Roberto Campos Neto esteve em evento em São Paulo hoje e tratou da situação dos mercados, especialmente sobre o ciclo de relaxamento da política monetária no país.

O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, tratou da situação de mercados e, principalmente, de fatores domésticos e globais que podem interferir neste ciclo de relaxamento da política monetária no Brasil. O chefe da autarquia falou em evento da Associação Comercial de São Paulo, na capital paulista, nesta segunda (4).

Na ponta de atenção para a queda dos juros por aqui, o executivo mencionou as tensões geopolíticas, a situação da economia chinesa e o índice de desemprego abaixo do esperado em mercados desenvolvidos, que pode antecipar um repique da inflação.

“O desemprego também está baixo em outros países”, ponderou Campos Neto. “O desemprego está bem baixo nos Estados Unidos, na Austrália e em grande parte da Europa. Então isso faz com que você tenha uma atenção especial para a inflação de serviços, porque [essa inflação] é intensiva em mão de obra. Na inflação mundial, a parte de serviços está bastante alta.”

Mas calma lá! Assim como nem tudo “são flores”, nem tudo “são pedras” nesse caminho para a queda dos juros no Brasil.

Com viés também otimista para o cenário doméstico, partindo do pressuposto de que o governo e a economia brasileira podem surpreender – dadas as expectativas negativas do mercado -, o presidente do BC ainda relembrou uma trajetória positiva do mercado até aqui.

Após um processo coordenado de subida de juros no mundo, “a inflação vem caindo globalmente”. Segundo Campos Neto, nos núcleos de inflação, que desconsideram preços mais voláteis como de alimentos e energia, “a queda tem sido bem mais lenta e os núcleos ainda estão bastante altos”.

E o Brasil, continuou ele, “foi um dos países onde teve a queda dos núcleos mais acentuada e, apesar de ainda estarem acima da meta, estão em processo de convergência.”

Riscos geopolíticos

Os riscos geopolíticos têm crescido e podem afetar o processo desinflacionário, afirmou Campos Neto. “Um dos riscos da desinflação é que as tensões geopolíticas começaram a imprimir de novo um certo custo nessa parte da oferta”, disse.

“A desinflação teve uma parte que foi da oferta. Durante a pandemia, houve interrupção parcial da logística [global]. Os preços dos semicondutores subiram. Agora já caíram de novo. Mas agora as tensões geopolíticas começaram a imprimir de novo um certo custo nessa parte da oferta. Tem muito produto hoje que já não é nem mais enviado, porque essa rota maior [pelo Atlântico Sul para evitar os ataques houtis no Mar Vermelho] faz com que o produto fique muito caro.”

Ainda, para Campos Neto, “esse tema geopolítico começou a afetar um pouco a logística mundial e começou a afetar também preço de alguns de alguns componentes”.

Risco oculto

O presidente do BC ainda chamou a atenção para um risco “oculto” representado pelo chamado “shadow banking”, ou seja, o sistema financeiro paralelo, fora dos bancos.

“Entre os grandes riscos do mundo hoje tem [uma questão no] sistema de crédito. Nos Estados Unidos, grande parte do crédito não está mais no sistema bancário. Cerca de 40% do crédito americano não está mais nos bancos, está no que a gente chama de ‘shadow banking’. Isso é perigoso, porque o BC não consegue regular quem não está no sistema de crédito. Então você começa a ter um problema de ter uma alavancagem que não se está vendo.”

China

Os problemas estruturais da economia chinesa estão no radar de riscos dos bancos centrais. Segundo o presidente do BC brasileiro, “tem sido bastante difícil avaliar a China”.

Conforme o dirigente, “a China realmente preocupa bastante e a gente tem tentado olhar no detalhe”.

Na visão de Campos Neto, “ao contrário de grande parte dos países, na China, os imóveis são muito importantes como riqueza das famílias”.

De acordo com o presidente do BC, “73% da riqueza das famílias chinesas são imóveis”. Quando há uma queda no preço de imóveis ocorre um efeito de os chineses sentirem “um diferencial [negativo] grande na riqueza e, geralmente as pessoas respondem parando de consumir.”

