As cláusulas denominadas “poison pill” foram criadas com o intuito de barrar as aquisições hostis. Todavia, não é isso que está acontecendo na prática na maioria das companhias brasileiras de capital aberto e o caso da sociedade anônima Getninjas é a prova viva.

Recentemente a empresa Reag Investimentos S.A. atingiu mais de 25% de participação societária na empresa Getninjas S.A, tornando-se a maior acionista da Getninjas.

Ocorre que, de acordo com o Estatuto Social da Getninjas,  o acionista que concentrar 25% ou mais do total das ações de emissão da Companhia (excluídas ações mantidas pela Companhia em tesouraria) deverá realizar uma Oferta Pública de Aquisição – OPA, isto é, deverá adquirir, de forma obrigatória, as demais ações da Getninjas1.

Essa previsão é denominada de cláusula poison pill (ou, na tradução livre para o português, pílula de veneno) e surgiu com o propósito de prevenir que um único investidor ou um conjunto de acionistas adquiram uma fatia majoritária em uma empresa e, por conseguinte, realize uma mudança radical no controle da empresa, prejudicando os acionistas minoritários. Isto é, surgiu com o intento de atenuar as aquisições hostis.

O uso da cláusula poison pill no Brasil

Assim, a presença dessa cláusula no Estatuto Social de companhias abertas permite que haja a compra das demais ações da companhia por um valor superior ao que os demais acionistas receberiam se realizassem a venda de suas ações na bolsa de valores. No caso da Getninjas, o preço de aquisição por ação de emissão da Companhia a ser ofertado na OPA corresponderá à cotação média ponderada das ações de emissão da Companhia na B3 nos 30 (trinta) pregões que antecederem a aquisição ou evento que resultou no atingimento de Participação Relevante, atualizado pela Taxa SELIC até a data do efetivo lançamento da OPA por Atingimento de Participação Relevante.

A história das cláusulas hostis, tais como as poisons pills, remonta às décadas de 50, 60 e 70, quando, nos EUA, por ausência de legislação anti-truste, havia uma incorporação em massa das pequenas empresas pelas grandes corporações. Neste cenário, com o propósito de proteção, os acionistas das pequenas empresas realizavam a implementação de cláusulas defensivas, as quais passaram a ser denominadas de poisons pills (LEITE, 2021, p.8-9).

Existem várias espécies de cláusulas ditas poison pill, dentre as quais podemos citar as flip-in e as flip-over, muito utilizadas no direito norte americano.

As flip-in permitem a emissão de novas ações pela companhia, as quais apenas podem ser adquiridas por acionistas diferentes do adquirente, isto é, do acionista que estar prestes a atingir o controle da companhia, e, frise-se, por um preço menor, o que acarretará a diluição do possível acionista controlador, tornando o controle societário ainda mais oneroso (LEITE, 2021, p.23). Essas não podem ser aplicadas no direito brasileiro, tendo em vista as diversas vedações à subscrição trazidas pela lei das Sociedades Anônimas, a qual enuncia que a emissão de novas ações imprescinde o aumento de capital social. Além disso, para a emissão de novas ações, nas companhias brasileiras, seria necessária a prévia deliberação pela Assembleia Geral. Por fim, uma terceira barreira à aplicação dessas cláusulas é o fato de que as novas ações emitidas não poderiam apresentar valor de emissão inferior ao valor nominal (LEITE, 2021, p.26).

Já as cláusulas do tipo flip-over tratam-se de um remédio a posteriori, pelo qual, após uma fusão, os acionistas não controladores poderiam comprar ações do adquirente com descontos elevados.

Nesse diapasão, o ordenamento jurídico pátrio as poison pills têm um modus operandi distinto, tendo em vista que elas requerem que o possível comprador efetue uma OPA direcionada a todos os outros acionistas da empresa, visando adquirir a totalidade das ações da empresa-alvo, observando certos critérios de preço e termos de pagamento.

Sucintamente, no Brasil há dois tipos de poison pills: 1) uma extensão da OPA para todos os acionistas da companhia e 2) A fixação de um preço mínimo para as ações que estarão em OPA, ambas derivadas do instituto da tag along (ou, na tradução livre para o português, “etiquetar conjuntamente”), disposto no art. 254-A2 da lei das Sociedades Anônimas.O instituto do tag along permite que os demais acionistas realizem a venda e suas ações, nas mesmas condições de que o acionista alienante detentor da maioria do capital quando esse último recebe uma proposta pública, que resultará na transferência do poder de controle de uma empresa de capital aberto.

A poison pill também pode ser construída com o que chamamos de “gatilho”, mecanismo capaz de assentar que uma poison pill só será acionada caso seja adquirido um número x de ações por um determinado acionista. Essa ferramenta foi utilizada pela Getninjas, conforme prevê o art. 55 do Estatuto desta Companhia.

Pois bem. É possível observar o quanto uma poison pill pode ser válida e eficaz para alcançar o objetivo que se propõe. Ocorre que, devido às limitações jurídicas promovidas pela lei das Sociedades Anônimas ou ao incorreto uso desse tipo de cláusula nos estatutos das companhias abertas, as poison pills podem tornar-se um grande pesadelo ao(s) founder(s) de uma sociedade, posto que poderá acarretar simplesmente a perda da sociedade empresária, como vem ocorrendo no caso Getninjas ou ainda a fomentar entraves societários que diminuem a saúde da empresa.

Inclusive, há quem defenda que, no Brasil, a utilização das poison pills tem produzido um efeito distinto do objetivo para o qual foram desenvolvidas (AMEC, ONLINE, 2022).

Diante dessas reflexões, torna-se imperativo repensar a importância da construção criteriosa dos atos constitutivos societários, a fim de garantir a efetividade das estratégias adotadas e evitar consequências indesejadas que possam comprometer o desenvolvimento saudável das empresas…Autora: Ana Carolina de Morais Lopes – presidente da Ágora Consultoria Jurídica. Membro do Grupo de estudos e pesquisas em Direito digital… . leia mais em Migalhas 14/11/2023