Há duas maneiras de encarar o resultado do leilão de concessão de 15 aeroportos brasileiros à iniciativa privada, realizado na sexta-feira (19). Os entusiastas do processo vão celebrar um enorme sucesso. Foram arrecadados R$ 2,72 bilhões, com um ágio de cerca de 230% em relação à proposta original. O críticos da iniciativa (ou da privatização em geral, ou do governo que a realizou em particular) vão apontar problemas. Entre eles, a ausência de participantes tradicionais na transferência de ativos de infraestrutura à iniciativa privada. E, eventualmente, externar ressalvas à compradora da concessão de Congonhas, a empresa espanhola Aena, que opera seis aeroportos na região Nordeste desde 2019 e que, desde então, tem recebido críticas à sua atuação.

No entanto, olhando-se o copo meio cheio ou meio vazio, há um fato inegável. Nem a desaceleração da economia global nem os solavancos que tornam o Brasil inadequado para principiantes conseguem fazer com que a infraestrutura brasileira deixe de ser atraente para os investidores. Infraestrutura não é um negócio para todos, especialmente por aqui. É preciso ter paciência, dinheiro abundante e disposição para enfrentar as jabuticabas brasileiras. Mesmo assim, é possível prever que parte dos R$ 72,5 bilhões em investimentos necessários até 2050 será obtido por meio de concessões.

O resultado do leilão foi irregular. A Aena arrematou o bloco que atraiu mais interesse: o que inclui os aeroportos de Congonhas, em São Paulo, o segundo mais importante do País. Além dele, terminais em Minas Gerais, no Mato Grosso e no Pará. O valor oferecido foi R$ 2,45 bilhões, o que significou ágio de 231,02% sobre o valor de referência estabelecido em edital. Após o certame, a diretora internacional da Aena, Maria Rubio, afirmou que a empresa captou uma janela de oportunidade para ampliar seus negócios no Brasil. Segundo ela, a gestão do aeroporto pelos próximos 30 anos faz parte do plano de desenvolvimento da empresa, que opera 46 terminais na Espanha. “Queremos contribuir para o desenvolvimento aeroportuário do Brasil. O país é parte muito importante da nossa visão estratégica de expansão internacional”, disse a executiva espanhola.

A nova rota das concessões

O bloco formado pelos aeroportos de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, e pelo Campo de Marte, em São Paulo, foi arrematado por um fundo de investimentos em infraestrutura gerido pela XP, o XP Infra IV FIP. Ao contrário do bloco anterior, a venda ocorreu sem ágio. O grupo foi o único interessado nesse lote e foi o vencedor pela oferta mínima de R$ 141,4 milhões. Segundo o diretor de infraestrutura da XP Asset, Túlio Machado, “o ágio foi baixo, a relação entre risco e retorno é interessante.” Para o executivo, há muitas oportunidades de melhoria dos resultados, seja pela redução de custos com a revisão de contratos, seja com receitas imobiliárias. “O movimento no Campo de Marte deve aumentar bastante, pois ele vai passar a receber os voos de aviação executiva que hoje pousam e decolam em Congonhas, e há muitas oportunidades de expansão imobiliária”, disse ele.

“O movimento no Campo de Marte deve subir muito, pois o terminal receberá os voos executivos que hoje passam por Congonhas” Túlio Machado Diretor de infraestrutura da XP Asset.

Sucesso ou fracasso, oportunidade ou problema, o fato é que o interesse do capital privado nas concessões brasileiras deve seguir forte. Isso é a resposta do mercado a um processo de concessão mais claro e menos arriscado. Não foi rápido. Ao contrário, essa depuração levou vários governos e foi conseguida por meio de muitas tentativas e erros. As imprecisões que afugentavam investidores, em especial os internacionais, já eram apontadas desde 2015 pela International Finance Corporation (IFC). A mais relevante delas envolvia o conflito de interesse da empresa que formula o projeto de concessão com os participantes da venda. Muitas vezes, quem desenhava o processo era ligado a possíveis interessados, o que eleva muito a probabilidade de tornar o resultado desfavorável aos demais candidatos e também aos usuários. A partir do governo Temer a executora do plano passa a ter necessidade de comprovar que não tem ligação com potenciais interessados no leilão.

Outro aperfeiçoamento importante de inflexão foi a simplificação do processo. Mais uma das jabuticabas brasileiras: até 2015, os documentos eram físicos e por vezes nem tinham versões em inglês, o que afastava os investidores. Agora, boa parte do processo é digital e há versões em várias línguas. O licenciamento ambiental também gerava insegurança jurídica pois, para acelerar o processo, muitas concessões eram feitas antes de as licenças serem liberadas. Desde 2019, na gestão Bolsonaro, houve uma redução considerável no número de exigências e a obrigação de os documentos ambientais saírem antes da assinatura do contrato.

Finalmente, o principal entrave, a rentabilidade para o investidor, foi equacionado. Até 2018 as remunerações se davam com base em estimativas futuras. Ou seja, projeções de demanda pelo serviço, que eram estipuladas no projeto de viabilidade e colocavam várias incógnitas no processo. Agora, a remuneração a ser paga ao governo acompanha a demanda no momento presente, e é revisada em função de variações, para cima ou para baixo. Isso anula os riscos de erros de estimativa que resultaram na devolução de várias concessões, como a do aeroporto de Viracopos, em Campinas, interior de São Paulo.

Tudo isso facilita a vinda dos investidores. Segundo o gerente de negócios da gestora Jive Investments, Luiz Homero Distrutti, a entrada de participantes como a XP, em geral associada a investimentos mais líquidos como fundos e ações, é incomum por aqui, mas usual lá fora. “Muitos gestores, especialmente os que administram recursos de investidores institucionais, como fundos de pensão, têm obrigações vinculadas à inflação”, disse ele. “São compromissos de longo prazo, como aposentadorias, e para honrá-los faz muito sentido investir em concessões.” Segundo Distrutti, como esses investimentos são pensados em décadas, eventuais turbulências eleitorais têm menos relevância na tomada de decisões. E, para ele, o campo é imenso e vai além de áreas glamurosas como aeroportos, portos e rodovias. “Há 100 milhões de brasileiros sem acesso a saneamento básico, sem falar nas necessidades da tecnologia”, disse Distrutti.

ELEIÇÃO PRESIDENCIAL Se o modelo para as concessões finalmente parece ter sido apurado, os principais candidatos à Presidência devem dar sequência ao trabalho, ainda que com pequenas alterações. O candidato pelo PT, Luiz Inácio Lula da Silva tem apontado o desenvolvimento da infraestrutura como motor da retomada econômica. O plano inicialmente envolve capitalizar as empresas públicas de infraestrutura, como Valec e DNIT, para agilizar as concessões. O responsável pelo plano de campanha, o ex-ministro Aloizio Mercadante, disse à DINHEIRO que o programa envolve avaliar o que foi feito até aqui e utilizar métricas vencedoras de todos os governos anteriores. Também haverá um reforço no time para desatar nós envolvendo repactuação de contratos, relicitações e devolução de concessões anteriores.

Se for reconduzido ao cargo, Bolsonaro garante a continuidade do atual projeto, com ampliação das concessões portuárias, início das ferroviárias e incremento do modelo também para rios e portos secos. Em estudo estão as privatizações de estatais como os Correios, a Serpro, os bancos públicos, a Casa da Moeda e outros ativos. Em qualquer dos casos, à parte as retóricas pró ou contra mercado, haverá interessados nesses processos… leia mais em Isto é Dinheiro 26/08/2022