A nova administração do Cade enfrentou desafios nascidos no período da epidemia de covid-19 e, mais recentemente, na retomada das atividades presenciais. Alexandre Cordeiro Macedo, que atuava como superintendente-geral do conselho, foi indicado pelo presidente da República e aprovado pelo Senado para liderar o órgão ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública responsável por zelar pela livre concorrência no mercado brasileiro. Exerce o cargo desde julho de 2021.

Uma das primeiras grandes preocupações do Cade sob a presidência de Cordeiro foi a venda da empresa de telecomunicações Oi Móvel às três gigantes da área, Telefônica Brasil/Vivo, Claro e TIM. Poucos dias após a posse oficial de Cordeiro, um parecer elaborado pelo seu gabinete da Superintendência-Geral foi submetido à apreciação do Tribunal Administrativo, recomendando que o negócio fosse aprovado com a adoção de remédios negociados que mitiguem riscos concorrenciais, como garantir que o acesso às redes móveis em atacado seja feito por meio de acordos de RAN sharing (compartilhamento de rede), aluguel de espectro de radiofrequência, contratos de roaming nacional e pacotes de dados para outras operadoras virtuais. Essas medidas foram negociadas entre as partes em um acordo de controle de concorrência (ACC).

Em fevereiro de 2022, o tribunal aprovou a venda, apesar da recomendação em contrário feita pelo Ministério Público Federal. Para o MP, além de a operação ser prejudicial ao mercado, o consórcio formado pelas teles para comprar a concorrente seria ilegal, já que o Cade não foi notificado com antecedência. O conselheiro Luis Braido, relator do caso, votou contra a aprovação, e foi acompanhado por Sérgio Ravagnani e Paula Farani. Lenisa Prado abriu a divergência a favor da venda, e foi acompanhada por Luiz Hoffmann e Alexandre Cordeiro.

Mercado de aquisições e fusões aquecido
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Apesar do empate, o voto de Cordeiro como presidente do órgão teve mais peso e a aprovação foi finalizada, com as ressalvas informadas pelo relatório da Superintendência-Geral. O valor da venda foi R$ 16,5 bilhões.

O voto do presidente do Cade e do Tribunal Administrativo não foi surpresa. Meses antes, quando seu nome havia sido escolhido pelo presidente da República, ele opinou que “alguns mercados trabalham melhor com três do que com seis empresas e o mais importante não é o tamanho, mas a rivalidade entre elas”. Com este posicionamento, ainda como superintendente-geral, Cordeiro foi parte do processo que avaliou o crescimento de 33% nas aquisições no primeiro semestre de 2021 em relação ao mesmo período do ano anterior e não encontrou nenhuma conduta anticompetitiva.

O crescimento se deu, principalmente, diante das movimentações no mercado das grandes empresas de varejo e de comércio digital, que compraram outras empresas ou se fundiram para limitar a concorrência, mas também para suplementar os serviços que poderiam oferecer durante a epidemia de covid-19 a um público majoritariamente mantido em casa pelo distanciamento social.

Em 2021, 627 empresas foram notificadas pelo Cade na sua atividade de controle de estruturas que limita o crescimento das empresas para que não venham a ferir a livre concorrência. Nas ações de controle de conduta, que visam a corrigir ou coibir atos que possam ferir a livre concorrência, o tribunal julgou 25 processos administrativos, celebrou cinco acordos de leniência e homologou nove termos de compromisso de cessação, envolvendo R$ 1,3 bilhão em multas aplicadas.

Esse valor representa um crescimento de 930% em relação ao total em multas aplicadas no ano anterior, um aumento expressivo mesmo se considerarmos que houve uma queda em 2020. Os valores das multas daquele ano representaram apenas 18% dos de 2019.

São processos deste segundo tipo que foram abertos contra a Petrobras. Em maio de 2022, havia três processos administrativos abertos no Cade contra a empresa por abuso da sua posição dominante; dois abertos em janeiro e um aberto em maio. Todos são sobre a precificação de combustíveis e gás de cozinha.

A direção do Cade vê com preocupação a continuidade da dominância da empresa, uma vez que ela foi detentora de monopólio no setor de petróleo e derivados no Brasil por mais de quatro décadas e, apesar de haver bastante competição na exploração do petróleo bruto, é praticamente a única na área de refino do combustível. O processo mais recente trata exatamente deste setor, com uma acusação de que a Petrobras estaria vendendo combustível mais caro a uma refinaria privada na Bahia.

Para Alexandre Cordeiro, nestes casos a conduta unilateral da empresa com domínio do mercado pode causar mais danos do que a formação de cartéis. Segundo a jurisprudência do Cade, conduta unilateral designa o ato de um único agente econômico que, por deter uma parcela significativa de um setor econômico, pode afetar todo o mercado, prejudicando a concorrência.

Em dezembro de 2021, o atual presidente do órgão defendeu a necessidade de criação de um cargo de coordenador que seja responsável pela área de atos unilaterais, para que se tenha a quem cobrar e recorrer nestes casos.

Embora o governo federal tenha tratado os processos contra a Petrobras como uma oportunidade de mudar a política de preços da empresa e controlar a alta dos preços, que dispararam no início de 2022, sem parecer uma interferência direta, tanto Alexandre Cordeiro como o atual superintendente do órgão, Alexandre Barreto, negam que isso seja uma possibilidade. Para Cordeiro, não é papel do Cade controlar preços “e não temos a pretensão de voltar à década de 80. O que o Cade controla é a concorrência, inibindo o abuso de posição dominante”.

