Última fase esperada após todo o processo de due diligence, demandando atenção a pontos e cláusulas relevantes, o SPA estabelece as obrigações e as condições de fechamento em operações de M&A que tenham por escopo a compra e venda de participação societária.

Assim, as operações de M&A (Mergers & Acquisitions) — ou, simplesmente, fusões & aquisições — são operações que demandam análises complexas, não apenas do ponto de vista jurídico, mas também contábil, econômico e financeiro, desde a operacionalização até os instrumentos de formalização.

Este artigo tem o foco no instrumento jurídico que estabelece os deveres, as obrigações e as condições de fechamento dentro de operações de M&A: o SPA (Shareholder Purchase Agreement), para aqueles já ambientados com as terminologias utilizadas nesse campo de atividades empresariais, ou, apenas, contrato de compra e venda de participação societária.

Das negociações ao due diligence para formalizar o SPA

Depois das negociações de aproximação, formalização de Non Disclosure Agreement (NDA ou acordo de confidencialidade) — que pode ser precedente (o que é aconselhável) ou concomitante a formalização do SPA —, carta de intenções ou memorando de entendimento, as partes, precipuamente o comprador, navegam pelas rotinas de due diligence, promovendo uma auditoria da empresa target (aspectos societários, fiscais, contratuais, de propriedade intelectual, imobiliário, contábil, trabalhista e tributário).

Nesta fase, é importante mapear contratos relevantes em andamento e que podem ser atingidos no caso de alteração da estrutura societária.

As partes, então, decidindo por seguir (go) na negociação, caminham para a formalização do SPA, etapa complexa e desafiadora, pois se trata de instrumento vinculante que define, como resultado, a relação de compra e venda da participação societária negociada, equalizando os economics do deal e se estabelecendo os pontos jurídicos, principais e acessórios, que serão tratados neste artigo.

Dever geral de observância de boa-fé e transparência

Antes de avançar, não é demais frisar que a cooperação entre as partes e o dever geral de observância de boa-fé, transparência e informações são elementos que devem ser tratados como essenciais às negociações. Isso advém do Código Civil, em seu artigo 422, e baliza qualquer relação contratual privada. Até porque prevalece o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual, jamais se esquecendo, as partes, que a liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. É o que se extrai do artigo 421, caput e parágrafo único, do Código Civil.

Ou seja, o interesse legítimo das partes e o propósito negocial da operação societária devem conduzir a formalização do SPA, pois seus efeitos transcendem aos direitos exclusivamente de comprador e vendedor (aqui, no sentido de controladores das empresas), atingindo, por vezes, direitos de sócios ou acionistas minoritários e de credores. Inclusive, o artigo 116 da Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas) traz que o acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.

Os pontos relevantes desse contrato podem variar de acordo com as circunstâncias específicas da transação e as partes envolvidas, mas, em regra, incluem aspectos que não podem ser ignorados na negociação.

Questões formais do SPA

Considerandos, em operações mais complexas, são essenciais, fazendo colocações preliminares que definem as premissas básicas, elucidam as negociações transcorridas, promovendo a transparência, o alinhamento e a simetria de informações entre as partes. Ilustram as razões de cada uma das partes e dão o contexto que envolvem a negociação e o bom entendimento até chegar ao SPA.

Naturalmente, o contrato deve identificar as partes envolvidas: quem são os vendedores e os compradores de ações ou quotas da empresa. Ademais, especifica o número de ações ou quotas envolvidas na transação, bem como quaisquer detalhes adicionais relevantes, tais como a classe das ações.

No SPA, atribuir significados a palavras específicas torna o contrato preciso, seguro e menos passível de interpretações díspares. Assim, quaisquer palavras ou frases com significados críticos, ambíguos ou que exijam definições ou explicações longas devem ser incluídos na seção de definições.

Questões negociais e econômicas do SPA

Delineado o negócio, as partes estabelecem o preço de compra e os termos de pagamento. Não é raro, aqui, o preço conter parcela fixa e parcela variável.

