Ainda atrás das fintechs em termos de avaliação e financiamento, as startups do agro, como a Agrofy e a Leaf, estão inovando um dos principais motores da economia da região

Em meio a um ecossistema de tecnologia inovador que cresce rápido, o dinheiro do capital de risco está correndo nas veias das startups da América Latina, que já tem cerca de 30 unicórnios. Mas nenhuma dessas startups avaliadas em US$ 1 bilhão ou mais é uma agtech, embora já existam cerca de 663 startups do agro na região, segundo dados do Crunchbase, e a agricultura seja um assunto de bastante importância para a América Latina. Segundo o Banco Mundial, o agronegócio responde por 5 a 18% do PIB (Produto Interno Bruto) de 20 países da América Latina e do Caribe.

Dados da LAVCA (Associação para Investimento em Capital Privado na América Latina) mostram que US$ 35.4 milhões em capital de risco foram investidos nas agtechs em 15 rodadas divulgadas no ano passado. A maior delas foi para a colombiana Frubana, uma Série A de US$ 25 milhões no início de 2020, liderada pelo monashees e GGV. O SP Ventures e o The Yield Lab foram os investidores mais ativos em agtech no ano passado.

Para a primeira metade de 2021, os investimentos em agtechs da América Latina já são superiores ao ano passado, segundo a LAVCA. Só as três maiores rodadas do primeiro semestre de 2021 (Frubana, ProducePay e Phage Technologies) já adicionam US$ 138 milhões em investimentos. Então, o que falta para a América Latina ter seu primeiro unicórnio do agro?

A Capria Ventures vem investindo direta e indiretamente em agtechs na América Latina como a americana/brasileira Leaf, que fornece uma API (interface de programação de aplicações) para o agro, a argentina Agrofy (o Mercado Livre da agricultura) e a californiana Andes, que tem um chileno como CEO e cofundador, e fornece sementes com tecnologia microbiótica. “O Brasil e a Argentina vão empurrar as agtechs da região andina”, disse Susana Garcia-Robles, sócia da Capria Ventures e conselheira executiva da LAVCA.

Segundo ela, a inovação tecnológica na agricultura marcou um “antes e depois” na América Latina. A região já tinha uma massa crítica de consumidores e trabalhadores dessa indústria tradicional. Ao lado da mineração, o agro tem sido um dos grandes direcionadores da economia da América Latina por muitos anos. É por isso que a Capria começou a investir no SP Ventures, o fundo brasileiro dedicado às agtechs.

“Acreditamos no poder de conectar os pontos entre os pólos de inovação na América Latina, África e Índia. Não votamos nos comitês de investidores do SP Ventures, mas podemos falar sobre os modelos de agtech que temos visto na Índia que podem ser replicáveis na América Latina”, disse.

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Uma história de sucesso americana com DNA brasileiro

O fundador e CEO da Leaf, Bailey Stockdale, cresceu na Califórnia, mas fundou sua agtech no Brasil em 2018. Vivendo no Mato Grosso, ele liderou uma empresa de imagens aéreas para produtores.

Um desenvolvedor de software, Stockdale logo percebeu que os agricultores precisavam de vários dados extras para conseguir tornar as informações das imagens aéreas realmente úteis. “Tínhamos a imagem para saber onde o problema estava, mas estávamos tentando identificar onde que o problema começou. Foi algum erro na máquina, alguma doença, ou outra coisa?”, lembra.

Stockdale conversou com cerca de 100 startups deo agro diferentes pelo mundo com uma demanda: precisava de dados (como dados do tempo, das máquinas, informações financeiras) de diferentes fontes. Então ele perguntou se poderia conectar com os dados dessas empresas e transferir essa base de dados para construir uma inteligência em cima disso.

“Das pessoas que conversamos, todo mundo disse quase a mesma coisa: ‘sim, podemos trabalhar juntos, você pode usar nossos dados, mas estamos com essa integração com a John Deere, então vai nos levar uns dois anos’. Então, a história começou dessa frustração de ser um desenvolvedor de software focado em melhorar o ecossistema de agtechs e pensando como eu posso construir algo aqui se não consigo conectar com ninguém. As pessoas queriam compartilhar suas bases de dados, mas eu não tinha acesso a isso facilmente”.

Stockdale reclamou desse problema para os investidores de venture capital e acabou virando um empreendedor residente do SP Ventures, onde passou seis meses aprendendo.

