Depois de mais de dois anos de seca, 2024 deve marcar a retomada dos IPOs no Brasil. Com a demanda reprimida de uma série de empresas que acabaram adiando os planos em razão dos altos juros, há pelo menos 19 companhias brasileiras que podem aproveitar a melhora do cenário para abrir capital na B3 neste ano, segundo levantamento feito pelo Pipeline.

Se o número se confirmar, ainda estará longe do boom experimentado em 2021, quando só a B3 registrou 46 IPOs, mas já será maior que o desempenho de 2019, no pré-pandemia, quando sete empresas brasileiras abriram capital no Brasil e no exterior. “O cenário é benéfico para as ofertas com os juros caindo e retomada de fluxo de recursos para a bolsa”, afirma Vitor Saraiva, head de equity capital markets da XP.

As 19 candidatas mapeadas incluem desde nomes que só nos últimos meses começaram a falar abertamente sobre a possibilidade de um IPO, como a Cimed, de medicamentos, até empresas que estão resgatando planos antigos, que remontam a tentativas feitas em 2020, como as construtoras BRZ Empreendimentos, Pacaembu e Patrimar.

Ainda não está claro, porém, qual será a companhia que abrirá as porteiras em 2024. Enquanto o mercado de ações dos EUA já teve os primeiros pedidos deste ano, com a Armer Sports e a BrightSpring inaugurando a fila, no Brasil ainda não há nada formalizado.

E a expectativa é que os primeiros meses sigam assim. Executivos de banco de investimento acreditam que os IPOs só devem ser retomados a partir do fim do primeiro semestre, após a volta dos follow-ons, e devem ser capitaneados pelas empresas de grande porte e geradoras de caixa. Nessa categoria, os bancos citam companhias como a CTG Brasil, Votorantim Cimentos, a farmacêutica Cimed, CSN Cimentos e a Compass, empresa de distribuição de gás e infraestrutura da Cosan.

Para os bancos, são empresas que têm condições de realizar emissões bilionárias. O Santander, por exemplo, prevê ofertas entre US$ 350 milhões e US$ 500 milhões (R$ 1,7 bi a R$ 2,4 bi). Já o Itaú BBA estima captações de R$ 1 bilhão a R$ 2 bilhões.

Mas é improvável que haja demanda para todas as 19 candidatas. Roderick Greenlees, responsável global pelo BBA, trabalha com um cenário em que os IPOs de 2024 devem ficar entre três a cinco casos. Não à toa, todas os porta-vozes de companhias que conversaram com o Pipeline fizeram questão de ressaltar que os planos dependem de “condições favoráveis de mercado.”

Um dos setores com mais candidatos é o de energia. Há pelo menos três nomes: o Grupo Safira, a 2W Ecobank, uma geradora e comercializadora de energia renovável, e a CTG Brasil, subsidiária da estatal chinesa China Three Gorges.

A 2W Ecobank — uma das que chegaram a tentar a abertura de capital em 2020 — avalia fazer uma oferta primária de ações entre R$ 800 milhões e R$ 1 bilhão no fim do primeiro semestre, com os dados do balanço do quarto trimestre. “A gente segue olhando o mercado e conversando com os bancos, mas precisa contar com uma janela de oportunidade”, afirma André Berenguer, CFO da empresa, que contratou os bancos BTG, BBA e Santander para coordenar a oferta.

A empresa, que tem dois parques eólicos, pretende usar os recursos para refinanciar uma dívida referente a uma emissão de debênture conversível em ações no valor de R$ 400 milhões, com vencimento em dezembro de 2025, e para capital de giro e investimento.

Já a CTG Brasil, que cancelou a estreia no início de 2023, quer buscar ao menos R$ 3,5 bilhões em uma oferta primária, valor que pode chegar a pelo menos R$ 5 bilhões com a secundária, segundo apurou o Pipeline. O grupo Safira, por sua vez, que atua com comercialização, gestão e soluções de energia elétrica e obteve em 2023 o egistro para a categoria A, também avalia um IPO neste ano, diz Tiago Fontanesi, CFO da empresa.

O setor de energia pode contar ainda com a listagem dos vencedores do leilão de transmissão, previsto para ocorrer em março deste ano e que pode demandar R$ 18,2 bilhões em investimentos, afirma Saraiva, da XP.

