O sentimento dos participantes do mercado sofreu deterioração acentuada nas últimas semanas. A piora na percepção de risco, que voltou a dar as caras com as discussões em torno da redução do ICMS e da “PEC das Bondades”, tem ampliado o pessimismo dos agentes com os ativos brasileiros nos últimos dias, em um ambiente global já bastante desafiador. O mercado de juros tem sido particularmente afetado e as taxas futuras de curto prazo atingiram níveis não vistos desde 2016. Já no mercado de câmbio, o dólar encerrou a sessão de ontem negociado a R$ 5,4607, maior patamar desde 24 de janeiro.

Mercado em dinâmica negativa

O estresse nos mercados tem se refletido, semana após semana, nos leilões do Tesouro Nacional, que tem pisado no freio e reduzido a oferta de títulos públicos, também por não encontrar demanda pelos papéis. Além disso, os contratos de cinco anos de CDS – proteção contratada pelos investidores contra o risco de “default” e que serve de termômetro do risco-país – continuam acima dos 300 pontos, nos maiores níveis desde maio de 2020.

“O mercado está em uma dinâmica muito negativa”, afirma o estrategista-chefe da Renascença, Sérgio Goldenstein, ao notar que a curva de juros precifica a Selic em torno de 14,5% no fim do ciclo e uma taxa média de cerca de 14% em 2023. “Tem muito prêmio embutido e o que explica essa dinâmica recente é a percepção de piora do arcabouço fiscal”, avalia.

“O mercado tem essa leitura de piora porque as medidas representam mais um contorno da regra do teto. Há uma perda de credibilidade da âncora, que gera uma piora no prêmio de risco, depreciação cambial e aumento das expectativas de inflação”, afirma Goldenstein. “O excesso de arrecadação não é recorrente e, ao longo do tempo, compensaria períodos de fraca arrecadação. Se isso é usado para ter despesas maiores, a regra do teto perde a lógica e a relação dívida/PIB assume trajetória ascendente.”

Riscos em alta ampliam deterioração dos ativos

Será mesmo o fim do aumento da taxa básica de juros?

Além disso, Goldenstein aponta que, com as medidas aprovadas, é provável que o próximo governo evite cortar os benefícios que estão sendo concedidos neste momento. “O que é anunciado hoje como temporário corre o risco de acabar virando permanente e não há uma fonte de compensação. Podemos começar 2023 com tributos reduzidos e aumento permanente de despesas. E essa situação pode se complicar ainda mais se os preços das commodities continuarem a cair”, alerta. “Há uma piora estrutural da dinâmica da dívida/PIB.”

Não por acaso, o mercado tem exigido juros ainda mais altos nos últimos dias e, embora o Banco Central tenha sinalizado que o fim do ciclo de elevação da Selic está próximo, cada vez mais agentes acreditam que será difícil a autoridade monetária parar de aumentar a taxa básica em agosto.

“Temos alertado que é possível que o BC acabe indo um pouco além dos 13,75%, que estão alinhados com a comunicação dele, embora não haja espaço para muito mais. É o que parece por enquanto. Mas, mais importante que o ponto terminal em si, seria manter a Selic em nível mais alto por mais tempo”, avalia Thaís Marzola Zara, economista sênior da LCA Consultores. Não por acaso, a consultoria projeta o juro básico em 12% no fim de 2023 em seu cenário-base.

Projeções da Selic

No entanto, em um cenário adverso, a LCA acredita que a Selic poderia ir a 15% neste ano e a 15,5% em 2023. Esse cenário contemplaria um enfraquecimento mais agudo da economia global e um ambiente político interno “fortemente tensionado” após as eleições, que prejudicaria a governabilidade e dificultaria a implementação de reformas e de medidas que poderiam reduzir incertezas.

No BNP Paribas, que projeta a Selic em 14,25%, a estrategista Michelle Hwang diz ver poucas oportunidades nos juros de curto prazo, dado que o mercado migrou para um cenário mais alinhado à visão do banco. Já em relação ao câmbio, a estrategista avalia que tanto fatores locais, como a proximidade da corrida eleitoral e os problemas fiscais, quanto globais têm sido obstáculos para a convergência do dólar para o seu preço justo, em torno de R$ 5,00 nos modelos do BNP.