Para Barreto, que ocupou a presidência do Cade entre 2017 e 2021, é impossível que qualquer mudança na política de preços dos combustíveis ocorra no curto prazo a partir das investigações e dos processos conduzidos no momento. Ele classificou como desinformação as afirmações de que um parecer da Superintendência- -Geral estivesse sendo elaborado para levar a Petrobras a rever suas práticas e que isso levaria a uma redução de 15% no preço nas bombas de combustível.

Uma das principais decisões do órgão durante a administração de Barreto em 2021 foi a condenação do chamado Cartel das Merendas ao pagamento de mais de R$ 340 milhões em multas. Sete empresas e sete pessoas físicas foram consideradas culpadas de formação de cartel na contratação de serviços terceirizados de fornecimento de alimentos a escolas municipais no estado de São Paulo.

Em outra atuação envolvendo o sistema educacional paulista, seis empresas e 12 pessoas também foram condenadas por formar cartel, desta vez em licitações para fornecimento de material escolar e uniformes para alunos da rede pública de ensino. Este cartel agia também no Rio de Janeiro, em Santa Catarina e em Goiás. As multas aplicadas pelo Cade ultrapassaram R$ 97,4 milhões.

Apesar das suas prerrogativas, o Cade ainda pode ter suas decisões questionadas no Judiciário. No entanto, a tendência é de concordância com o órgão de defesa econômica. Em 2021, mais de 57% dos casos judicializados foram decididos no sentido de confirmar os entendimentos do órgão, de acordo com dados do próprio Cade.

Foi o que ocorreu quando a 5ª Vara Criminal Federal de São Paulo absolveu o ex-secretário municipal de Infraestrutura e Obras de São Paulo Marcelo Cardinale Branco da acusação de ter participado de um suposto cartel nas obras viárias do Rodoanel e do Sistema Viário Metropolitano de São Paulo. A análise do acordo de leniência firmado pela Odebrecht junto ao Cade feito no julgamento não apresentou nenhuma referência específi ca sobre a sua participação no processo de fraude nas licitações, o que contribuiu para a absolvição.

Outra decisão importante e recente do Cade envolveu a compra do grupo Big pelo grupo Carrefour. Com a compra, o Carrefour adquire as 388 lojas de diversas marcas do Big, que passarão a ter a marca Atacadão, tornando-se o maior do varejo no país, com 722 lojas. Em 2020, o faturamento do grupo foi de R$ 74,8 bilhões. O Big foi o sexto maior varejista do país naquele ano, com faturamento de R$ 25,2 bilhões.

Com a aprovação do Cade, as operações combinadas terão mais de mil pontos de venda. O segundo maior varejista do país, o grupo Pão de Açúcar, conta com mais de 800 lojas. A operação foi anunciada em março de 2021 por R$ 7,5 bilhões. Seguindo recomendação da Superintendência-Geral, o Tribunal Administrativo determinou o desinvestimento de uma série de lojas, que representam menos de 10% das adquiridas pelo Carrefour, como remédio à concentração que poderia trazer danos à concorrência no setor.

Outra modalidade negocial comumente analisada pelo Cade são as fusões. O destaque dos últimos anos tem sido das empresas aéreas, como foi a fusão da Azul com a Trip. Juntamente com a compra da WebJet pela Gol, a operação, com o aval do Cade, resultou em aumento do número de assentos e redução de preço das passagens nas rotas atendidas pelas companhias, de acordo com relatório do Departamento de Estudos Econômicos do órgão de defesa econômica.

A fusão mais recente a movimentar grandes valores foi a da Unidas com a Localiza, ambas do setor de aluguel e gestão de frota de veículos. A Localiza era a maior empresa do mercado e a Unidas, a segunda maior. A fusão foi decidida com voto privilegiado do presidente Alexandre Cordeiro, que votou a favor da operação, com remédios para manter a participação da Localiza no mercado abaixo de 50%. A transação movimentou cerca de R$ 12 bilhões.

O Departamento de Estudos Econômicos é liderado pelo economista-chefe Guilherme Mendes Resende. O cargo não possui mandato fixo e a nomeação é feita por acordo entre o presidente e o superintendente-geral do órgão. A principal função do departamento é produzir cadernos e documentos que fomentem o debate de temas ligados à política de defesa da concorrência.

Em 2021, as principais publicações foram Mercado de Plataformas Digitais, que apresenta a jurisprudência do Cade na área, e Mercado da Saúde Suplementar: Condutas, uma revisão atualizada de estudo publicado em 2015 com os posicionamentos do órgão. Esses estudos servem como guias de atuação para as empresas e como análise técnica dos limites a serem impostos pelo Judiciário.

Diferentemente do economista-chefe, os conselheiros e o presidente têm mandato fixo de quatro anos e não podem ser reconduzidos. O superintendente-geral tem mandato de dois anos e pode ser reconduzido uma vez. Com o fim de seus mandatos, Maurício Oscar Bandeira Maia e Paula Farani de Azevedo Silveira deixaram o órgão em 2021. Foram substituídos, em 2022, pelo procurador-geral federal Gustavo Augusto Freitas de Lima e por Victor Oliveira Fernandes, ex-chefe de gabinete do ministro Gilmar Mendes, do STF, que foi nomeado em maio… leia mais em Conjur 17/07/2022