Mais que IA, transformação digital é que pode revolucionar a saúde no país, aponta presidente da Roche Farma no Brasil
A Roche atua como farmacêutica no Brasil desde 1931, com a inauguração de sua fábrica no Rio de Janeiro. Mas só em 2023 passou a ter alguém do próprio Brasil no comando de sua divisão Farma (ao todo, são três divisões: Farma, Diagnósticos e Diabetes). Foi também a primeira mulher nessa história.
A escolhida foi a paulista Lorice Scalise. Na empresa desde 2000, passou por diversas funções e acumulou experiência em liderança: nos últimos seis anos, comandou a Roche Farma na Argentina, até ser apontada como presidente da operação brasileira no lugar do suíço Patrick Eckert.
Para a função, ela traz não só o olhar gerencial, mas também o de uma mulher que usou o SUS em boa parte de sua vida, se preocupa com a saúde feminina enquanto problema social no Brasil e diz que não se ilude com soluções fáceis: mais do que super invenções, vê o progresso na saúde como mais dependente de esforços conjuntos, pesquisa incessante e, sobretudo, interoperabilidade de dados e transformação digital.
“Se alguém está numa viagem em Itacaré [na Bahia] e faz um exame na UBS porque teve um problema de saúde, precisamos que essas informações estejam no Fleury quando ela volta a São Paulo. Isso não é algo super futurístico, é algo para melhorarmos já”, sugere, citando um exemplo prático. Isto é algo em que a Roche está colaborando, em parcerias diversas com instituições como a Sociedade Brasileira de Informática em Saúde e a Federação das Santas Casas de Hospitais Filantrópicos de Minas Gerais.
Para falar sobre todos esses desafios, Lorice recebeu a reportagem de Época NEGÓCIOS no escritório da Roche. Confira, a seguir, os principais trecho da entrevista.
Estamos prestes a fechar esse primeiro ano completo sem o impacto direto da pandemia de covid-19. Olhando para trás, como avalia que esse período influenciou a indústria farmacêutica?
A pandemia trouxe a necessidade de diálogo, de união entre diversas partes, não havia alternativa a isso. Esse entendimento de que a sociedade é composta pelo público, pelo privado e pelo indivíduo, cada um com uma função, é o que considero o principal legado. Na Roche, nos permitiu olhar para a saúde como um todo. E algo que foi positivo foi a gente ser capaz de enfrentar problemas atuais com soluções atuais. Temos muitas carências no Brasil, e a gente costuma enfrentar problemas atuais com soluções de tempos passados. Por exemplo: temos a população crescendo exponencialmente e um aumento de doenças crônicas. Não adianta querer enfrentar isso só construindo hospitais, como muitos querem fazer. A gente tem que enfrentar isso usando outras ferramentas, a tecnologia, o gerenciamento de dados… Na pandemia, houve um problema urgente, e a necessidade de inovar para resolvê-lo. Na Roche, que é uma empresa com 125 anos, conseguimos agir rapidamente e criar testes moleculares muito rapidamente, e o setor também conseguiu criar alternativas para lidar com a emergência.
E olhando para o futuro: quais são as áreas da saúde em que vocês estão concentrando investimento e pesquisa? Onde é possível dar um próximo salto de inovação?
Trabalhamos muito forte em oncologia, neurociências, hematologia, doenças raras. Mas não somente. Recentemente tivemos um lançamento em oftalmologia que simboliza o que fazemos: não pensamos somente na molécula em si, mas nas diferentes formas de administração delas. Porque como o tratamento é aplicado interfere na eficiência dele. Em doenças de retina, abordamos edema macular diabético e edema macular por idade. E a dificuldade de adesão é porque são injeções no olho, e que o paciente tinha que tomar uma vez por mês, o que gera uma grande ansiedade e faz com que muitos abandonem o tratamento. Mas conseguimos mudar isso para ele fazer duas vezes ao ano, fazendo com que essa evasão seja muito menor.
E falando em novas tecnologias, quais são as priorizadas? A Roche investe em inteligência artificial, olha para essa possibilidade?
Para mim, o grande salto que a gente vai dar é a transformação digital em todos os aspectos. Falo do ecossistema, de todo o sistema de saúde. É urgente, imperativo fazer essa transformação. E aí é possível combinar com inteligência artificial. Um exemplo: você pode construir algoritmos que indicarão qual droga é mais indicada para certo paciente, considerando várias características. Mas aí precisa dos dados, começando pelos genéticos. Acho que a IA começou quando a gente conseguiu decifrar o primeiro DNA, que é o primeiro banco de dados existente. É a partir daí que você, tendo uma medicação para câncer de mama, em vez de testar em 10 pacientes para descobrir que em três ele dá a resposta correta, já saiba exatamente qual o paciente vai se beneficiar daquilo. Assim, se economiza tempo, se economiza custos com testes. Não precisa, por exemplo, fazer pesquisa clínica com grupo de controle. Basta reproduzir na IA. A gente já vem aplicando isso.
Mas o que falta, como comentei, é ter acesso a mais dados. Ter interoperabilidade de sistemas num país como o Brasil, em que a gente tem muita morosidade nos processos, é difícil. Se alguém está numa viagem em Itacaré [na Bahia] e faz um exame na UBS porque teve um problema de saúde, precisamos que essas informações estejam no Fleury quando ela volta a São Paulo. Isso não é algo super futurístico, é algo para melhorarmos já. Se posso ser totalmente sincera, acho que nos próximos três ou quatro anos, todo mundo deveria empurrar o barco para o mesmo lado, para passar essa onda gigante que é a dificuldade da transformação digital… leia mais em Época Negócios 30/11/2023