A parcela variável, normalmente, está atrelada ao atingimento de metas, ao resultado financeiro da empresa em determinado período e à implementação de algumas condições. Por exemplo, fixa-se uma meta de faturamento para o período posterior à transação, a qual, se atingida, ativa um gatilho para que os vendedores recebam valores adicionais.

Uma cláusula de earn-out garante que o vendedor receba pagamentos adicionais com base no desempenho futuro da empresa após a aquisição. Alinha-se, então, os interesses do vendedor e do comprador, garantindo que o vendedor continue a contribuir para o sucesso da empresa no período pós-aquisição. Assim, além do preço fixo, parte do pagamento é adiada e condicionada ao cumprimento de metas específicas de desempenho ou métricas financeiras após a aquisição, as quais podem ser baseadas em receita, lucro, crescimento de clientes ou outros indicadores de desempenho.

Esse pagamento adicional (earn-out) é feito ao vendedor ao longo de um período determinado, que pode variar de alguns meses a vários anos, dependendo dos termos do contrato. Isso ativa um interesse mútuo no monitoramento do desempenho da empresa ao longo do período do earn-out para determinar se as metas estão sendo alcançadas.

Geralmente, as cláusulas de earn-out são usadas para resolver diferenças de avaliação entre compradores e vendedores, bem como para mitigar o risco. Elas também incentivam o vendedor a permanecer envolvido na gestão da empresa após a venda a fim de maximizar o valor do earn-out.

De qualquer forma, essas cláusulas podem ser complexas e requerem termos específicos e métricas bem definidas no contrato para evitar disputas futuras, além de regras sobre a sua fiscalização e monitoramento pelo vendedor, bem como mecanismos claros e assertivos para penalizar aquele que as infringir para prejudicar a outra parte.

Frise-se: embora o earn-out seja projetado para alinhar os interesses do comprador e do vendedor e abordar incertezas sobre o desempenho futuro, ele também pode ser fonte de disputas entre as partes. Portanto, é importante que ambas as partes entendam completamente os termos do earn-out (metas, critérios de cálculo e procedimentos para resolução de controvérsias) antes de assinar o contrato de compra e venda.

Uma cláusula que estabelece parcela retida de valores pode ser — e usualmente é — conveniente na formatação no negócio. Durante a due diligence, a identificação de algum valor de passivo e de contingência que precise ser compensado ao comprador deve ser combatida com a retenção de parte do preço para se indenizar eventual prejuízo. Conforme os passivos vão sendo saldados e as contingências não se perfectibilizem, a parte do preço retida é liberada ao vendedor.

Nesse particular, por vezes, as partes se valem da escrow account (conta garantia), depositando parte do valor negociado até que sejam eliminados as contingências e os passivos.

Ainda no que diz respeito à forma de pagamento do preço ajustado entre as partes, não se pode deixar de lado a importância das garantias para assegurar o recebimento integral do preço ajustado, sobretudo naqueles contratos em que o pagamento será realizado ao longo do tempo ou em que existam parcelas variáveis (earn-out). Aqui o que se deve levar em consideração é a efetividade de medidas que assegurem o recebimento dos valores acordados caso haja mora ou inadimplemento por parte do comprador, atingindo de forma eficiente o patrimônio deste.

Declarações e garantias

Definido o preço e a forma de pagamento, as partes devem discutir as condições precedentes: aquelas a serem atendidas antes que a transação seja concluída, como a aprovação de órgãos regulatórios, a realização de auditorias e até mesmo a aprovação de contas e dos atos da administração.

A próxima etapa, em uma linha lógica, é a das declarações e das garantias (reps and warranties) afirmando a precisão das informações fornecidas e a legalidade da transação. Declarações e garantias alocam riscos entre as partes e formam a base para uma reclamação legal em caso de declaração falsa ou violação.

É indisputável, ainda, transacionar as indenizações devidas na hipótese de quebra de rep: quais são as partes indenizantes e indenizáveis (se há solidariedade entre elas); quais os atos ou fatos são indenizáveis, incluindo a matéria (trabalhista, tributário, societário, ambiental, etc.) e o recorte de tempo (anteriores à operação, entre a cut-off date e a data do fechamento); prazos e limites; danos diretos, indiretos e lucros cessantes; quem conduzirá as defesas dos processos; mecanismo de pagamento da indenização.

