Agência reguladora deverá usar índice que aponta falhas no fornecimento como componente do cálculo da tarifa

Após um período repleto de problemas no fornecimento de energia, está próximo do fim um processo de discussão na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que deverá resultar na incorporação da qualidade da oferta de luz no cálculo das tarifas.

Pelo modelo em debate final, deverá ser introduzido o chamado “Xq” no cálculo das tarifas. Esse fator vai levar em conta o número e a duração das interrupções de fornecimento das distribuidoras. Com o “Xq”, se a distribuidora estiver melhorando a qualidade do fornecimento ano após ano, a tarifa poderá subir um pouco mais. Se estiver piorando, a tarifa vai ficar menor.

A agência reguladora é a responsável por definir a tarifa cobrada pelas distribuidoras de energia e, por consequência, indicar os volumes de investimento em qualidade. Se as empresas deixam de investir esses recursos em manutenção do sistema para usá-lo para outros fins, porém, a Aneel não tem poder para controlar, explica Romeu Rufino, diretor da agência reguladora e responsável pelos assuntos relacionados à qualidade.

Reclamações são crescentes

No entanto, segundo Rufino, a agência tem recebido sinais do mercado, principalmente de consumidores, de que há problemas de qualidade no fornecimento. Nos últimos anos, o número de quedas de energia tem crescido nos principais centros urbanos do país, principalmente Rio, São Paulo e Brasília.

Nos últimos dois meses, apagões de grandes proporções – e por variados motivos – ocorreram em grandes regiões. Ao longo do ano, o iG registrou ruas de São Paulo no escuro, um grande apagão no Nordeste, a falta de energia em sete bairros do Rio e até um blecaute na própria Aneel, que naquele dia teve de dispensar os seus funcionários mais cedo.

De 2007 até 2010, o número médio de horas sem luz do consumidor brasileiro subiu de 16 horas por ano a 20 horas. Também cresceu o número de interrupções no serviço. Segundo Rufino, o problema hoje é muito diferente daquele de 2001, quando faltava energia de fato, com geração restrita. Agora, o problema maior está na transmissão da energia em alta voltagem e na distribuição até a residência.

Como a Aneel tem a missão de balancear a menor tarifa possível para custear a maior qualidade possível do sistema, no próximo ciclo de revisão tarifária, a agência tende a ter mais atenção com o fornecimento. “Como sempre, temos um olho na modicidade tarifária e outro na qualidade, mas agora, esse olho da qualidade está mais aberto, mais arregalado”, diz Rufino. A qualidade “vai virar uma componente e vai impactar a tarifa”, acrescenta.

“Hoje eu tenho convicção de que os sinais que nós, reguladores, recebemos indicam ‘cuide da qualidade’”. No processo de revisão tarifária certamente estaremos pensando nisso, diz. Além da mudança do cálculo da tarifa, Rufino acrescenta que o processo de monitoramento e fiscalização dos sistemas das empresas do setor elétrico está sendo refinado para assumir um foco mais preventivo e orientativo e menos no punitivo.

Distribuidoras já compensam prejuízos

Uma medida tomada a partir do ano passado já aliviou, em partes, o prejuízo dos consumidores das distribuidoras que mais têm problemas no fornecimento. Em 2010, R$ 360 milhões foram devolvidos aos consumidores nas contas pelas distribuidoras porque os limites máximos de número de interrupções no fornecimento e horas sem luz superou os limites permitidos pela Aneel. A maior parte desse total foi paga nas regiões Norte e Sudeste.

A medida foi tomada com a intenção de compensar financeiramente quase 95 mil consumidores pela falta de energia, o que dá menos de R$ 4 por unidade. “As compensações são interessantes, mas certamente os consumidores gostariam mais de não recebê-la, porque seria sinal de que o serviço foi prestado de maneira adequada”, diz Rufino. Para o consumidor, esses valores podem não ser tão relevantes, mas para a distribuidora trata-se de sanções pesadas, acrescenta.

Empresas discordam da nova conta

Observadores do setor elétrico criticam o que chamam de paradoxo de degradação do nível de distribuição de energia no país com o elevado grau de pagamento de dividendos das empresas do setor elétrico aos seus acionistas. Segundo Rufino, não pode haver controle da agência sobre os rendimentos de quem investe no setor, mas o fator Xq é uma sinalização no sentido de que as empresas não devem comprometer os investimentos necessários para remunerar seus sócios.

Para as distribuidoras, porém, a criação do fator Xq é uma penalidade dobrada às empresas uma vez que a compensação aos usuários também se refere ao mesmo problema de falta de qualidade mínima. “Entendemos que, se a compensação permanecer, seria uma dupla penalização para uma mesma questão”, diz Nelson Fonseca Leite, presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee).

Ainda segundo Leite, também a previsão de que o desempenho passado da distribuidora afete a receita futura seria ilegal, segundo os contratos de concessão dessas empresas.

Fonte:iG12/08/2011