O ano de 2022 começou para o ecossistema de inovação brasileiro com a promessa da chegada de novos unicórnios e a perspectiva de superar a captação recorde no ano anterior. Porém, a euforia deu lugar ao chamado “Inverno das startups” no início do segundo trimestre, com o registro de queda no volume de aportes e o anúncio de demissões em massa em empresas como Loft, 99 e QuintoAndar.

Os especialistas ouvidos por PEGN dizem que a verdade é que 2021 é que foi um ano “fora da curva”, de euforia. Os números mais recentes da plataforma de inovação Distrito mostram que, entre janeiro e novembro deste ano, os investimentos chegaram a US$ 4,8 bilhões – em 2021, entre janeiro e dezembro, atingiram os R$ 9 bilhões; em 2020, foram captados US$ 3,5 bilhões. Os dados comprovam que houve diminuição nos aportes, principalmente com relação ao ano passado. Trinta e uma rodadas foram realizadas em novembro de 2022, com a captação de US$ 279,7 milhões; em 2021, 62 rodadas levantaram US$ 835,9 milhões.

Os profissionais do setor afirmam que o impacto foi mais sentido no late stage, quando os cheques são mais altos e as rodadas contam com a participação de fundos e investidores estrangeiros. Pouco ajuda o fato de o cenário macroeconômico ser desfavorável dentro e fora do Brasil: além do aumento na inflação e das taxas de juros, o gigante Softbank, um dos responsáveis pelo pico de 2021 e financiador de unicórnios brasileiros, apertou o pause, mudando o ritmo do jogo.

Inverno das startups?

“Viemos de um momento em que havia capital muito barato, praticamente de graça. Hoje em dia, observa-se alta dos juros e uma mudança conjuntural. Não vimos grande diferença no volume de investimentos no early stage, mas percebemos uma mudança importante no comportamento”, pontua Daniel Chalfon, sócio da Astella.

Na opinião de Ingrid Barth, que assumirá a presidência da Associação Brasileira de Startups (Abstartups) em 2023, o ecossistema passou por um período de euforia e aprendizado, e agora chega à fase de consolidação. “Fizemos um ajuste em relação ao excesso de otimismo que tínhamos. O ecossistema é pujante e muito fértil porque temos desafios a solucionar, o que traz oportunidades”, afirma. Maria Rita Spina Bueno, membro do conselho da Anjos do Brasil, também vê o momento de forma positiva: “Estamos aprendendo a operar em ciclos diferentes, tanto empreendedores quanto investidores. Teremos ciclos maiores e outros menores e precisamos entender como criar valor em ambos os casos”.

Crescimento consciente

Se um dia a máxima foi “crescer a qualquer custo”, o cenário atual de maior risco aumentou a cautela dos investidores, que passaram a analisar com mais critério em quem aportar o capital. Agora, exigem com mais rigor a comprovação de resultados e a sustentabilidade da empresa a longo prazo. “Levantar dinheiro ainda é possível, só que a barra está mais alta e o poder de barganha está nas mãos dos investidores, o que acaba trazendo os valuations para patamares mais conservadores”, comenta Pietro Bonfiglioli, fundador da Fisher Venture Builder.

Essa mudança no mindset acionou um grande alerta para as startups que cresceram a partir do modelo anterior: altamente capitalizadas, elas investiram no crescimento da base, com a contratação de um grande número de funcionários, apostando que o break-even e o sonhado lucro só viriam mais para a frente. Com a fonte secando para o late stage, elas não viram alternativa a não ser enxugar os quadros de colaboradores. “Antes, você tinha startups captando de seis em seis meses. Isso será cada vez mais raro, e eles precisaram rever planejamentos. O capital humano é muito custoso e acaba esbarrando no pilar de crescimento sustentável e resultados. É a forma mais rápida de equilibrar a conta, é administração básica”, explica Barth.

Para Chalfon, desse movimento de demissões podem brotar novas startups, criadas por ex-funcionários que ajudaram a construir grandes empresas do zero, ganhando muita experiência e visão para notar novos gaps no mercado. Ele afirma que, recentemente, conversou com ex-colaboradores de startups como Wildlife, RD Station e Gympass, que estão se movimentando para criar suas próprias empresas, e que considera esse ciclo de “mafiatechs” muito relevante.

O que esperar de 2023?

O sócio da Astella ressalta que cerca de 900 empresas captaram rodadas pré-seed e seed entre 2020 e 2022 e, portanto, devem voltar ao mercado em 2023 para uma Série A, uma vez que é raro levantar capital o suficiente para já alcançar o break-even sem sacrificar o crescimento. Bonfiglioli, da Fisher, diz que, para terem sucesso, o foco das startups que buscam aportes deve ser o cuidado com o caixa. “Obviamente elas não podem parar de crescer, caso contrário, o caixa acaba, e a empresa não estará em um estágio maduro para uma próxima captação. Mas, entre crescer três vezes ao ano, queimando bastante caixa; e crescer duas vezes ao ano, conservando mais o caixa e aumentando o runway, a segunda opção tende a ser a mais segura neste momento.”

Barth aposta que as rodadas seguirão acontecendo porque os fundos de investimento estão capitalizados, mas as captações devem permanecer mais enxutas. “Acabou o oba-oba de investir em tudo, com abundância. Será um momento de observação, de cautela para não fazer movimentos bruscos, de rever orçamentos. Cada vez menos vamos ver captações gigantescas, [o capital] ficará mais diluído em aportes menores, mais pulverizado em startups menores”, declara.

Segundo os especialistas, o ecossistema também pode se beneficiar com as pautas do novo governo, que assume em 1º de janeiro. Chalfon ressalta que o presidente eleito, Luís Inácio Lula da Silva, deve trazer maior foco para as questões sociais, com pautas como universalização do acesso à banda larga – o que impacta o varejo. “É um governo que historicamente sempre criou ferramentas para facilitar o consumo e forneceu crédito em diversos setores, o que faz a economia girar”, pontua.

Oportunidades também podem surgir no segmento de govtechs — uma vez que o Estado precisa aumentar a eficiência sem gerar grandes custos —, soluções B2B para marketplaces, seguindo a tendência de digitalização do consumo; insurtechs e ESG. “O Brasil vai ter uma oportunidade enorme na questão ambiental. O investidor estrangeiro está focado na pauta ESG e temos sinalização positiva quanto a isso do novo governo. O Brasil segue oferecendo oportunidades para crescer com soluções que fazem a diferença”, diz Spina Bueno.

E os unicórnios?

No início de 2022, a plataforma Distrito listou as startups que deveriam atingir o status de unicórnio – aquelas que alcançam valor de mercado de US$ 1 bilhão – durante este ano. Entre as elencadas estava a Cortex, que opera no modelo SaaS, fornecendo inteligência de dados para as áreas de marketing e vendas em tempo real, e captou uma rodada Série C de US$ 48,2 milhões em setembro. O “título” não veio em 2022, e o fundador Leonardo Rangel explica que o cenário de incertezas entre maio e junho levou a startup a segurar contratações e gastos, recalculando a rota planejada para o ano.

A temática para 2023 é ter mais eficiência na queima de caixa e crescimento inteligente. Questionado sobre o status de unicórnio, chamou o título de “métrica de vaidade”. “Entre meus amigos founders, ninguém mais fala disso. Não é relevante. Continue crescendo, faça um bom trabalho. Provavelmente virá quando o inverno virar primavera, vai pipocar unicórnio. … leia mais em PEGN 29/12/2022