Embora não tenha sido incluída na lista de setores resilientes, a construção civil é o que mais aparece entre as cotadas, com sete construtoras. Além de BRZ, Pacaembu e Patrimar, também são candidatas Tegra, Emccamp, Metrocasa e Kallas. O principal empurrão vem do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, que ampliou os benefícios e deve levar construtoras e incorporadoras que atuam no segmento de baixa renda a buscar o mercado de capitais para financiar os investimentos.

Além disso, o mercado espera mais incentivos por parte do governo, como o uso do FGTS futuro e o regime de tributação especial com redução de impostos para as construtoras que atuam na Faixa 1, voltada para famílias com renda mensal de até R$ 2,6 mil.

É justamente esse o foco de atuação da Pacaembu Construtora, que está em conversas com investidores. Mas, diferentemente das outras companhias que atuam no segmento de baixa renda, o negócio da Pacaembu consiste na construção de casas, em vez de apartamentos.

“Acreditamos que o IPO, em condições oportunas de mercado, pode destravar vias adicionais de crescimento e reforçar a consolidação da empresa no mercado nacional, além de ser uma possibilidade atrativa de rentabilidade e geração de valor aos investidores”, diz Victor Almeida, presidente executivo do conselho de administração da empresa, que anotou receita de R$ 866 milhões no acumulado de janeiro a setembro do ano passado.

A Patrimar, que atua na baixa renda com a Novolar, vê o IPO como um objetivo, mas não uma necessidade. “Crescemos de maneira robusta nos últimos cinco anos, e existe um adicional de mercado que conseguiríamos explorar com uma oferta de ações”, diz Felipe Enck Gonçalves, diretor de finanças e de relações com investidores. A oferta pode contar com uma emissão primária e secundária. “Vamos olhar o melhor momento, em que tiver liquidez e precificação adequada.” A Novolar teve receita líquida de R$ 1,3 bilhão no ano passado, disse o executivo.

Mas não são apenas a companhias focadas no segmento de baixa renda que estão de olho na bolsa. A Tegra, empresa voltada para o alto padrão e que já tem registro de categoria A desde 2021, disse “que está preparada para realizar uma eventual oferta de ações e está continuamente monitorando as condições de demanda dos investidores e valuation para as empresas do setor imobiliário.”

E, entre as empresas de cimentos, as duas citadas vivem momentos diferentes. Enquanto a CSN Cimentosaté chegou a admitir a analistas em novembro que estuda uma oferta em 2024, a Votorantim disse que não considera esse cenário no curto prazo e por isso ficou de fora da lista de 19.

Outro setor com potencial de ter candidatas a IPO é o de saneamento, com a Aegea e a Iguá Saneamento, ainda que a Aegea tenha ressaltado que não há previsão para realizar uma emissão no médio prazo.

Já a Iguá diz que um IPO está na agenda da empresa. “Faz parte do nosso radar estar monitorando e estar preparado para uma oferta”, afirma Roberto Barbuti, CEO da Iguá. A companhia pretende ir ao mercado de dívida no primeiro trimestre para pagar um empréstimo-ponte tomado para pagar outorga e investimento na concessão dos serviços de saneamento no Rio de Janeiro, após arrematar o bloco 2 no leilão da Cedae, em 2021. A empresa também tem interesse em participar das parcerias público-privadas (PPP) da Sanepar, cujo edital está previsto para este ano e pode demandar mais recursos.

Companhias que têm fundos de private equity como acionistas também são fortes candidatas a IPO, avalia Pedro Leite, responsável pela área de mercado de capitais do do Santander. Nesse perfil, há candidatas como a Cobasi (que admite oficialmente a possibilidade de IPO), do segmento pet, a fabricante de autopeças Fortbras, a fabricante de filtros automotivos Tecfil e o grupo Nadir Figueiredo, dona das marcas de utensílios para casa Duralex e Marinex.

A Nadir Figueiredo, que é controlada pela HIG Capital e chegou protocolar pedido de IPO em 2021, acredita que pode entrar na primeira leva de ofertas de 2024. O fundo vê uma possibilidade de saída tanto via mercado de ações como por M&A, disse Thiago Miskulin, managing director e sócio do HIG.A empresa encerrou 2023 com um total de vendas próximo de R$ 2 bilhões e atingiu Ebitda ao redor de R$ 500 milhões de Ebitda.

Já em relação à Tecfil, também controlada pelo HIG, o IPO poderia ser uma potencial saída, mas o fundo também considera um M&A leia mais em Pipeline 10/01/2024