Bruno Ferrari só se prepara para dormir após responder vários e-mails madrugada adentro. Não mais de cinco horas depois, o presidente do grupo Oncoclínicas está de volta à rotina de trabalho. Às segundas-feiras, o dia começa cedo no consultório em Belo Horizonte, onde acompanha o tratamento de seus pacientes. A agenda do resto da semana se divide entre reuniões de negócios nas capitais mineira e paulista — ou onde mais for chamado. Em breve, o oncologista trocará de vez o jaleco pelo blazer para se dedicar exclusivamente à expansão da empresa que fundou há 11 anos. A saída vem sendo planejada há algum tempo, mas significa abandonar uma de suas paixões: o dia a dia na medicina. “Reduzir a prática clínica me angustia, mas ao menos estarei dedicado a ampliar o tratamento do câncer no País”, disse em entrevista à DINHEIRO.

Ao lado do fundo de private equity do Goldman Sachs, acionista majoritário da companhia, Ferrari quer fortalecer a Oncoclínicas como o maior agente do setor na América Latina — e a abertura de capital foi a forma que encontraram para acelerar esses planos. O sino que soou na sede da B3 em 6 de agosto de 2021 era diferente para os ouvidos do médico mineiro, acostumados com as badaladas dos corredores das unidades Oncoclínicas, que já anunciaram a cura de mais de 100 mil pacientes. A emoção de Bruno Ferrari naquele dia em particular era um misto de cansaço e esperança. À frente da operação desde 2010 e de volta ao cargo de CEO, ele foi peça-chave para consolidar o IPO que movimentou R$ 2,7 bilhões na bolsa. “Com a abertura de capital, alcançamos outro patamar para investir em pesquisa”, disse em seu discurso.

Como muitas empresas listadas na bolsa, a Oncoclínicas foi atingida pela instabilidade econômica, e o valor de seus papéis derreteram 45% desde o IPO. Só que esta não é uma grande questão para o grupo, que segue focado nos planos, com um pipeline de 50 aquisições. Foram quatro transações de M&A só entre agosto e dezembro do ano passado, por mais de R$ 2 bilhões. Neste ano, já foram anunciadas as compras da rede de clínicas Cemise, no Sergipe, por R$ 150 milhões, e a do laboratório Microimagem, na cidade do Rio de Janeiro, por R$ 8 milhões. O sprint é uma tentativa de concentrar o pulverizado mercado de oncologia, que movimenta R$ 50 bilhões no Brasil, dos quais a Oncoclínicas detém 4% — a XP estima que a empresa fechou 2021 com receita líquida de R$ 2,7 bilhões. A penetração da rede no território nacional chega a 7%, o que deve mudar bastante nos próximos meses.

A página de relações com investidores da Oncoclínicas é atualizada numa base semanal com comunicados de novas aquisições. A mais relevante até agora na história do grupo é a compra da rival Unity, um acordo de R$ 1,2 bilhão que segue sob avaliação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Se aprovada, a operação marcará a entrada da empresa na região Norte, com dois centros em Manaus (AM). Ao sinal verde do Cade, a rede cresceria 48%, com 117 unidades de atendimento em 30 cidades. O movimento é estratégico para também fortalecer a presença no Nordeste, onde Rede D’Or e Dasa são fortes.

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O maior concorrente da Oncoclínicas hoje é a Rede D’Or, que tem 47 unidades especializadas em oito estados e no Distrito Federal. Já o grupo mineiro tem 79 unidades em 22 cidades, com uma área total de 40 milhões de habitantes, cerca de 19% da população brasileira, o que Ferrari entende ser uma cobertura pequena para transformar o tratamento da doença no País. “A lacuna ainda é enorme, por isso não estabelecemos um teto para nossa expansão”, disse.

Oncoclínicas

Na avaliação dos analistas da XP, o estirão da Oncoclínicas acontecerá neste ano, quando a companhia pode atingir R$ 4,7 bilhões em receita líquida, salto de 74% sobre 2021 e quase o triplo do ritmo médio alcançado nos últimos anos (+35%). O CEO lembra que a expansão do grupo está 66% atrelada ao crescimento orgânico. Isso porque a incidência do câncer na população brasileira aumentou 20% e já registra 625 mil novos diagnósticos por ano, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca). A boa notícia é que a perspectiva da oncologia é positiva. Com a evolução nos tratamentos da doença, as taxas de letalidade caíram significativamente.

OTIMISMO A marca de pacientes curados do câncer na Oncoclínicas é de 60%, 10 pontos porcentuais acima da média em países desenvolvidos — não há dados gerais de Brasil, mas estima-se que esse índice seja menor. Ferrari entende que a evolução desse cenário é um sinal otimista para a rede, que está envolvida em 150 protocolos de pesquisa clínica, muitos em parceria com a indústria farmacêutica, para investigação de novas drogas e tratamentos.

O especialista e fundador da Oncoclínicas trabalha não só pela cura, como também para garantir mais qualidade de vida ao paciente. Essa visão está presente desde o início da empresa e é compartilhada com os mais de 100 especialistas na sua estrutura societária: dos detalhes, como garantir a vista mais bonita para os quartos de internações, até em ações grandiosas, como atuar junto a autoridades pela liberação de medicamentos orais e de uso domiciliar, que servem como alternativas para o tratamento do câncer. Durante a pandemia, Ferrari foi incansável. Trabalhou no estudo sobre a vulnerabilidade de pacientes oncológicos, o que garantiu a priorização dessas pessoas na fila da vacinação. Para ele, a obrigação daqui para frente é intensificar a agenda de diagnóstico precoce, que aumenta em muito as chances de cura.

Com esse tipo de visão, inovação é pedra fundamental. Os Cancer Centers são centros para o tratamento integral da doença — o que inclui desde cuidados paliativos até procedimentos de alta complexidade — que atuam de forma complementar às clínicas. Com investimento médio de R$ 100 milhões por unidade, a rede tem sete Cancer Centers que funcionam sob modelos de operações flexíveis, por meio de parceria com hospitais, espaços adquiridos ou mesmo construídos do zero.

A Oncoclínicas prevê 15 Cancer Centers no País, incluindo em São Paulo, onde ainda não tem esses complexos. “Antes, precisamos criar a massa crítica de especialistas”, afirmou Ferrari. Estudar fora exige altos investimentos, por isso o oncologista se orgulha da parceria institucional exclusiva firmada com o Dana-Farber Cancer Institute, da Faculdade de Medicina de Harvard, que será retomada neste ano, para formar profissionais. “Estamos treinando nossa equipe com tecnologias inovadoras, que já são amplamente usadas nos Estados Unidos e têm resultados surpreendentes.” Assim, o caminho da Oncoclínicas para evoluir seu negócio já está pavimentado. Leia mais em Isto é Dinheiro 11/02/2022