O que são as climate techs e por que você deve ouvir falar mais delas em 2024
Parte importante do combate à urgência climática virá, segundo especialistas, da inovação. Especialmente para ajudar a reduzir as emissões de setores considerados mais difíceis de descarbonizar (no termo em inglês, hard-to-abate), como cimento, aço, petroquímica, transporte de cargas e produção industrial a altas temperaturas. Mas também para trazer soluções para financiar a transição energética e popularizar produtos e serviços de baixo carbono.
É aí que entram as climate techs, startups e scale-ups que desenvolvem soluções sustentáveis para enfrentar e mitigar os impactos das mudanças climáticas e impulsionar a transição para uma economia verde e de baixo carbono.
Globalmente, o número de empresas de tecnologia emergentes que lidam com a crise climática aumentou quatro vezes de 2010 para cá. A estimativa é que existam cerca de 44.600 climate techs no mundo, especialmente nos Estados Unidos e Europa, segundo relatório da Tech Nations, com dados de 2022.
Em 2022 as climate techs conseguiram captar US$ 70,1 bilhões investidos de fundos de venture capital, segundo a plataforma de inteligência de dados HolonIQ, o dobro de 2021 (US$ 37 bilhões). Foram cerca de 3.300 aportes. Em uma década, o capital investido no segmento aumentou 40 vezes e só nos últimos quatro anos, 330 novos projetos de ESG e fundos de impacto foram lançados por investidores privados. E ainda há a expectativa de o Green Climate Fund (GCF), da ONU, e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) aumentar o apoio a países em desenvolvimento nos próximos anos.
Karina Almeida, coordenadora de Pesquisa e Advocacy na Endeavor Brasil, rede de empreendedores, acredita que o investidor internacional tem puxado essa demanda. “Já tinham um olhar muito forte ao meio ambiente, do impacto na cadeia até a produção em si. Mas agora, as empresas estão tendo de considerar mais questões ESG para conseguirem o investimento”, comenta. A pressão regulatória e o próprio movimento de comprometimento público de empresas com metas de descarbonização também impulsionaram o movimento.
“Enquanto algumas áreas, como fintechs e SAS (software as a service) tiveram diminuição de investimentos, há setores emergentes que estão chamando atenção e recebendo dinheiro, como o de agrotechs, climate techs e proptechs“, diz.
Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), no pior cenário, as emissões de gás carbônico (CO2) precisam ser reduzidas em 43% até 2030. Atualmente, 90% do PIB mundial está comprometido com carbono neutro, o chamado net zero. A consultoria BCG estima ainda que a transição para carbono neutro demandará US$ 100 trilhões a 150 trilhões investidos nas próximas três décadas, com pico esperado em 2030.
As principais áreas de atuação para as climate techs são energias renováveis, mobilidade, agricultura, monitoramento ambiental e eficiência energética. Por ser transversal, se conecta com outras áreas “techs”, como fintechs (finanças), proptech (imobiliário), agritech (agronegócio), foodtech (alimentação), energytech (energia), lawtech (jurídico), entre outras.
Por seu escopo amplo, elas contribuem diretamente para o avanço de, ao menos, seis dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU: energia limpa e acessível (ODS 7), trabalho decente e crescimento econômico (ODS 8), indústria, inovação e infraestrutura (ODS 9), cidades e comunidades sustentáveis (ODS 11), consumo e produção responsáveis (ODS 12) e ação contra a mudança global do clima (ODS 13).
Tendências para as climate techs no Brasil 2024
Ao observar o crescente interesse de investidores e também o aumento de climate techs no mundo, a Endeavor foi à campo conversar com sua rede de empreendedores e mentores e levantar dados de relatórios de consultorias para detalhar melhor o tema.
O resultado foi um documento em que elenca quatro grande macro tendências para as startups de clima: ferramentas de cálculo e processos de crédito de carbono; transição energética e eletrificação residencial; utilização de cripto e Web 3.0 em climate tech; e processos de ESG na cadeia de suprimentos.
“Quando fizemos o relatório, foi com esse olhar de entender o que está mais quente, o que faz sentido olhar no curto e médio prazos, quais os principais dentre os quatro para o Brasil”, comenta Almeida. A executiva destaca o mercado de carbono e a transição energética como as principais apostas neste momento no país.
Andressa Schneider, líder de Marketing & Insights da Endeavor, destaca ainda o setor do agronegócio como um possível polo de inovação a partir de climate techs e agritechs com visão mais sustentável.
“O agro é muito forte no Brasil e a tendência é o aparecimento de mais soluções para torná-lo mais sustentável”, afirma.
O clima e ESG apareceram inclusive em outro relatório da Endeavor focado em inovação no agronegócio. Cita como exemplo soluções para checagem de documentação fundiária, inteligência artificial e análise de dados para ganho de eficiência no uso de água e agrotóxicos, produtividade no campo, defensivos agrícolas naturais, biocombustíveis, geração de energia solar, produção de alimentos e o próprio mercado de carbono.