No ano passado, a Leaf saiu do “modo beta” e levantou US$ 2 milhões em uma rodada do SP Ventures e provavelmente procurará financiamento de novo neste ano, conforme atinge seus objetivos iniciais.

Hoje, a Leaf está construindo uma API que ajuda os desenvolvedores de software a conectarem com diferentes fontes de dados em uma maneira unificada. É quase o que o EBANX, a Plaid, a Stripe e a Twilio fazem com pagamentos. Essas empresas conectam contas bancárias e fornecem APIs que ajudam outras empresas a integrar seus sistemas imediatamente ao invés de conectarem com cada uma individualmente.

“É a mesma coisa que fazemos com agricultura. Então agora estamos dando às empresas de desenvolvedores a habilidade de criar com os parceiros em um serviço único e fácil de usar, ao invés de procurar 100 conexões individuais”.

O molho secreto “made in LatAm”

A América Latina ainda tem uma população jovem se comparada à população da Europa e da América do Norte, e seus millenials e geração Z estão acostumados com tecnologia. Somado a isso, os empreendedores da região são inovadores e podem adicionar o “molho secreto made in LatAm” à tecnologia, como disse Garcia-Robles.

Durante o Animal Agtech South America Summit, Francisco Jardim, fundador do SP Ventures, disse que a região tem tantos problemas grandes locais que os empreendedores enxergam como oportunidades.

“O caminho de fintechs é óbvio, mas há muitos outros déficits na cadeia de suprimentos onde soluções precisam ser construídas localmente. É por isso que acho que os empreendedores nativos tem uma vantagem competitiva grande em relação aos estrangeiros, porque não basta inovação tecnológica para ser bem-sucedido na América Latina; você precisa inovar na última milha, em como você entrega seu produto e serviço, em como você cobra pelo seu produto e serviço. Tentativas de replicar estratégias da América do Norte e da Europa na América Latina foram desastrosas, então acho que a inovação na última milha é crucial, e é onde boa parte das oportunidades estão”, disse Jardim.

Tentativas de replicar estratégias da América do Norte e da Europa na América Latina foram desastrosas, então acho que a inovação na última milha é crucial, e é onde boa parte das oportunidades estão.

O dinheiro está indo para as empresas que conseguem adereçar a dor sofrida por milhões e podem adereçar a falta de coordenação e alinhamento o em toda a cadeira de valor do agro, disse Garcia-Robles. “A Capria não está investindo nos chamados investidores de impacto. Estamos investindo em pessoas que que querem fazer dinheiro, mas entendem que você pode fazer dinheiro enquanto resolve grandes problemas. É por isso que estamos vendo uma aceleração na criação de unicórnios, porque eles resolvem problemas reais e dores reais”, disse Garcia-Robles.

A Agrofy quer ser a primeira agtech a alcançar o status de unicórnio. A startup captou US$ 1 milhão da Capria em 2020 e uma Série B de US$ 23 milhões em 2019 do Fall Line Endurance Fund, Acre Venture Partners II e Agventures II Investment.

Os co-fundadores Maximiliano Landrein (CEO) e Alejandro Larosa se conhecem desde a Bolsa de Comércio de Rosário, uma associação de comércio na Argentina. Em 1999, eles começaram a conversar sobre como ajudar os produtores do país a comercializar grãos e fundaram o que hoje é a maior comercializadora de grãos da Argentina, a Futuros y Opciones.

Mesmo que Landrein e Larosa tenham imaginado um website em que o produtor pudesse acessar um marketplace, em 1999, eles acharam que o momento para a internet não era o ideal. Mas, em uma garage não muito longe dali, Hernan Kazah, Stelleo Tolda e Marcos Galperin criavam o Mercado Livre, o gigante líder do e-commerce na América Latina.

Landrein e Larosa decidiram começar o empreendimento online com um portal de notícias, o Agrofy News, que hoje é um dos maiores sites de notícias da Argentina. Em 2018, a empresa começou a montar o seu marketplace para o agro com menos de 40 pessoas e captou US$ 6 milhões em uma rodada Série A do SP Ventures, Syngenta Ventures, Bunge Ventures e Endeavor Catalyst.

Atualmente, a Agrofy tem 280 funcionários pela Argentina, onde seu escritório principal está em Rosário, no Brasil (São Paulo), Uruguai (Montevideo) e Colômbia (Bogotá). No longo prazo, a Agrofy pretende chegar ao México.

