Em sua aguardada carta anual, publicada neste sábado (25), Warren Buffett, o mais bem-sucedido dos investidores, retomou críticas a divulgação de resultados feitas por empresas. Um dos donos da Berkshire Hathaway, e quinta pessoa mais rica do globo, o “guru” alerta que as informações contábeis podem ser traiçoeiras para os investidores. Seja quando as empresas seguem as regras oficiais (nos Estados Unidos conhecidas pela sigla GAAP), seja quando recorrem à “contabilidade criativa” para melhorar os números.

Contabilidade criativa

Em bom português, se correr o bicho pega, e se ficar o bicho come. Cabe a investidores, antes de mais nada, ficarem sempre com um pé atrás ao avaliar a divulgação de resultados financeiros.

A crítica de Buffett à contabilidade oficial está no registro da participação acionária da Berkshire pelo valor de mercado a cada trimestre, mesmo que ganhos e perdas não tenham sido “realizados” com a venda das ações. Para ele, isso traz volatilidade ao lucro contábil e passa sinais errados aos investidores sobre o desempenho da companhia. Especialmente quando se olha os números em bases trimestrais, que seriam curtas demais.

“Os ganhos GAAP são 100% enganosos quando visualizados trimestralmente ou mesmo anualmente”, escreve o multibilionário. “Os ganhos de capital, com certeza, foram extremamente importantes para a Berkshire nas últimas décadas, e esperamos que sejam significativamente positivos nas próximas décadas. Mas suas oscilações trimestre a trimestre, regularmente e sem pensar nas manchetes da mídia, desinformam totalmente os investidores.”

O lucro GAAP da Berkshire, se excluídos da conta os ganhos ou perdas de capital de participações acionárias, chegou ao recorde de US$ 31 bilhões em 2022 – escreveu Buffett. “Charlie [Munger, sócio na gestora] e eu nos concentramos nessa figura operacional e pedimos que você também o faça. O valor do GAAP, sem nosso ajuste, flutua de forma selvagem e caprichosa a cada data de relatório.”

Mais à frente no texto, Buffett pondera que também o método não tradicional de contabilidade que adota é passível de distorções com o objetivo de ludibriar o público.
“Mesmo o valor do lucro operacional a que damos preferência pode ser facilmente manipulado pelos gestores. Essa adulteração costuma ser considerada sofisticada por presidentes de empresas, diretores e seus consultores. Repórteres e analistas também aceitam sua existência. Superar as ‘expectativas’ é anunciado como um triunfo gerencial. Essa atividade é nojenta. Não é necessário talento para manipular números: é necessário apenas um profundo desejo de enganar. ‘Contabilidade ousada e criativa’, como um presidente de empresa certa vez me descreveu, tornou-se uma das grandes vergonhas do capitalismo.”

A vantagem de recomprar ações

Buffett também defendeu na sua carta anual a recompra de ações como boa estratégia de retorno para acionistas, se feita sob preços justos.

“Um ganho muito pequeno no valor intrínseco por ação ocorreu em 2022 por meio de recompras de ações da Berkshire, bem como movimentos semelhantes na Apple e na American Express [Amex], ambas investimentos significativos nossos. Na Berkshire, aumentamos diretamente o interesse de investidores em nossa coleção única de negócios ao recomprar 1,2% das ações em circulação da empresa. Na Apple e na Amex, as recompras aumentaram um pouco a propriedade da Berkshire sem nenhum custo para nós. A matemática não é complicada: quando a contagem de ações diminui, o interesse em nossos muitos negócios aumenta. Cada pedacinho ajuda se as recompras forem feitas a preços que agregam valor”, explica, continuando com um exemplo hipotético para defender a tese.

“Imagine três acionistas de uma concessionária de automóveis, sendo que um deles o gerente. Imagine, ainda, que um dos proprietários que não administra a empresa quer vender sua participação sob preço atraente aos outros dois acionistas. Quando concluída, esta transação prejudicou alguém? O administrador é de alguma forma favorecido em relação aos outros proprietários? O público foi prejudicado? Quando lhe dizem que todas as recompras são prejudiciais para os acionistas ou para o país, ou particularmente benéficas para os presidentes de empresa, você está ouvindo um analfabeto econômico ou um demagogo eloquente (personagens que não são mutuamente exclusivos).” Por Fernando Torres e Gustavo Ferreira, Valor Investe — São Paulo Leia mais em valorinveste.globo 25/02/2023