“Acreditamos que há três sinais que devem nos dizer quando o dólar global vai perder fôlego: uma melhora no crescimento econômico da China; menor volatilidade nas taxas de juros dos EUA; e maior clareza sobre a situação energética da Europa”, diz. Ela, porém, ressalta que nenhum desses fatores parece encaminhado no momento.

Alguns participantes do mercado acreditam, ainda, que pode haver piora adicional nos mercados à frente. Para Mariana Dreux, sócia e gestora dos fundos macro da Truxt Investimentos, os prêmios de risco embutidos no mercado de juros deveriam ser ainda maiores. Ela aponta que as taxas de dois anos em diante deveriam se estabelecer acima do nível da Selic no fim do ciclo, que seria pouco maior que 14%. Assim, na visão da profissional, os juros de prazo intermediário poderiam até mesmo se aproximar de 15%. Ontem, a taxa do DI para janeiro de 2025 estava em 13,295%.

Cenário mais adverso

Dreux lembra que o Tesouro teve problemas para se financiar em 2020 e 2021, mas, recentemente, a atividade econômica mais forte e os preços de commodities elevados deram tranquilidade para a gestão da dívida pública. “Olhando à frente, no entanto, o cenário é mais adverso. A economia vai desacelerar e os vetores de crescimento apontam para baixo. Com menos crescimento, a arrecadação vai sentir e, ao mesmo tempo, há mais gastos com transferência. Esse equilíbrio das contas públicas não vai ser tão fácil e o tema vai voltar ao radar até as eleições, o que pode colocar mais prêmio na curva”, afirma a gestora.

Ela dá como exemplo o leilão realizado na terça-feira pelo Tesouro, em que, mesmo com taxas bastante altas e um lote reduzido, não houve venda integral de NTN-Bs. “A situação é tranquila até que deixa de ser rapidamente. O mercado deveria antecipar esse cenário claramente mais desafiador à frente”, alerta Dreux.

Goldenstein nota que o Tesouro tem feito leilões com volumes pequenos diante da dinâmica ruim nos mercados de juros. “Se ofertasse mais papéis, pressionaria ainda mais a curva e pagaria um custo muito alto, já que o mercado está estressado. E, se pressionasse mais a curva, poderia sofrer o risco de ter menos demandantes”, diz. Para ele, a parte positiva da história está no colchão de liquidez do Tesouro ainda em nível bastante robusto.

“Para o Tesouro voltar a ofertar volumes maiores, é preciso alguma estabilização do mercado. Isso poderia voltar a atrair demandantes e players que queiram aplicar nesses juros. Por isso o Tesouro tirou a mão e, no momento, ele tem espaço para isso”, diz Goldenstein.

O gestor de juros do ASA Hedge, Filippe Santa Fé, dá ênfase, ainda, ao cenário global, dado que o CDS do Brasil sofreu forte alta, mas outros emergentes viram movimentos semelhantes. “É natural que os juros sigam esse processo. O risco de crédito tem que estar impresso em todos os ativos brasileiros e isso aconteceu nos mercados emergentes como um todo”, diz, ao apontar para o ciclo global com juros mais altos, possibilidade de recessão e inflação ainda não controlada.

Além disso, o gestor da ASA Investments nota que, no cenário local, as expectativas de inflação do Focus têm se mexido, mesmo em horizontes mais longos, como a do IPCA de 2024, que está em 3,30%. “Parece pequeno, mas pode ser o começo de algo grande. O mercado estava precificando que o BC estava próximo de parar o ciclo e, agora, está na linha de mais altas. Foi algo significativo para mudar a opinião da curva de juros”, afirma Santa Fé, ao lembrar, ainda, do cenário surpreendente de atividade e de que o movimento de alta das expectativas se deu mesmo com a queda nos preços do petróleo… leia mais em Inteligência Financeira 21/07/2022