Os desafios dos Conselhos de Administração em 2024
Todo começo de ano parece ser igual: a gente se prepara para um período com imensos desafios mundiais, conflitos geopolíticos, questões macroeconômicas, desigualdades sociais, crises humanitárias. O mosaico pode mudar um pouco em função do momento, mas fato é que as maiores mazelas são históricas, estruturais e, de certa forma, já estão colocadas. Assim, as pesquisas sobre tendências que consulto não chegam a trazer grandes novidades, apesar, claro, de serem absolutamente relevantes para nos ajudar a projetar o que vem pela frente. Mas 2024 está sendo diferente.
No contexto dos conselhos de administração, três elementos me chamaram a atenção por serem mencionados por variadas fontes. Primeiro, uma visão de risco. Claro, esses colegiados têm como papel analisar os riscos para o negócio, está no seu “to do list”. O que surge para 2024 é a necessidade de “refinar a gestão de riscos”, de ir além do gerenciamento conhecido, fazer perguntas mais desafiadoras e buscar novos caminhos, por exemplo, incentivando o compartilhamento de informações entre comitês e promovendo reuniões conjuntas. Essa é uma das 8 tendências da publicação da KPMG “Conselho de Administração: prioridades para a agenda de 2024”.
Outro tema que aparece em todos os estudos é Inteligência Artificial. Segundo o Relatório de Riscos Globais 2024 do Fórum Econômico Mundial, “Resultados adversos das tecnologias de IA” é a sexta ameaça para os negócios no horizonte de 10 anos. O Relatório traz profundas informações e perspectivas a respeito, ou seja, é leitura indispensável nas empresas.
O terceiro elemento é o olhar para dentro. Essa necessária autocrítica não é algo inusitado, mas percebi que houve uma elevação no tom. Na publicação “5 Tendências em Governança Corporativa para 2024”, da PwC, uma das tendências é “Grande foco na cultura do conselho”, explicada de forma interessante: “Uma supervisão eficaz e o acompanhamento das mudanças regulamentares e dos avanços tecnológicos exigem que o conselho seja capaz de tomar decisões consistentes, que se baseiem em toda a gama de pontos de vista e experiências. E isso significa que os conselhos de administração devem examinar a sua própria cultura – se estão conseguindo aproveitar de forma produtiva a sua riqueza de conhecimentos para fazer as perguntas certas. Muitos conselheiros presumem que, se todos parecem estar se dando bem e as reuniões são amistosas, a cultura do conselho é boa. Mas a ausência de desacordo não indica necessariamente bom desempenho”.
Vamos agora aprofundar as tendências para o contexto ESG. A pesquisa “Prioridades dos Conselhos de Administração para 2024 nas Américas”, da EY, tem um dado preocupante: “Mudanças climáticas e gestão ambiental” era prioridade para 38% dos conselheiros em 2023 e caiu para 30% em 2024. O estudo, no entanto, sinaliza uma explicação. Quando se pergunta sobre quais temas os entrevistados querem que seus conselhos tenham mais informações, esses itens foram o terceiro mais demandado, com 42% dos votos. Minha análise: o que você não conhece, você não prioriza. Ainda precisamos avançar muito no letramento ESG. À medida que a compreensão sobre os riscos, oportunidades e valor agregado dessa agenda cresce, os conselheiros tendem a colocá-la no seu radar.
Na linha de ampliar o entendimento, um dos principais gaps é fazer a relação das dimensões ambiental e social com a estratégia e o negócio, como mostra a pesquisa “Sustainability in the spotlight: has ESG lost momentum in the boardroom?”, do Diligente Institute e SpencerStuart. Entre os maiores obstáculos para o progresso ESG, apontados por mais de 900 conselheiros de todo o mundo, estão: 45% – Relação com a estratégia; 22% – Relação com o Negócio; 22% – Concorrência com outros assuntos; 2% – Reação pública contra ESG.
Indo para a prática, quais deveriam ser os focos do conselho em ESG? Gostei das 10 Ações do Conselho para impulsionar a Sustentabilidade, da Russell Reynolds:
- Envolva-se proativamente com os stakeholders externos nos temas de sustentabilidade.
- Incorpore a sustentabilidade em todas as discussões com o CEO e a equipe executiva.
- Estabeleça uma cultura orientada para um propósito.
- Eduque os conselheiros em sustentabilidade de forma contínua.
- Aplique uma lente de sustentabilidade à tomada de decisões estratégicas.
- Estabeleça metas e métricas claras para monitorar o progresso.
- Estruture o conselho para se envolver de forma relevante em questões de sustentabilidade.
- Inclua metas de sustentabilidade nos modelos de remuneração.
- Considere a “mentalidade de sustentabilidade” um critério na contratação de conselheiros.
- Considere a “mentalidade de sustentabilidade” um critério na contratação de CEOs.
Todas essas iniciativas são fundamentais e certamente farão a diferença no balanço de final de ano. E eu acrescento: analise a sua governança. O estudo já citado, “Sustainability in the spotlight: has ESG lost momentum in the boardroom?”, me animou. 30% dos conselheiros entrevistados disseram ter feito mudanças estruturais para aumentar a supervisão dos temas ESG em 2023: 27% criaram comitês e 19% formalizaram a governança ESG.
Aqui no Brasil, vem aumentando o número de Comitês ESG de assessoramento ao conselho. Segundo a 18ª edição da pesquisa “A Governança Corporativa e o Mercado de Capitais”, da KPMG, essa foi a evolução nas empresas listadas na B3: 2021: 37 Comitês ESG; 2022: 44; 2023: 79. É pouco, comparado aos Comitês de Auditoria (248) e de Pessoas (155), mas já encostamos nos Comitês de Risco (82). Sinal de que as empresas estão mais conscientes sobre a importância de um órgão específico para apoiar o conselho nesses assuntos.
Em retrospectiva, ver todas essas pesquisas mapeando ESG é animador. Olhando para a frente, precisamos acelerar muito no entendimento e consequente priorização dessa temática nos conselhos. Afinal, como diz Fernando Carneiro, senior partner da Vila Nova Partners, empresa de Busca e Sucessão de Executivos e Conselheiros, “Um conselheiro que não consiga falar sobre sustentabilidade e diversidade, seja qual for sua área de formação, está fora”..Por Sonia Consiglio – SDG Pioneer pelo Pacto Global da ONU e especialista em Sustentabilidade.. leia mais em Valor Investe 12/03/2024