Nos últimos três meses, o mineiro Tulio Gomes, fundador da TBG Investimentos, analisou 221 empresas de pequeno e médio porte. Ele pode passar mais um ano apenas peneirando, financiado por investidores, até encontrar uma companhia específica: com receita estável, margem Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) de 15%, geração de caixa anual entre R$ 5 milhões e R$ 20 milhões e potencial de crescimento. Se tudo der certo, em 2019 ele será o presidente de uma empresa brasileira.

A história de Gomes e da TBG Investimentos faz parte de um pequeno segmento financeiro no país, mas em crescimento. Trata-se dos “fundos de busca”, veículos inexistentes há cinco anos e que hoje contam com pelo menos sete gestoras no país. “O fundo é para quem quer empreender, à frente da gestão de uma empresa, mas eliminando o risco de uma startup, que nasce de uma ideia”, diz.

Os fundos de busca nasceram na escola de negócios da Universidade Stanford, nos Estados Unidos. Com uma série de alunos com currículos acadêmicos estrelados, boa experiência profissional e interessados em empreender, os professores começaram a financiá-los, ainda na década de 1980 – anos depois, o tema virou disciplina nas faculdades de negócios, propagados especialmente em Stanford e Harvard, onde Gomes estudou. Nos EUA, já foram levantados 258 fundos desse tipo. Em média, os empreendedores têm 32 anos.

Um potencial empreendedor capta recursos de investidores para financiar seus gastos diários com moradia, viagens, auditorias, até encontrar a empresa ideal. Isso leva, em média, dois anos.

Identificado o alvo, o empreendedor levanta um segundo fundo para a aquisição – os investidores do primeiro fundo têm preferência, mas, se não gostarem da escolha, não aportam novo capital. O objetivo é fazer a empresa crescer, entrar em novos mercados ou serviços e, normalmente, vendê-la anos depois.

Professor de Stanford, Peter Kelly criou o terceiro fundo de busca do mundo e ensina o tema desde a primeira turma nos EUA, em 2009, e no primeiro curso internacional, em Barcelona. Kelly já investiu em 15 fundos de alunos, incluindo dois no Brasil. “Hoje tem mais gente fazendo e entendendo fundos de busca. Históricos de sucesso ajudam a promover o modelo”, diz Kelly.

A maior referência dos empreendedores é a americana Asurion. Ela foi encontrada e adquirida por US$ 8 milhões, em 1995, por um fundo de busca dos americanos Jim Ellis e Kevin Taweel.

Chamava-se, à época, Road Rescue e prestava serviço de assistência rodoviária, com receita de US$ 6 milhões. A dupla a transformou em uma companhia de seguros e garantia estendida de aparelhos eletrônicos, com o novo nome. Em 14 anos, pagaram 100 vezes o capital investido para os investidores que queriam realizar o lucro. A Asurion nunca foi vendida. Taweel é o presidente e Ellis está no conselho. A empresa fatura US$ 6,2 bilhões.

É um ponto fora da curva. Em média, segundo estudo de Stanford, os fundos de busca dão retorno de 8 vezes o capital investido – uma taxa interna de retorno de 36%, ante média de 17% de fundos de private equity americanos. Não há, ainda, uma medida de rentabilidade de fundos fora dos Estados Unidos.

Dos sete fundos de busca brasileiros, três já adquiriram uma empresa.
Serviços de saúde, educação e logística estão entre os alvos principais. A carioca Meissa Capital, uma das gestoras em que Peter Kelly investiu, comprou a Sullab Diagnósticos em fevereiro, após mais de dois anos de procura. A Sullab desenvolve técnicas, equipamentos e automação para laboratórios. As outras gestoras são a Colibri, que adquiriu o Fleming, curso de pré-vestibular para medicina, e a Taqia Capital, que comprou a IS Logística, ambas aquisições do ano passado.

Os fundos têm vários investidores em comum. “Faz parte do conceito do ‘search fund’ retribuir o que você conquistou”, diz José Stella, co-fundador da QMC Telecom. Stella e o sócio Rafael Somoza trabalharam juntos em Porto Rico, quando foram fazer cursos de pós-graduação nos Estados Unidos e resolveram levantar um fundo de busca. “O Rafael foi quem ouviu falar disso e me convenceu. Basicamente a ideia era não ter que esperar ter mais de 40 anos de idade para sermos empresários”, conta Stella.

Com uma empresa de outdoors, entregaram taxa de retorno de 55% aos cotistas. Desde então, investiram em mais de 40 fundos de busca, sendo seis brasileiros. “O empreendedor tem que ter um objetivo além do financeiro.

Identificamos os jovens que são comprometidos, com histórico de trabalho e acadêmico positivos e gostamos de ver os antigos chefes investindo neles”, explica. A experiência como empreendedor também serviu para que os dois fundassem a própria empresa, a QMC Telecom, hoje com atuação em quatro países. “A QMC não nasceu de um fundo de busca, mas nossa experiência foi determinante”, diz Stella.

O processo de busca e investimento costuma ser interativo, por isso os empreendedores também são cuidadosos ao escolher seus cotistas.

“Discutimos o modelo de negócio, a avaliação de preço, há muita troca já que os investidores têm experiência”, diz Oswaldo Garcia, fundador da Garos Capital. A Garos captou um fundo há nove meses, já teve contato com mais de 400 empresas e avançou para propostas com três.

O desafio principal é gerir a empresa, mas encontrá-la é o primeiro obstáculo. Nos Estados Unidos, 18% dos fundos já levantados não acharam uma empresa. “Até agora, isso não aconteceu no Brasil, mas vai acontecer. E tudo bem”, diz Ashley Giesler, sócia da Anacapa, gestora americana de private equity que investe em fundos de busca. “Se fizeram um trabalho sério, essas pessoas continuam tendo uma ótima carreira, vão trabalhar com os investidores ou criam uma empresa. É melhor do que comprar a empresa errada”, diz a investidora.

A Anacapa já investiu em 141 fundos de busca no mundo, sendo cinco no Brasil. “Quanto mais aprendemos sobre o país, mais acreditamos na expansão do modelo. O percentual de empresas familiares pequenas e sem plano de sucessão é muito grande e esse é um alvo natural para fundos de busca”, diz Ashley. Segundo a consultoria Deloitte, das 200 empresas pequenas e médias que mais crescem no país, 75% são familiares, 78% não tem plano de sucessão e 54% não tem plano de negócios.  Valor Econômico Leia mais em portal.newsnet 08/05/2018