como investimento.

O que as empresas estão buscando quando partem para uma fusão ou aquisição?

O agronegócio é uma cadeia de valor, possuindo atividades fora da porteira, essencialmente insumos, e dentro da porteira, como a agroindústria e os agroserviços até a ponta da cadeia agroalimentar com as empresas de alimentos. Como se trata de um setor que cresceu e que gerou bastante valor, há muito dinheiro circulando nessa cadeia.

Nos últimos anos, as empresas de dentro da porteira tiveram rentabilidades excelentes. Com isso, elas estão se movimentando para fazerem posições em outros elos da cadeia, como uma empresa de agropecuária avançando no segmento de insumos, ou mesmo grandes agroindústrias consolidando players menores, como ocorreu no segmento de etanol.

A distribuição de insumos, que é um elo muito fragmentado de antes da porteira, também tem sido objeto de consolidação por parte de players estratégicos, que já atuam no mercado, ou financeiros.

Uma tendência que ficou muito pronunciada nos números de 2022, é a busca pela inovação e pela absorção de uma tecnologia específica que está representada nas empresas de tecnologia, particularmente nas agritechs.

O PIB do setor agropecuário caiu 1,7% em 2022. As perspectivas desse mercado para 2023 podem ser influenciadas pela queda no PIB em 2022?

O PIB do setor agropecuário tem dois componentes: preço e volume. Assim, precisamos ter em mente que o componente volume dessa queda foi bastante relevante, como algumas quedas de safra expressivas. Por exemplo, empresas de cana da Região Centro-Sul tiveram quebras de safra superiores a 25% por questões climáticas. Contudo, quando olhamos o ambiente de preços, a agropecuária continua vivendo uma fase favorável.

O setor sofreu um choque muito grande dos preços dos fertilizantes por causa da Guerra na Ucrânia, já que a Rússia é um importante produtor e exportador de fertilizantes para o Brasil. Além disso, nós já vínhamos de um ambiente de negócios global muito desafiador, já que a pandemia havia trazido uma série de ineficiências na cadeia de suprimentos. Assim como o mundo, o Brasil depende de muitos princípios ativos provenientes da China, que são usados na produção de insumos para a agropecuária. Isso gerou um grande impacto do ponto de vista de pressão nos custos.

O fato é que para 2023, as perspectivas de volume, com a possibilidade de uma safra recorde de grãos, e de preços apontam para o crescimento do PIB do agronegócio. A médio prazo, a combinação de tecnologias biológicas, que estão incorporadas a insumos como fertilizantes; de base física, que estão embarcadas nos equipamentos, e, agora, as tecnologias digitais, trazem um potencial de crescimento sustentável para o agronegócio muito relevante.

Se olharmos para os bioinsumos, os potenciais de ganho de produtividade e de redução e maximização do uso de fertilizantes de base química são muito relevantes. As tecnologias digitais que permitem a aplicação customizada de defensivos também podem gerar ganhos e reduções de custos fenomenais.

Agora, a questão do financiamento é um ponto de atenção que precisa ser observado. Estamos vivendo um momento muito desafiador do ponto de vista de custo de capital, e, historicamente, uma parcela relevante do agronegócio tem se financiado com crédito subsidiado do governo. O problema é que sabemos das dificuldades fiscais do governo para aumentar a oferta de crédito subsidiado que dê vazão a necessidade de capital para o crescimento do agronegócio.

Sair do crédito subsidiado e buscar outras fontes de capital implica, em grande medida, no aumento desse custo de capital. Algumas empresas já estão buscando financiamentos verdes, que permitam ter acesso a bolsos que tenham um custo mais competitivo por estarem atrelados a compromissos socioambientais.

Outro caminho são as próprias fusões e aquisições. Uma empresa que quer financiar seu crescimento, de forma a que ele gere valor, pode recorrer ao equity, e não a dívida. Ela pode trazer um parceiro estratégico para capitalizar o negócio e alavancar o crescimento.

O Brasil é o maior exportador líquido de alimentos e tem um papel estratégico na segurança alimentar, sócio ambiental e energética, não só aqui, como no mundo. A demanda pelos produtos do agronegócio brasileiro é crescente, havendo um desafio para alimentar o contingente populacional nos próximos anos. As avenidas de crescimento estão postas, mas a velocidade com a qual isso vai se materializar tem um componente de financiamento fundamental… leia mais em Monitor Mercantil 08/03/2023