Somado ao marketplace, que tem 50.000 vendedores, e o site de notícias, a Agrofy lançou o Agrofy Pay, uma carteira digital para produtores, no ano passado.

“A Agrofy é um ecossistema que oferece produtos, serviços e informação em tempo real para as empresas de agronegócio e produtores que querem tirar proveito do crescimento exponencial da internet. Com um foco verdadeiro no desenvolvimento da comunidade agro, somos um negócio de tecnologia com o DNA na agricultura. Consolidamos toda a cadeia”, disse Viviana Lauschus, gerente de comunicação da Agrofy.

Isso significa que o distribuidor está dentro do ecossistema da Agrofy, e, para o produtor argentino, isso é essencial porque o agricultor compra diretamente do distribuidor. Tradicionalmente, as agtechs crescem mais devagar do que as fintechs porque o mercado de distribuição da agricultura é desafiador. Essa pode ser uma razão pela qual a América Latina ainda não tem seu unicórnio do agro.

Além disso, a agricultura é uma indústria muito competitiva. Por conta disso, as agtechs são adquiridas cedo, antes de ficarem maduras. Elas são compradas por centenas de milhões, mas não bilhões de dólares porque empresas como a Bayer, por exemplo, movimentam-se rápido para comprar uma startup, enquanto em outras indústrias, essas empresas podem chegar a estágios de maturação mais longos enquanto continuam privadas por mais tempo e atingem avaliações maiores, segundo o fundador da Leaf, Bailey Stockdale.

“É um mercado crescente, claro, mas estamos começando a ver essas empresas agora. Para ser um unicórnio, demora um pouco mais, e frequentemente essas empresas são compradas em valores menores”, disse.

“Quando olhamos para os unicórnios, as fintechs estão bem à frente das agtechs, mas estamos começando a ver a consolidação desses dois pilares, e mais e mais marketplaces do agro estão começando a incorporar verticais de fintechs”, disse Garcia-Robles.

É o caso da Agrofy. A startup pretende levantar uma extensão Série B em breve. Então, as letras ESG (Environmental, Social, and Governance) estão buzinando na mente dos funcionários, enquanto investidores estão de olho nessas práticas corporativas.

A tendência ESG da América Latina como um terreno fértil para compensação de carbono

A pandemia da COVID-19 trouxe aos investidores a responsabilidade de usar sabiamente seu dinheiro para ter um impacto muito mais amplo do que apenas obter retornos financeiros. As diretrizes ESG têm sido seguidas por fundos de private equity e venture capital porque os investidores querem ver isso.

“Ninguém quer ver seu dinheiro ir para algo que prejudique o planeta ou tenha cause preocupações sociais ou não tenha governança. E isso é difícil quando você está falando de startups, e é mais difícil em agtech do que fintech, porque fintechs são ainda mais baseadas em tecnologia. Por outro lado, na agtech, você ainda está na cadeia de valor das pessoas, e pessoas que estavam acostumadas por muito tempo a ser muito informais e não ter diretrizes para seguir”, disse Garcia-Robles.

Nos EUA, os mercados de carbono e negócios que trabalham com rastreabilidade da chamada “pegada de carbono” têm se desenvolvido muito rapidamente. Na América Latina, esse mercado de carbono está se desenvolvendo mais lentamente. “Não é uma coisa ruim; mas ainda existem tantas perguntas. A captura de carbono funciona? Por quanto tempo isso funciona? Os créditos de carbono são válidos a longo prazo? ” perguntou Stockdale.

Os desenvolvedores de software usam a API da Leaf para construir e dimensionar uma ampla gama de produtos, incluindo mercados de remoção de carbono. “Estamos trazendo dados de gestão e eles estão usando as informações para criar modelos e gerar crédito de carbono a partir disso”, disse.

“No Brasil, acho que é uma grande oportunidade; será uma grande parcela da agricultura nos próximos dez anos. As empresas estão trabalhando com coisas semelhantes no Brasil, mas geralmente, é mais relacionado ao setor financeiro. Ainda há muito a aprender sobre os mercados de carbono e como eles funcionam; certamente, haverá ainda mais dúvidas quando o Brasil os adotar. Isso vai acontecer, mas tem sido menos preciso no Brasil do que nos EUA até agora ”, acrescentou Stockdale….. Por ISABELA FLEISCHMANN Jornalista e repórter do LABS. Leia mais em lapslabsnews 03/09/2021