Podemos nos atrair por casos de crescimento. Não há o menor problema nisso. Mas que haja alguma substância. E, acima de tudo, que cometamos erros novos

Talvez minha maior dúvida como chefe de uma equipe de quase 40 analistas seja “o que é mais difícil: ensinar truques novos a cães velhos ou truques velhos a cães novos?”. Breve esclarecimento: uso a palavra “chefe” apenas na ausência de outra melhor, por essa ser a representação formal do organograma. Não os tenho necessariamente numa posição de hierarquia vertical. Mais aprendo com eles do que os ensino.

Entendo que a experiência conte muito para o investidor. Assim como na vida, somente a exposição a situações práticas pode treinar sua intuição, que nada mais é do que a capacidade de se reconhecer certos padrões de forma tácita e por vezes não estruturada, e criar um certo ceticismo, talvez até algum desconforto, por supostas situações encantadoras.

Com os vários erros cometidos e machucados conquistados ao longo da caminhada, criamos uma certa casca, alguma desilusão que nos faz perder certo ímpeto inocente e nos devolve de novo ao chão, sem que nos descolemos perdidos em falsas esperanças. E aqui é esse mesmo o termo, porque machucados são conquistas. O acúmulo de situações adversas que nos mostra literalmente na pele a possibilidade de as coisas darem errado. Triste o homem (ou a mulher, ou o gênero que a pessoa quiser se atribuir) que não tem cicatrizes e machucados. O importante é que emoções eu vivi.

Para o neófito, por definição o novo é fonte de paixão. E a paixão lhe tira a racionalidade. Encanta-se facilmente com uma promessa revolucionária. Os velhos costumam ser mais conservadores, justamente porque não acreditam em promessas de futuro sem concretude ou materialidade. Para impormos o novo sobre o velho, havemos de encontrar substância na proposta e referendá-la em coisas tangíveis. A Revolução Francesa será ótima, até que desemboque no Período de Terror. Daí a preferência por reformas às revoluções.

Não me surpreendo com o novo investidor atraído pelas promessas de trading de seu influenciador favorito, tampouco pelo IPO que chega à praça. Empresa de alto crescimento, que fará a próxima disrupção, addressable market gigante, empreendedor visionário, tech, superapp, cloud computing, machine learning, inteligência artificial. Palavras bonitas reunidas muitas vezes em acrônimos pomposos para justificar um powerpoint. Sim, pasmem! Voltamos a comprar powerpoints.

O que me espanta, de fato, é investidores antigos ainda se atraírem por esse tipo de coisa. São institucionais, atraídos também por falsas promessas. Não são argumentos bonitos. São por vezes mentiras mesmo. Ou, como já ouvi de certos heróis empreendedores: “não estamos mentindo, estamos antecipando a verdade”, justificando — para si mesmos, claro, não para os outros — por que falavam ao mercado um número superior de captação num respectivo mês frente ao efetivamente apurado. Uma moral um pouco elástica, para dizer o mínimo.

Estamos cometendo rigorosamente o mesmo erro. Não aprendemos nada. Parecemos estar diante do clássico princípio da contraindução de Mário Henrique Simonsen. “Uma experiência que dá errado inúmeras vezes deve ser repetida até que dê certo.”

“IPO do brechó online Enjoei pode movimentar até R$ 1,8 bilhão”

Agora, a imagem, que, sabemos, vale mais do que mil palavras:.. Leia mais em seudinheiro 20/10/2020