Cláusulas de restrição estratégica de direitos

O contrato também pode estabelecer restrições à transferência adicional das ações ou quotas, como direitos de preferência, aprovação prévia ou restrições de venda a terceiros.

Além disso, regras sobre o exercício do direito de voto dos acionistas ou sócios, incluindo a forma como as decisões serão tomadas, são medidas que demandam a atenção das partes, assim como o estabelecimento de condições e de mecanismos para a saída de acionistas ou sócios da empresa, como o direito de tag-along ou drag-along.

Acordos como esses também estabelecem como a empresa será administrada, as responsabilidades dos acionistas ou sócios e outros detalhes relacionados à gestão. Vale dizer que a retenção de executivos-chave e a manutenção do plano de benefícios dos empregados por algum tempo são outros pontos elementares.

Comumente essas operações trazem consigo acordos de não-concorrência, impedindo os vendedores de competirem com a empresa após a venda. Podem ser unilateral ou bilateral e expressar limitação das atividades, de tempo e por região geográfica.

Cláusulas como essa devem ser bem elaboradas para garantir a sua efetividade, pois a non-compete não poderá impedir alguém de exercer sua profissão. Ou seja, aprender a diferenciar isso em cada operação e estruturar uma cláusula sólida faz toda a diferença e é essencial que esteja previsto nela qual será a remuneração do vendedor enquanto durar o período de non-compete, uma vez que a falta de previsão específica sobre a remuneração pode invalidar referida cláusula e trazer riscos ao negócio recém adquirido pelo comprador.

Também não é raro o SPA que prevê cláusulas de não aliciamento e não solicitação, com objetivo de evitar que o vendedor utilize de conhecimentos privilegiados ou do prestígio com colaboradores e clientes para desviá-los da empresa cuja participação societária foi alienada.

Já mencionado anterior e superficialmente neste artigo, o NDA ou Acordo de Confidencialidade (Non Disclosure Agreement) desempenha um papel fundamental nestas operações, pois, nas negociações de M&A, as partes envolvidas geralmente precisam compartilhar informações altamente sensíveis e confidenciais (dados financeiros, estratégias de negócios e planos futuros). Então, o NDA ajuda a proteger essas informações, impedindo que terceiros não autorizados as divulguem ou as utilizem para fins indevidos.

Cria-se, assim, um ambiente de confiança entre as partes envolvidas, o que é fundamental para que as negociações prossigam de maneira eficaz. Com a proteção das informações confidenciais, as partes podem negociar de maneira mais aberta e honesta, uma vez que sabem que suas informações estão protegidas por lei.

Isso torna, indiscutivelmente, o processo de negociação mais eficiente e produtivo. Os vendedores podem proteger informações valiosas sobre seus negócios, enquanto os compradores garantem que as informações obtidas durante o processo de due diligence não sejam usadas contra eles no futuro. Entretanto, é importante que o NDA preveja de forma detalhada como as informações e os documentos deverão ser compartilhados entre as partes, bem como a sua destinação caso o acordo principal (NDA) não seja concretizado.

Métodos de resolução de disputas

Outro ponto relevante é a previsão dos métodos de resolução de disputas. É comum, e até prudente, estabelecer a obrigatoriedade de submissão a meios extrajudiciais, tal como a mediação ou comitê de acompanhamento, antes de se socorrer ao Poder Judiciário. E, claro, deve indicar a legislação que regerá o contrato e a jurisdição em que as disputas serão resolvidas. A inclusão de compromisso arbitral deve ser considerada em operações de maior vulto econômico.

Cláusulas de Call Option e Put Option são termos recorrentes nos acordos de compra e venda de ações ou quotas. Elas permitem que uma parte tenha o direito, mas não a obrigação, de comprar (Call Option) ou vender (Put Option) ações ou quotas a um preço e dentro de um prazo acordados.

A Call Option (opção de compra) é útil quando o detentor acredita que o preço do ativo subjacente aumentará e deseja garantir o direito de comprá-lo a um preço atualmente mais baixo. Já a Put Option (opção de venda) é útil quando o detentor acredita que o preço do ativo subjacente diminuirá e deseja garantir o direito de vender a um preço atualmente mais alto.

