O ano de 2024 pode finalmente ter a volta das aberturas de capital, após nenhuma operação chegar ao mercado nos últimos dois anos, em um dos maiores jejuns em mais de duas décadas. Na Faria Lima, principal centro financeiro do Brasil, a avaliação é que cerca de cinco a dez ofertas iniciais de ações (IPO, na sigla em inglês) podem chegar ao mercado, provavelmente a partir do segundo trimestre. O número ainda estará longe do recorde de IPOs de 2021, quando 46 empresas estrearam na B3.

Na retomada dos IPOs, prevalece a visão, nos bancos de investimento, de que empresas maiores, que tenham bons números, em setores com boas perspectivas de crescimento, e que sejam capazes de fazer ofertas grandes, de ao menos R$ 2 bilhões a R$ 3 bilhões, vão ter chance de sucesso. São essas ofertas maiores que conseguem atrair grandes investidores estrangeiros.

IPO follow-on confidencial
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O que falta para acontecer um IPO no Brasil?

Fazer andar a fila de interessadas em captar no mercado de ações vai depender dos juros, no Brasil e nos Estados Unidos. “Historicamente, o maior nível de atividade no mercado de capitais é quando os juros começam a cair”, afirma o chefe da área de emissões de ações do Goldman Sachs do Brasil, Fábio Federici.

No Brasil as taxas já vêm caindo e o movimento deve prosseguir em 2024, levando os juros para 9,0% até o final do ano que vem, de acordo com a média das previsões do mercado no Boletim Focus. Nos Estados Unidos, economistas veem chance de as reduções pelo Federal Reserve começarem em algum momento do primeiro semestre. O Goldman Sachs projeta dois cortes a partir do terceiro trimestre. Por isso, Federici acredita que os IPOs devem ganhar mais força no Brasil no segundo semestre do próximo ano.

Quais empresas estão na fila de IPO no Brasil?

Os nomes mais citados como possíveis candidatos a um IPO são os das companhias de saneamento Aegea e Iguá, o da Votorantim Cimentos, que já tentou no passado, e algumas construtoras, que podem surfar bem a onda de crescimento do programa oficial Minha Casa, Minha Vida, como a Emccamp, BRZ e Metrocasa. Estas últimas, aliás, já pediram registro de companhia aberta na Comissão de Valores Imobiliários (CVM).

Há fatores importantes indicando que os IPOs podem voltar em 2024, observa o chefe do banco de investimento do Citi Brasil, Eduardo Miras. As avaliações de empresas (“valuation”, no termo em inglês) estão se ajustando, após serem penalizadas pela alta dos juros no mundo, de modo que as companhias listadas comparáveis estão retornando a níveis de preços mais interessantes. Nesse ambiente, o fluxo de investidores estrangeiros é crescente na B3 nas últimas semanas. Mas para atrair mais investidores, Miras ressalta que o IPO precisa ser de empresas grandes, com histórias consolidadas e setores resistentes. Ele não descarta, por exemplo, que fintechs – sejam bancos digitais, empresas de pagamentos ou de infraestrutura para o setor financeiro – queiram tentar um IPO. O Nubank, por exemplo, acumula alta de mais de 100% em 2023.

Ofertas follow-on no radar

“As fontes de financiamento no mercado de capitais via renda variável estão muito represadas”, diz Federici. “A lista de empresas que querem acessar esse mercado para se financiar é longa”, completa, ressaltando o interesse não só em IPOs, mas também de companhias já listadas na B3 em fazerem uma oferta subsequente (follow-on). O maior follow-on previsto para este ano deve ser o da Sabesp, esperado para o primeiro semestre e que pode movimentar de R$ 10 bilhões a R$ 15 bilhões.

Para usar os balanços do terceiro trimestre de 2023, as empresas precisam colocar ofertas na rua até a segunda semana de fevereiro. Uma das possíveis ofertas é a anunciada pelo Grupo Pão de Açúcar (GPA), de R$ 1 bilhão, que ainda precisa ser aprovada pelos acionistas, com assembleia marcada para 11 de janeiro.

O GPA quer usar o dinheiro para pagar dívidas, estratégia comum nos follow-ons feitos em 2023, de empresas como Dasa e Hapvida. As ofertas subsequentes também podem ser veículos para financiar investimentos e agendas de crescimento e para dar saída a sócios.

O que é IPO confidencial?

O principal palco para aberturas de capital do mundo retoma os negócios em Nova York, ajudado pela queda dos juros nos Estados Unidos. Enquanto a BrightSpring, que tem o fundo KKR como sócio, dá a largada nas operações de grande monta em 2024, fazendo o pedido de oferta no primeiro dia útil do ano, nomes como o da gigante fashionista Shein, uma das operações mais esperadas, e o da gestora de private equity General Atlantic preferiram ser mais discretos, e fizeram pedidos confidenciais para o IPO, uma estratégia comum em Wall Street, mas que no Brasil é bem pouco usada.

Essas ofertas de ações começam a ser trabalhadas em silêncio, ou seja, sem que as informações importantes dos negócios da empresa que quer estrear na bolsa estejam à disposição do mercado. Somente quando a companhia se vê pronta para lançar o IPO e testar o apetite dos investidores é que a operação se torna pública.

O modelo ganhou força nos EUA a partir de uma mudança nas regras em 2017. Foi quando a Securities and Exchange Commission (SEC), o órgão que regula o mercado de capitais americano, decidiu estender a todos os portes de empresas o benefício da confidencialidade, antes restrito às pequenas.

No Brasil, a possibilidade do IPO sigiloso existe, mas não emplacou. O Nubank foi um dos raros exemplos que pediu confidencialidade no registro de sua oferta na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em dezembro de 2021.

O advogado José Alves Ribeiro, sócio do escritório VBSO Advgados, explica que a mudança na regra que viabilizou o registro confidencial ocorreu em 2019 e hoje faz parte das novas instruções da CVM que regulam as ofertas públicas. No Brasil, muitas empresas conseguem com o pedido de IPO já público testar o apetite dos investidores, enquanto nos EUA tem uma série de regras sobre o momento que é possível falar com este público. “Em 99% dos casos no Brasil, é feito um pedido de oferta já público”, comenta o corresponsável pelo banco de investimento do Goldman Sachs do Brasil, Ricardo Bellissi.

O IPO confidencial se tornou quase uma regra nos EUA. Hoje, a grande maioria das empresas opta por fazer o protocolo inicial ainda em caráter sigiloso“, diz o advogado Carlos Lobo, sócio do escritório Arnold & Porter, baseado em Nova York.

Segundo ele, os benefícios do IPO confidencial são importantes para quem está prestes a abrir capital. Além de o processo servir de uma espécie de proteção a futuros emissores e de suas informações, também dá tempo para que as companhias escolham a melhor janela para ir a mercado, levando em conta que o humor dos investidores pode mudar no meio do caminho.

Mesmo de perfil sigiloso, o IPO da Shein acabou vazando no mercado, por conta da forte expectativa com a operação. A empresa de vestuário protocolou um pedido confidencial de abertura de capital à SEC, em novembro de 2023. A companhia deve buscar um valor de mercado que pode chegar a US$ 90 bilhões, no que pode ser uma das maiores operações de abertura de capital em Wall Street… leia mais em InvesTalk 09/01/2024