Para Campos Neto, “o grande questionamento é, se as vendas estão caindo muito, se novas construções estão caindo muito, por que que o preço de imóveis não caiu?” O dirigente ponderou que “em qualquer país do mundo, onde as vendas caem mais de 30% e os investimentos caem mais de 60%, é difícil que o preço dos imóveis fique mais ou menos parado”.

Mas, questionou o chefe do BC, o que que aconteceria se preço de imóveis começasse a cair? “Muito provavelmente você tem uma resposta no consumo, porque se você está vendo o seu patrimônio cair, você responde consumindo menos”, pontuou.

Outro ponto, explicou o presidente da autoridade monetária, “é que a China está fazendo uma mudança no seu modelo de crescimento, deixando um crescimento baseado em construção e infraestrutura para um mais baseado em consumo, na dinâmica interna”. O problema, acrescentou Campos Neto, é que, “se você tem um ajuste de salários ou um ajuste de de patrimônio, obviamente isso coloca muitas dúvidas [sobre a sustentabilidade do ritmo de crescimento na China]”, então é um tema que estamos olhando de perto”.

Endividamento dos EUA e queda de liquidez global

O endividamento dos EUA pode levar a uma restrição de liquidez global, disse o presidente do BC. Segundo o dirigente, não é um risco de curto prazo, mas que tem sido monitorado pela autoridade “Quando a gente olha a dívida dos Estados Unidos, ficou em décadas entre 30% a 50% do PIB, depois foi para 60%, mas começa a subir a partir de 2008. De lá para cá é uma subida que é quase uma linha reta.”

Segundo Campos Neto, o endividamento americano saiu de um padrão histórico de 50% do PIB para 180% atualmente. “Mas não é só a dívida mais alta, mas agora o custo da dívida subiu muito. Os juros nos Estados Unidos saíram de perto de zero para um patamar em torno de 4% a 5,5%. Os países desenvolvidos que gastaram muito na pandemia, como Europa, Estados Unidos e outros, tinham juros muito perto de zero e agora não mais. Então têm um bolo de dívida muito maior, mas um custo de juros muito maior também.”

O recorte otimista da fala de Campos Neto

Da perspectiva otimista, Campos Neto reforçou que há um efeito positivo nos mercados pelo fato de o crescimento das economias estar surpreendendo para cima em vários lugares do mundo.

“Nos Estados Unidos você teve uma convergência de juros com crescimento surpreendendo para cima e no Brasil também. No Brasil a gente está vendo isso, uma surpresa de crescimento para cima e com a inflação convergindo (para a meta).”

Segundo o presidente do BC, em quase todos os países há uma expectativa de queda de juros [nas próximas reuniões de política monetária]. “Em grande parte dos países desenvolvidos os juros não caíram ainda, enquanto o mundo emergente começou a cortar antes”, complementou.

“Os países desenvolvidos mantiveram os juros nas últimas reuniões de política monetária. Em grande parte do mundo, os juros ainda estão perto do máximo ou no máximo dos últimos anos”, ponderou Campos Neto. “Apesar disso, quando a gente olha o mercado futuro, as curvas estão projetando uma queda de juros à frente. Mas o que a gente vê é que nesse nesse ambiente, mesmo com um adiamento [na expectativa de corte nos EUA], os mercados estão relativamente bem comportados. A bolsa americana está no máximo, a parte de crédito privado também.”

No cenário doméstico, para Campos Neto, o governo tem condições de apresentar um número fiscal melhor do que o mercado tem esperado.

“Existe uma diferença grande entre a previsão do mercado e a meta do governo. Por exemplo, para 2024 a meta é zero e o mercado acha que vai ser um déficit de 0,8% [do PIB]. Para 2025, governo diz que vai ser [um superávit de] 0,5% e o mercado, acho que será -0,6%. E para 2026, o governo diz que vai ser [superávit de] 1% e o mercado acha que é -0,4%. Eu acho que, como o mercado já tem um número para 2024 bastante ruim, há chance de a surpresa ser para melhor.”… Leia mais em valorinveste.globo.04/03/2024