Outra cláusula comum é a Shotgun, também conhecida como cláusula de oferta-direita (right of first offer) ou de compra ou venda forçada. Essa cláusula é projetada para resolver conflitos entre acionistas ou partes envolvidas no controle de uma empresa, proporcionando uma maneira estruturada de um acionista comprar a participação do outro ou vender sua própria participação. Se um acionista “A” deseja comprar a participação do outro acionista, ele inicia o processo fazendo uma oferta de compra a um preço e em termos especificados no acordo.

O acionista “B”, então, tem a opção de aceitar a oferta do acionista “A” e vender sua participação pelo preço e termos oferecidos. Se o acionista “B” não concordar com os termos da oferta, ele pode, em vez disso, optar por comprar a participação do acionista “A” pelos mesmos termos. Ou seja, a cláusula Shotgun dá ao acionista que iniciou o processo a capacidade de forçar a outra parte a tomar uma decisão, o que pode ser uma maneira eficaz de resolver desacordos ou conflitos entre acionistas em uma empresa.

Pontos periféricos

Disposições relacionadas a futuras rodadas de investimento, diluição, alterações no capital social, dentre outros, são pontos periféricos, mas que costumam aparecer nessas negociações.

Já na parte final do contrato, é fundamental abrir cláusulas de penalidades em caso de descumprimento das obrigações de cada uma das partes. A boa prática jurídica não permite ignorar este ponto, garantindo segurança legal às partes.

Vale ressaltar a necessária atenção ao cumprimento de formalidades (artigo 784, II e III, do Código de Processo Civil — São títulos executivos extrajudiciais: II – a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; III — o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas) para assegurar a execução específica do contrato no caso de inadimplemento por quaisquer das partes.

Execuções genéricas se resolvem em indenizações por perdas e danos, o que nem sempre é o intento da parte inocente. Já a execução específica permite o suprimento da vontade por sentença judicial, garantindo o cumprimento da obrigação prevista no contrato.

Conclusão

Diante de todas as considerações supra, não pairam dúvidas de que o SPA é o contrato principal em uma transação de M&A, estabelecendo os termos e as condições finais da transação, delineando os direitos, as obrigações e as responsabilidades das partes envolvidas. É legalmente vinculativo e descreve a compra e venda de ações ou ativos da empresa target.

Vê-se que são estabelecidos os detalhes da transação, como preço de compra, forma de pagamento, ajustes de preço, representações e garantias, cláusulas de não competição, responsabilidades pós-fechamento, além de outras disposições relevantes.

Não por outro motivo, o SPA deve ser redigido de forma específica para refletir os acordos alcançados entre o comprador e vendedor da participação societária, pois define as condições necessárias para a conclusão da transação, as quais sempre variam de acordo com o modelo da operação e das partes envolvidas, bem como de sua complexidade.

Embora seja desejável que as partes não precisem se socorrer aos termos do contrato após o signing (conclusão oficial da transação de M&A) ou o closing (ponto em que a transação é finalizada e a propriedade da empresa é transferida para o comprador) — o que significa, naturalmente, o cumprimento de todas as obrigações —, não pode ser dispensada a devida atenção em sua elaboração para garantir a sua exequibilidade, observados os seus elementos essenciais, os requisitos e os princípios legais.

Se o SPA atender a esses elementos essenciais e estiver em conformidade com os requisitos legais, será exequível, ainda que a interpretação e a aplicação de contratos possam variar de acordo com a jurisdição e as circunstâncias específicas.

A segurança das partes envolvidas e o sucesso da operação de M&A dependem, então, da habilidade e do conhecimento destes pontos e cláusulas relevantes no SPA, já que cada transação é única e pode envolver uma série de considerações legais que exigem a necessária experiência nesse campo de atividades empresariais.. Autores: Antônio de Pádua Faria Júnior e  Wilton João Caldeira da Silva- advogados do escritório Pádua Faria Advogados... saiba mais em Consultor Jurídico 21/04/2024