O grupo canadense Constellation Software comprou a Contmatic, uma das maiores empresas brasileiras no nicho de software para escritórios contábeis.

O negócio foi revelado pelo fundador da Contmatic, Sérgio Contente, em um post no Facebook e um vídeo publicado no Youtube.

“Oportunidade para vender a empresa, oferta mirabolantes, eu tenho desde 2012. Mas a Constellation veio como uma oferta diferente, para fazer a empresa crescer, e não sugar a gente e levar o dinheiro para fora”, afirma Contente no vídeo.

A Contmatic é líder na sua área em São Paulo e uma das cinco maiores do país, com 100 mil usuários em 30 mil empresas e 450 colaboradores.

Já a Constellation é uma empresa canandense cujo modelo de negócio é adquirir companhias de software de nicho, visando ter ganho de escala concentrando atividades meio e promovendo vendas cruzadas.

Desde os anos 90, a companhia já fez mais de 500 aquisições pelo mundo e tem uma receita de US$ 4,81 bilhões. O modelo de negócio tem agora um representante brasileiro: a Nuvini fez seis compras em seis meses no ano passado.Contamatic

No Brasil, a Constellation começou a fazer aquisições em 2019, parecendo apostar em empresas com um perfil comum de expertise nas particularidades jurídicas e tributárias do país.

Leia mais sobre aquisições da Constellation no Brasil no Portal de Fusões & Aquisições 

As compras conhecidas até agora (todas divulgadas pelas adquiridas, então é possível que existam mais) incluem a Kurier e a Aurum, uma companhia pernambucana e outra catarinense, ambas focadas em software jurídico; a Apdata, uma empresa de soluções de gestão de recursos humanos e a Escriba, empresa paranaense de software especializada em sistemas para a área notarial e registral.

Pelo menos em número de clientes e usuários, a Contmatic é de longe a maior aquisição até agora.

Contente é conhecido pelo seu relacionamento próximo com os clientes (o empresário interage com 7 mil deles nos seus dois perfis do Facebook) parece ter falado sobre o negócio principalmente para tranquilizar os usuários.

“Sei que empresas não deram certo quando os gringos chegaram. As pessoas viraram as costas e deixaram as coisas rolar. Eu não vou virar as costas para vocês nunca”, afirma Contente no vídeo.

Contente é um sujeito franco, como mostra essa aparição em uma audiência pública sobre o eSocial em Brasília em 2019, na qual algumas verdades foram ditas para técnicos da Receita Federal).

O vídeo do fundador da Contmatic está fazendo uma menção indireta (bom, nem tão indireta assim) aos grandes negócios no mercado de software para escritórios de contabilidade brasileiro na última década, muitos dos quais deram errado, gerando reviravoltas posteriores.

Um exemplo é a Prosoft, comprada pela multinacional Wolter Kluwers em 2013.

Carlos Meni, empresário que fundou a Prosoft em 1985, passou a liderar a nova Wolters Kluwer Plusoft no Brasil, até ser substituído em 2016 por um executivo de mercado, com passagens por grandes empresas.

No ano passado, Wolters Kluwer passou a Prosoft adiante, vendendo a empresa para a Alterdata, outra grande do setor, sediada no Rio de Janeiro (a Wolters Kluwer tem uma participação minoritária no novo negócio).

A trajetória da Wolters Kluwer no mercado de sistemas para contadores no Brasil segue quase passo a passo à da Sage, uma multinacional britânica que fez uma aposta similar ao comprar 75% paulista Folhamatic em 2012 por R$ 400 milhões.

Depois, a Sage gastou algo próximo a R$ 50 milhões para adquirir as paranaenses Empresa Brasileira de Sistemas (EBS), sediada em Curitiba, e Cenize Informática, de São José dos Pinhais.

Em 2020, a Sage decidiu passar os negócios adiante, alegando problemas de compactibilidade tecnológica. Jorge Carneiro, um executivo de carreira da própria empresa comprou as três empresas, pagando £ 1 milhão à vista, e outros £ 9 milhões em um prazo e condições não reveladas. Uma barbada.

Nem todas as grandes deram para trás, no entanto. A Thomson Reuters, por exemplo, comprou e mantém uma dezena de empresas no Brasil, incluindo aí a Domínio, companhia catarinense que está entre as grandes no segmento de escritórios de contabilidade.

De acordo com dados do Conselho Nacional de Contabilidade, existem no Brasil 491 mil profissionais registrados e 82 mil escritórios ativos.

É um mercado grande, atendido em grande parte por players de nicho na ativa desde os anos 80 com os quais os clientes tem muita identificação.

Nos últimos tempos, novos players nacionais como a ContaAzul, de Joinville, também estão assediando os contadores, visando convertê-los em parceiros na venda de sistemas de gestão na nuvem para pequenas empresas, recebendo para isso muito dinheiro de fundos de investimento.

O grupo de novos players, aliás, recebeu recentemente o reforço Maurício Frizzarin, fundador da Folhamatic, que criou uma nova companhia focada no setor, a Qyon Tecnologia, com planos de investir R$ 100 milhões até o final de 2021.

Outra novidade é a Totvs, de longe o maior player brasileiro de ERP, acaba de montar a Eleve, uma nova divisão voltada para competir no mercado de sistema de gestão na nuvem para pequenas empresas, com um canal de vendas baseado em contadores.

A Totvs está indo com força atrás dos contadores, oferecendo uma comissão de até 50% aos profissionais que venderem assinatura de seu sistema aos seus clientes, uma porcentagem que a empresa promete manter para sempre, o que é um ataque direto ao modelo de negócios da ContaAzul, de usar os contadores como porta para o mercado geral.

Software de gestão contábil, quem diria, é um campo cheio de emoções. Leia mais em Baguete 10/02/2022