Cita como exemplo uma das empresas que faz parte do ecossistema da Endeavor, a Aravita, que usa inteligência artificial para reduzir o desperdício da indústria e do varejo de alimentos e, com isso, aumentar a rentabilidade das companhias.
Mobilidade e remoção de gases de efeito estufa são áreas ainda menos desenvolvidas no Brasil, mas que também têm potencial.
Conheça as tendências:
1.Mercado de carbono
A aprovação pela Câmara dos Deputados no fim de dezembro do texto que regulamento o mercado de carbono regulado no Brasil elevou as expectativas, ainda que não seja a lei final – ainda precisa passar pelo Senado e novamente pela Câmara.
Ainda que o regulado demore para sair do papel e engrenar, o voluntário já está ativo no Brasil, com empresas medindo seus inventários e buscando compensação por excesso de emissões. Empresas que ofereçam ferramentas de cálculo e processos de crédito de carbono são tendências, segundo a Endeavor.
“O processo de análise ainda é lento e custoso. Há um gargalo de certificação no Brasil para a oferta de crédito de carbono, com demora de aproximadamente dois anos para conclusão do processo”, aponta o estudo.
Além do mercado de carbono em si, o mercado de previsão climática também precisa ser aprimorado, dada sua importância para a agricultura e cadeia de suprimentos. A aproximação entre climate tech e agrotech, com tecnologias que permitam aos agricultores mensurar e reportar a pegada de carbono de suas atividades também é uma tendência.
O estudo cita o Plano de Transição Ecológica do governo e a criação de uma taxonomia verde como uma das políticas que influenciam no tema.
2.Transição energética
O Brasil, por ter um mercado de energia renovável mais desenvolvido, com quase metade da energia vinda de fontes limpas, poderá ocupar papel de destaque no mundo. Segundo Banco Mundial, a capacidade de energia solar da América Latina aumentou 35% ao ano entre 2018 e 2022, o dobro da média do restante do mundo.
“América Latina tem uma oportunidade única de reduzir a carbonização global, desde o processo de cadeias de valor renováveis até sequestro de carbono florestal”, aponta a Endeavor no relatório. Tecnologias que baixem o custo no processo distributivo também são bem-vindas, assim como as de novas fronteiras, como a do hidrogênio verde.
“À medida que os clientes buscam por economia nas contas de serviços públicos e maior sustentabilidade, se destacam as plataformas verticalmente integradas que orientam os clientes ao longo da jornada de eletrificação (instalação, financiamento, gerenciamento de incentivos, O&M)”, destaca a Endeavor.
O compromisso assinado por 10 países da América Latina, incluindo o Brasil, de ter 70% de energia renovável em suas matrizes até 2030, e o Plano de Transição Ecológica são citados como alavancas. Os governos, aponta, estão sendo mais ativos no financiamento para novas tecnologias em climate, a exemplo dos Estados Unidos (Inflation Reduction Act) e União Europeia (InvestEU Fund).
3.Utilização de cripto e Web 3.0
Tecnologias que facilitem comercialização de ativos ligados à economia verde, faça análise de dados para aumento de eficiência e produtividade, e aqueles que tragam maior transparência e verificação de questões regulatórias e legais e rastreabilidade para a cadeia têm um caminho promissor pela frente. Isso envolve, por exemplo, uso de tokens, NFTs e outras tecnologias.
“O uso de blockchain e cripto pode ser usado para facilitar o comércio de crédito de carbono, além de aprimorar o fluxo da cadeia de suprimentos. Esse processo se inicia com fornecimento de dados de produtores e distribuidores, e segue com processamento de dados na venda, finalizando com insights sobre produtos gerados para consumidores. Ou seja, Web 3.0 pode fornecer transparência à cadeia de suprimentos, reduzindo, assim, o impacto ambiental da produção e consumo”, aponta.
A própria descarbonização das empresas de tecnologia é outra fronteira, já que são intensivas em consumo de energia e emissões de carbono.
4.Processos de ESG na cadeia de suprimentos
A rastreabilidade da cadeia de suprimentos é um dos pontos críticos hoje para o setor privado. Com a exigência de inventário de emissões e due diligence de direitos humanos também da cadeia em alguns países, há um mar de oportunidades nesta área.
“Com as práticas de ESG se consolidando como instrumento estratégico dos negócios, surgem, então, oportunidades para soluções avançadas de gerenciamento de risco que podem alternar perfeitamente de fornecedores primários para secundários e otimizar estratégias de roteamento com base na volatilidade de preços, consumo de combustível, tempo de entrega e riscos potenciais da cadeia de suprimentos”, cita o relatório da Endeavor.
É outra área que cruza com o agronegócio, uma vez que agricultura e pecuária são importantes fontes de emissões… leia mais em Valor Econômico 10/01/2024